MST ocupa Vale para denunciar que a empresa calculou o valor da vida

Em luta, mais de mil pessoas estão em Brumadinho reivindicando seus direitos como atingidas e denunciando a ação criminosa da mineradora

 

ação vale (3).jpeg
Mais de mil pessoas estão em Brumadinho neste momento, reivindicando seus direitos. Fotos: Mídia Ninja

 

Por Agatha Azevedo
Da Página do MST

 

A Vale calculou 2 milhões e 600 mil dólares por morte antes do rompimento da barragem, segundo denuncia da promotoria. André Sperling, promotor de Justiça, critica modelo que beneficia mineradoras e deixa população em risco.
 

Ao longo da Jornada de Lutas pela Reforma Agrária, realizada neste mês, o Movimento construiu um laudo técnico que comprova a existência de mil famílias Sem Terra atingidas diretamente na região metropolitana de Belo Horizonte pelo rompimento da barragem em Brumadinho. Além de perderem a produção, essas famílias tiveram a saúde afetada, por viverem a menos de 1km do Rio Paraopeba, devastado pela Lama.
 

O Ministério Público e demais autoridades competentes já reconhecem as famílias como atingidas, e o cadastro feito pela Emater já é de conhecimento da Vale, que até o momento não se pronunciou sobre a indenização das famílias.
 

Segundo Sperling, a empresa sabia dos riscos e mesmo assim sobrecarregou a barragem. “Eles trabalham quase como se fosse um cassino. Eles apostam que mesmo que a barragem esteja com nível de segurança inadequado, ela não vá romper. Eles precificam.”, afirmou o promotor.
 

Sperling também falou das evidências deste processo, “A gente tem provas de que eles precificaram, por exemplo, o custo da vida humana no rompimento da barragem de Brumadinho. Cada vida humana teria um custo para eles de 2 milhões e 600 mil dólares, mais ou menos. Eles tinham isso nos boletins internos. Engraçado que agora, nos processos de reparação, eles não estão oferecendo esse dinheiro todo para as famílias.”
 

O MST defende que lutar é um direito e que a Vale, como criminosa, tem que pagar. “Nós vamos seguir na luta pelo direito das famílias atingidas, pelas mais de 300 vítimas, e para que a responsável, que é a Vale, pague por sua irresponsabilidade”, afirma Cristiano Meireles, da coordenação estadual do MST.

Confira entrevista sobre o que já foi apurado até o momento.
 

Diante da grande quantidade de barragens em risco em Minas Gerais, podemos dizer que há um colapso na mineração? Quais são as causas?
 

Depende um pouco do que é a ideia de colapso. Para as mineradoras não tem colapso nenhum. Elas continuam lucrando. A Vale tem lucrado constantemente, inclusive no último trimestre. Para o capital, eu não vejo colapso. O que houve depois do rompimento da segunda barragem é a conscientização sobre um processo que já estava ocorrendo, mas ninguém sabia, em razão das condutas das mineradoras de uma forma geral, e principalmente da Vale no caso, em omitir a real situação das barragens e a segurança delas.
 

O fato das duas barragens que já se romperam serem da Vale pode ter relação com a privatização da empresa?
 

Eu acho que o modelo de mineração de Minas Gerais, de uma forma geral, é um modelo extremamente exploratório. Eu não posso falar única e exclusivamente da Vale, porque tudo é feito visando maximizar ao extremo o lucro das empresas. E um dos caminhos que eles encontram para isso é diminuindo o custo da manutenção das barragens. Tendo em vista que eles mesmos fazem o controle da segurança da barragem, contratando empresas que emitem laudos segundo os interesses da própria mineração.
 

O CEFEM, que é o imposto da mineração, é baixo. Eles rebaixam lençóis freáticos, utilizam a água toda para mineração, estragam a floresta.
 

Você disse que eles calculam o nível de risco e os lucros que extraem na exploração do minério?
 

