Guaií: A semente boa que chega às suas mãos pela Cooperativa Camponesa

A marca Guaií foi lançada em 2015, com objetivo de facilitar o escoamento da produção cafeeira e outros frutos da diversificação agroecológica
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Foto: Dowglas Silva 
 
 
Por Geanini Hackbardt
Da Página do MST*

 

Em Minas Gerais, decisões políticas se tomam entre uma xícara e outra de café. Não poderia ser diferente, afinal o estado é a liderança mundial em produção café. E é da região sul que sai 53% do grão. Aproveitando as condições propícias para este tipo de cultivo é que nasce a história do café Guaií e da Cooperativa Camponesa, mas antes foi preciso lutar pela terra.

A ocupação da Fazenda Jatobá ocorreu após uma greve, sem resultados, organizada pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campo do Meio e Região. O objetivo era entrar na Usina Ariadnópolis que devia quatro meses de vencimento aos trabalhadores. As condições do latifúndio vizinho, porém, prometiam maior possibilidade de conquista. Assim, em 18 de novembro de 1996, iniciou-se o processo de luta pela desapropriação da área, que veio um ano mais tarde, em 1997, e beneficiou 40 famílias.

O assentamento Primero do Sul conta com 270 moradores numa área de 887 hectares. A principal atividade econômica é a cultura do café, mas os assentados e assentadas fazem consórcio com banana, feijão, milho, abacaxi e mamão, etc. Apesar dos lotes individualizados, espaços importantes são utilizados de forma coletiva, como o terreiro para a secagem do café, a descascadeira, a moedeira, além do silo, do torrador e do tanque de resfriamento do leite.

Em seguida, a ocupação da fazenda Capão Quente resultou no assentamento Santo Dias, 49 famílias, no município de Guapé. Enfim, iniciou-se a disputa pelas terras da Usina Ariadnópolis. Hoje, com um complexo acampamentos chamados Quilombo Campo Grande. O conflito envolve 450 famílias e se arrasta por mais de 20 anos. Tantos anos de resistência garantiram o plantio de 2 milhões de pés de café na área.

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Foto: Dowglas Silva 

Do convencional para o agroecológico e cooperado

A linha produtiva do café começou de maneira tradicional, visando um processo de transição para a o orgânico e agroecológico. Através de uma pesquisa realizada pelo Instituto Federal do Sul de Minas Gerais, campus do município de Machado, em 2011 os trabalhadores puderam iniciar a transição. Em 2012, fruto desse trabalho, foi fundada a Cooperativa dos Camponeses Sul-Mineiros, a Camponesa.

“Ficamos pouco mais de um ano nesse processo de regularização de registros de produção junto aos órgãos competentes. Em 2014 conseguimos o registro da cooperativa. Demos entrada nos papéis com 25 sócios fundadores. Hoje temos 500 famílias envolvidas”, explica Sebastião Melia Marques, um dos responsáveis pelas primeiras ocupações e um dos sócios-fundadores da Camponesa.

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Foto: Dowglas Silva 

Um projeto junto à ONG inglesa Christian Aid garantiu recursos para insumos em áreas experimentais e assistência técnica durante o início da certificação, além de intercâmbios em áreas de produção na Nicarágua e no Burundi. “Foi uma troca de conhecimentos importante para que a cooperativa se consolidasse. Graças a essas parcerias que criamos, conseguimos avançar da produção convencional para a orgânica e agora estamos avançando para a agroecologia, o que sempre foi nossa intenção”, aponta Roberto Carlos, Gerente da Cooperativa.

Dona Hélia da Silva, uma das cooperadas em transição agroecológica, trás um exemplo de como ocorre o processo. “Eu tenho perto da minha casa 1200 pés de café que é associado com abacateiro, com goiabeira, algumas bananeiras. Num pequeno espaço é a gente conseguir tirar uma variedade de produção. É bem mais saudável o que a gente consegue produzir sem agrotóxico. É melhor sabor, é mais difícil, dá mais mão de obra, mas o resultado é bem melhor que o convencional, feito com uso de agrotóxicos”, define a agricultora assentada.

Atualmente são 26 famílias assentadas com a certificado de produção orgânica, 149 hectares de cafés plantados nos 3 assentamentos e 98 hectares plantados nos acampamentos do entorno. Um dos desafios é produção de insumos próprios, através da agroindustrialização e do reaproveitamento de seus resíduos, já que 90% são comprados fora das áreas. Mas para o MST, isso não é empecilho.

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Foto: Dowglas Silva 

A cooperativa organiza a compra de micronutrientes para o preparo de caldas naturais, e a compra de adubos orgânicos como torta de leguminosa, farinha de osso, composto orgânico, fosfato natural, potássio natural e esterco de gado para aplicação nas lavouras e produção de adubos vivos como o Bokashi.

Há um projeto em andamento chamado de “Café Soberano”, que pretende elaborar compostos em escala com a palha de café, bagaço de cana, esterco de gado dos assentamentos. E com a recente vitória que assegurou a permanência das famílias no Acampamento Quilombo Campo Grande, a produção promete avançar ainda mais.
Roberto Carlos explica que a tendência é ampliar os números da colheita e que as famílias se animam com a demanda do mercado.

“Nós plantamos o Café Arábica, que é normal ter alta produção a cada dois anos. Em 2016 foram 9 mil sacas, 2017 teve uma queda. Mas em 2018 dobrou a produção. O número de famílias produtoras tem aumentado, porque elas percebem a boa saída e o sucesso que tem o café orgânico”, avalia o Gerente.

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Foto: Geanini Hackbardt

Comercialização

A marca Guaií foi lançada em 2015, com objetivo de facilitar o escoamento da produção cafeeira e outros frutos da diversificação agroecológica. “Foi um processo de construção coletiva de identidade, que levou em conta a história da região, nossa intenção de preservar a natureza e levar alimentos saudáveis até a cidade, alimentos que tragam em si a dignidade da luta, a história de um povo e a alta qualidade dos produtos da Reforma Agrária”, conta Tuíra Tule, da Direção Regional do MST.

Guaí ou Guay significa semente boa em Guarani. A grafia também foi criação coletiva para manter a sonoridade da palavra original. “Acreditamos que a forma coletiva de organização econômica e social da produção é o caminho a ser trilhado para melhorar as condições da vida”, sintetiza a página da cooperativa.

A Camponesa prioriza a comercialização direta no varejo e no atacado, além das feiras livres, grupos de consumo consciente e vendas institucionais. No entanto, em 2016 foram exportados para a Venezuela 46 mil kg de café torrado, moído e embalado a vácuo, primeira experiência
mineira de exportação.

A venda em grande escala para o exterior ocorreu com a cooperação e intercooperação com os estados do Espírito Santo e Paraná, com foco na criação do café da Reforma Agrária. “Este é o resultado de um processo de organização da cadeia produtiva que está em construção desde 2013. Agora o desafio é manter este mercado e expandir para outros países latinos”, avalia Tuíra.

Além, do café a cooperativa camponesa também trabalha com fitoterápicos, própolis, sabonetes e outras produções do coletivo de mulheres. E outros agroindustrializados como açúcar mascavo, feijão, molho de tomate.

**Esse é o terceiro texto de uma série sobre cooperativismo como bandeira na luta pela Reforma Agrária Popular; 

Leia os anteriores aqui e aqui