Sem audiência e sem notícia, Porto Alegre sofrerá impacto com a chegada do carvão
Por Ayrton Centeno
Brasil de Fato
Para a Copelmi, o empreendimento não afetará a cidade e a audiência não visaria esclarecer a população e sim “tumultuar”(1). Francisco Milanez, presidente da Agapan, entende de modo diferente. “A coisa é tão ruim, tão tortuosa, que eles têm medo de audiência pública”, ironiza. Não haveria razão para tanto. “No Brasil, desde 1986, as audiências resultaram, no máximo, em correção de erros bárbaros ou (para detectar) falsificações de estudos”, diz.
“Se não querem discutir é porque sabem que não possuem argumentos que convençam a população a implantar uma mina tão impactante como esta”, interpreta o geólogo Rualdo Menegat, da UFRGS. Argumenta que Porto Alegre, com suas três universidades, deve apostar “na indústria criativa e geradora de valores econômicos, sociais e culturais muito melhores que os do carvão”.
O risco que a Capital ignora
Na visão do pesquisador, a cidade “terá sua qualidade ambiental comprometida”. Lembra que, nos anos 1970, os porto-alegrenses se uniram para lutar contra a poluição da papeleira norueguesa Borregaard e o ar fétido que emanava de suas chaminés. E a derrotaram. Mas – ressalta – que a Mina Guaíba será “muito mais impactante, pois contaminará a água com metais pesados e o ar com particulados do carvão, que destróem a saúde”.
Hoje, a imensa maioria dos moradores da Capital desconhece o que está sendo engendrado praticamente diante de suas janelas, um pouco além das margens do Jacuí. Prova disso é a reportagem de TV feita pela apresentadora Katia Suman, circulando pelo centro histórico e indagando os transeuntes a respeito. Ninguém sabia nada. E, ao saberem, não gostaram nem um pouco.
“Povo que não tem virtude acaba escravo”
“Não encontramos uma só pessoa que defendesse essa mina”, diz Kátia. “Na China – continua – não querem mais poluição, mas aí vai um governo e entrega de bandeja suas áreas para a exploração. É inadmissível”, acentua.
“O nosso hino rio-grandense parece ser profético: “povo que não tem virtude, acaba por ser escravo”, adverte a advogada Patrícia Silveira, reparando que “o prefeito da Capital deveria ser o primeiro a exigir audiência pública”.
Menegat recomenda que os eleitores exijam uma posição a favor da cidade por parte do prefeito e dos vereadores. Mas quem for cobrar postura mais firme em relação ao empreendimento deve se apressar. Segundo a Copelmi, o DMAE, responsável pelo serviço de água e esgotos na Capital, manifestou-se favoravelmente ao projeto.
“Não compramos rio nem ar em supermercado”
“Já foram protocoladas representações no Ministério Público Estadual e Federal, assim como solicitações de parlamentares na Fepam para que haja audiências públicas em Porto Alegre e em outras cidades afetadas”, acentua a advogada.
“Não é uma questão de a Copelmi querer ou não. Nem a Fepam, com o seu silêncio, em não atender às solicitações. Cabe ao MP, definitivamente, requisitar as audiências”, questiona. “Não queremos Brumadinho aqui: não compramos rio e nem ar em supermercados”, avisa.
“Princípio da Informação”
Em março, os deputados Edegar Pretto (PT) e Luciana Genro (PSol) encaminharam aos ministérios públicos estadual e federal um pedido de suspensão do projeto de licenciamento ambiental da mina. Nele, notam que “o Princípio da Informação Ambiental não está sendo respeitado”, dado que a população das cidades do entorno, além de Charqueadas e Eldorado do Sul, não está sendo consultada.
Na Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre, a promotora Ana Maria Marchesan está aguardando a audiência pública de 27 de junho em Eldorado do Sul. No dia 30 de maio, ela informou que, se o encontro não for satisfatório, tratará de solicitar uma audiência pública para Porto Alegre.
Com ou sem audiência, Porto Alegre começa a reagir de modo mais forte. Nos próximos dias será lançada uma frente em defesa da vida e do meio ambiente formada por 25 organizações da sociedade civil para denunciar a ameaça que, segundo entendem, representa o projeto da mina.