Sim, eles trabalham quase como se fosse um cassino. Eles apostam que mesmo que a barragem esteja com nível de segurança inadequado, ela não vá romper. Eles precificam. A gente tem provas de que eles precificaram, por exemplo, o custo da vida humana no rompimento da barragem de Brumadinho. Antes de romper, eles já tinham precificado que cada vida humana teria um custo para eles de 2 milhões e 600 mil dólares, mais ou menos. Eles tinham isso nos boletins internos. Engraçado que agora, nos processos de reparação eles não estão oferecendo esse dinheiro todo para as famílias, mas eles têm essa precificação interna. Ou seja, eles sabiam do risco e queriam saber quanto isso custava para a empresa. O que eles “erraram” é que eles previram, em Brumadinho, a morte de 20 pessoas. E morreram mais de 300.
 

Sabemos que a Vale possui o maior serviço de inteligência do Brasil, mantém relações duvidosas com políticos e tem muita influência onde se instala. Qual é o nível de assédio ou mesmo risco que o poder público sofre nesse caso?
 

A Vale é uma empresa de grande poder econômico. É a segunda maior mineradora do mundo. É evidente que o poder do dinheiro se espraia em toda a sociedade. Desde aquela pessoa humilde, que depende do emprego da mineradora para viver, e defendendo que a mineração continue da forma como está. Até o prefeito que não quer que a prefeitura perca a arrecadação. Então, existe um processo de “minério-dependência” e esse processo é também do Estado de Minas Gerais. Com relação à investigação e aos trabalhos dentro das forças-tarefas eu não tenho visto espaço para algum tipo de atitude que prejudique. O Ministério Público, a Defensoria Pública da União, o MP Federal têm agido de forma coesa – a Polícia Federal também – em busca da responsabilização criminal e da reparação dos danos.

Existem iniciativas para flexibilizar as leis para a mineração. A legislação existente basta para condenar a Vale?
 

Eu acho que, com a vitória do Bolsonaro, há ou havia, um projeto no sentido de flexibilizar para que empreendimentos desse tipo sejam implementados de forma mais rápida, sem os devidos processos que garantem segurança. Com o crime que ocorreu no Rio Paraopeba, esse projeto, de certa forma, foi barrado durante um tempo. Aqui em Minas Gerais, depois do crime, foi aprovado o projeto Mar de Lama Nunca Mais, que cria maiores dificuldades para a mineração.
 

Com relação aos atingidos em geral, ainda falta um projeto que garanta seus direitos. Existe um projeto, que está arquivado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais sobre os direitos dos atingidos por barragens, seria muito interessante sua aprovação.
 

Qual é a orientação para os cidadãos da região que busca por justiça e indenização? Como as organizações populares podem contribuir aí?
 

Sem dúvida as organizações populares e os movimentos sociais, movimentos ligados à igreja, etc, eles têm fundamental importância. Para que essas demandas sejam atendidas o povo precisa estar organizado, consciente dos seus direitos. O caminho é esse, caminho coletivo, de estarem todos unidos em busca de justiça.

Nós vamos implementar ao longo de toda bacia do Paraopeba – nós, eu digo, o MP Estadual, o MP Federal e a Defensoria Pública da União – um processo de escolha de assessoria técnica para os atingidos, para que possam estar ao lado dos atingidos nesse processo de reparação. A assessoria técnica é paga pelo causador do dano, mas não diretamente.
 

Agora os atingidos tem que ficar cientes que existe, sim, um processo da Vale para buscar dividir eles, para transformar essas causas coletivas em causas meramente individuais. Esse caminho tomado pela Vale para nós ficou muito claro num recente acordo que a Vale firmou junto à defensoria pública.
 

Esse acordo criou uma tabela de danos, que diz quanto vale cada coisa, ou quanto vale a terra, como vai ser indenizado um comércio, a perda de um emprego. A defensoria pública abriu um escritório em Brumadinho e para nós, isso é algo muito perigoso. Se os atingidos aceitarem esse padrão de indenização, eles muito provavelmente não terão direito mais de discutir os valores que receberam individualmente. Então, a Vale chega a esse nível de violação. Ela provoca o dano, põe todo mundo em estado de necessidade e usa esse estado para fazer negociações a valores mais baixos com os atingidos. Então eles estão sendo duplamente atingidos, sendo submetidos a um processo de negociação violador de direitos.
 

 

*Editado por Fernanda Alcântara.