Mulheres Sem Terra reafirmam a identidade revolucionária em curso
Por Agatha Azevedo
Da Página do MST
Com militantes de São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, o curso Feminismo e Marxismo aconteceu em Belo Horizonte entre os dias 29 de março e 2 de abril, e foi marcado pelo debate do patriarcado e pela reafirmação das mulheres do MST como protagonistas da luta contra o capital no Movimento.
Para além do estudo e das oficinas práticas, o curso também teve a missão de ajudar a combater essa sociedade patriarcal e capitalista, com espaço aberto para as mulheres poderem falar das violências que passam e se fortalecerem para o enfrentamento.
Segundo Edilene Silva, do setor de gênero do MST, compartilhar as vivências fortalece a organização feminina no Movimento, e a compreensão das tarefas para o próximo período. “É um momento de levantar a autoestima das mulheres, um momento de muito estudo, mas também de preparo para que as mulheres possam voltar para as suas áreas, fazer trabalho de base e organizar coletivos de mulheres, produção e luta”, afirma.
Edilene conta que o curso foi voltado às mulheres de instâncias de direção do MST, para que elas possam reproduzi-lo nos estados com as companheiras dos acampamentos e assentamentos. “O curso nasce a partir das lutas que a gente fez”, relembra citando a ação &”39;Rompendo o Silêncio&”39; em 2006, onde 2 mil mulheres se organizaram para a primeira luta das mulheres Sem Terra contra o capital, ocupando a Aracruz Celulose, no Rio Grande do Sul, para lutar contra a monocultura do Eucalipto.
A ação de destruição das mudas e estufas, organizada no 8 de março pela Via Campesina, marca uma trajetória de enfrentamento ao capital como o inimigo estratégico do povo, que leva a destruição e a monocultura para o campo.
Segundo Edilene, essa troca de experiências faz parte de um processo de reconhecimento das mulheres como protagonistas deste enfrentamento, que passa de geração em geração e requer preparação. “As mulheres estão bem mais fortalecidas, e encontramos nos encontros nas lutas da região sudeste a necessidade do estudo teórico de feminismo e marxismo, seguindo exemplo de outras regiões, como o nordeste”.
Ângela Alcântara, do setor de cultura do MST, conta que esta é a primeira vez que ela participa de um espaço somente de mulheres. “Para mim foi libertador. É duro ver que você não é a única que passou por certas coisas, mas ao mesmo tempo é bom, porque quando a gente pensa que é só com a gente que acontece, não combatemos. O problema não é individual, é coletivo, e as mulheres não precisam viver violências.”
Nascida na favela da Vila Maria, ela conta que se descobriu o Movimento por suas lutas. “A minha família sempre ocupou, veio do Pernambuco tentar a vida em São Paulo. Mas para mim aquilo não era ser Sem Terra, era apenas ser pobre e não ter onde morar. Mas quando eu conheci o Movimento eu entendi que eu sempre fui Sem Terra”.
Para Ângela, esse encontro serviu para que ela entendesse que tem o controle de sua própria vida e se fortalecesse, e deseja o mesmo para todas as mulheres. “Eu me realizo todo dia quando uma mulher deixa de apanhar, de ser estuprada ou sai de um relacionamento abusivo. As mulheres podem ser felizes e livres. Tudo o que ensinam sobre ter uma família, &”39;ser do lar&”39;, é mentira”.
Por um feminismo da classe trabalhadora
Desde o primeiro Congresso do MST em 1984, as mulheres começaram sua auto organização. A luta pela terra no Brasil nasce junto com o grito por liberdade de toda a América Latina no período ditatorial, e, segundo Lucineia Freitas, do setor de gênero nacional do MST, a participação das mulheres nas guerrilhas revolucionárias e na resistência contra as ditaduras foi fundamental.
No âmbito urbano, a luta questionava sobre como as mulheres vivenciavam a opressão através do trabalho doméstico não remunerado, que sustenta a lógica capitalista. Segundo Lucineia “é nesse bojo que o MST nasce”.
É no 1º Congresso Nacional que se realiza também a 1ª Assembleia das Mulheres do MST, e “tira-se por encaminhamento a necessidade de construir coletivos de mulheres nas bases para debater o papel da mulher na construção deste Movimento”, relembra Lucineia.
De 1984 até 2006, as mulheres Sem Terra vem se afirmando para além das tarefas do cuidado, da ciranda, da saúde, mas também estar nos espaços de decisão do movimento, como a diretoria. Por isso a importância do curso. “É um período de estudo e articulação, de pautar no MST a leitura de mulheres revolucionárias como Rosa Luxemburgo e Alexandra Kollontai, e pensar o Movimento a partir do materialismo histórico-dialético e da luta das mulheres”, explica Lucineia.
Lucineia afirma ainda a capacidade das mulheres de pensarem no todo da organização. “As mulheres conseguem estruturar a luta de maneira coletiva, pois tem a capacidade observar os espaços com uma totalidade, e de entender a necessidade de estudo, já que tiveram na sociedade tantas vezes o direito de participar negado, e se forjaram assim na luta e na militância”.
Para a dirigente do setor de gênero nacional, “a realização do Feminismo e Marxismo Sudeste ajuda a fortalecer esta identidade das mulheres na região, para além das lutas do 8 de março, e ajuda a enxergar quem é essa mulher Sem Terra em construção”, e a autoorganização das mulheres é um dos pontos fundamentais para a construção de um projeto popular para o Brasil e para o mundo a partir das bandeiras do socialismo e do poder popular.
Editado por Fernanda Alcântara