Assentamento Oziel Alves completa 25 anos de resistência em Minas Gerais

Localizado no Vale do Rio Doce, a área conta com 47 famílias assentadas e marca uma trajetória de resistência contra o latifúndio, as atrocidades da ditadura e a violência no campo
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Comemoração no assentamento Oziel Alves (Minas Gerais) irá de sexta-feira (24) a domingo (26). Fotos: Arquivo MST 

Por Agatha Azevedo
Da Página do MST 

Com três dias de comemorações, as famílias assentadas já começam os preparativos para a comemoração, que irá de sexta-feira (24) a domingo (26), no assentamento Oziel Alves, localizado na cidade de Governador Valadares. O aniversário de 25 anos do local, antiga Fazenda Ministério, relembra as histórias de resistência na luta pela terra.

O território que hoje as famílias Sem Terra residem e constroem suas vidas é histórico para o resgate da memória do local, e da resistência dos povos. Assentamento desde 1996, a antiga Fazenda Ministério guarda resquícios da ditadura militar na região, e uma história que se inicia antes mesmo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra nascer, com as Ligas Camponesas. 

Antes de ocupar a terra, o MST chegou na região graças a essa referência histórica de lutas, e a Fazenda Ministério se tornou o principal alvo do Movimento da região naquela época por ter sido uma área antes destinada à reforma agrária. Brasilino da Silva, de 53 anos, reforça a importância da área, que marcou a chegada das Ligas Camponesas na região sudeste do país.
 

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AS fotos históricas mostram a dinâmica
do assentamento até hoje.

“O processo mais interessante é que esta fazenda foi desapropriada em 1963 para fazer um plano de Reforma Agraria do João Goulart, mas veio o golpe de 1964, e o processo foi abortado. Nós retomamos a fazenda novamente 30 anos depois, então esse contexto histórico é um símbolo de resistência, porque foi por causa dessa fazenda, um elemento forte das Ligas Camponesas no Vale do Rio Doce, que houve um pretexto para o golpe militar”, conta.

Terezinha Sabino também relembra essa história e os dois anos vivendo na beira da estrada. “Na leitura da notificação do despejo, se não me engano, foi a promotora que leu o documento que dizia que os Sem Terra precisavam sair daquela terra para não contaminar o gado da EPAMIG. Fomos violentamente despejados em 48h, acompanhados por vários camburões e ônibus de polícia, indo morar às margens da BR 116, permanecendo por aproximadamente dois anos”, relembra a mulher de 63 anos. 

Sobre o contexto político da época, Brasilino reforça a violência do campo que insurgia mais uma vez na região. “Nós fizemos um trabalho de base nessa região do Rio Doce toda, e foi muito interessante porque aqui no assentamento tem apenas uma família de Governador Valadares, os outros vieram de outros lugares, porque aqui a violência foi muito grande na luta pela terra na época da ditadura militar”, explica. 

Entre 1994 e 1996, as famílias do MST viveram acampadas fora da fazenda, entre a cerca e a rodovia, mas isso não impediu o trabalho na terra, e alta produção de milho e feijão. As famílias continuaram a entrar na fazenda e cultivar a terra, todos os dias, e só saíam quando a polícia chegava.

“Montamos o acampamento ali e começamos a trabalhar na terra, chegou um ponto que a polícia desistiu de vir e nos perturbar em relação ao trabalho”, conta Brasilino, em tom de humor. 
 

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Lula em visita ao assentamento

Nesse contexto de resistência, houve outra reocupação, com despejo violento. Cláudia Gonçalves, de 42 anos, relembra momento vividos em sua juventude. “O que mais me marcou na luta do período de acampamento foi quando a gente reocupou a fazenda, e teve um despejo todo planejado para ir para a violência (…) ainda assim, jovem, isso me marcou demais”.

 Ela também fala do período vivendo debaixo da lona na rodovia, e da conquista da terra. “Ali foi um período muito difícil, muito violento, muitos companheiros foram presos, apanharam, mas foi quando conquistamos essa terra”. 

 

Dona Maria Gonçalves, uma das moradoras mais antigas, também conta de como a luta pela terra trouxe mudanças na sua vida. “Nossa chegada aqui foi de caminhão, com as crianças, e as poucas coisinhas que a gente tinha..”, conta de maneira saudosa, dando o tom da resistência pela terra.

“Até hoje a gente não esquece aquele monte de polícia, mas esse lugar representa a liberdade, o conforto, o aprendizado, o assentamento é onde a gente trabalha sem precisar ser explorado, tem a oportunidade de estudar e ter mais conforto”, completa Dona Maria.

A violência policial também marcou Terezinha, que relembra a unidade do campo popular para a resistência. “Fomos despejados desta vez com helicóptero de polícia, banda de música, cavalaria, cachorros, porém houve muita repercussão e mobilização da sociedade, com religiosos, sindicatos e políticos de esquerda da época, além de movimentos populares”, conta. 
 

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Manifestações e luta dos assentados 

Em 1996, os Sem Terra se uniram a parceiros e parceiras do campo popular para fazer uma marcha estadual que ia de Governador Valadares e Belo Horizonte. Neste período, o Governador Eduardo Azeredo recebeu o Movimento com muita truculência, e várias pessoas foram presas e machucadas, porém as famílias conseguiram a emissão da posse da terra. 

“Aqui é um espaço de disputa política ideológica da classe dominante até nos dias atuais, não concordam com a retomada da luta pela terra, no imaginário eles que tinham vencido a luta pela terra no golpe militar de 64 na região Vale do Rio Doce, mas as famílias acampadas se organizaram em torno da proposta coletiva”, conta Terezinha.
 

Trabalho Coletivo e Identidade Sem Terra
 

O assentamento Oziel Alves é hoje um marco do trabalho coletivo e da Reforma Agrária em Minas Gerais e em todo o país. Além da Escola do Campo funcionando, o local também participou e participa ativamente dos projetos do MST, teve militantes atuando na alfabetização de jovens e adultos na Jornada “Sim, eu posso!” de 2018, e tem diversos setores organizados, além de um Centro de Formação.

O nome do assentamento foi dado em homenagem ao jovem que foi assassinado pela Polícia Militar do estado do Pará no mesmo período, em 21 de abril de 1996, no Massacre de Eldorado dos Carajás. Esse nome representa também a luta dos moradores, que chegaram à antiga Fazenda Ministério ainda na juventude, e hoje perpetuam a luta com seus filhos e netos. 

Cláudia Regina Gonçalves, de 42 anos, conta que começou a atuar na luta do MST bem jovem. “eu participei de várias lutas, desde os 16 anos, até hoje”, explica. Para ela, essa identidade jovem é muito presente na história do assentamento, que carrega o nome de Oziel Alves, morto aos 17 anos de idade. Ela conta que a juventude ainda é muito presente na área, e que o assentamento mudou sua história de vida. 
 

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O assentamento hoje. Foto: Nilmar Lage

“A gente conseguiu sair da pobreza, não tenho nem palavras para dizer o que isso significa. Significa vida digna, só de saber que a gente está num assentamento, pode dormir tranquilo, ter um espaço para trabalhar e no dia de amanhã ter o que comer… quando a gente trabalhava para o fazendeiro, eu me perguntava: será que vai sobrar pra gente comer ou vai tudo para o fazendeiro? Meu pai ficava a semana toda na roça, chegava final de semana, e depois de meses e meses o que ele fazia era pro fazendeiro”, relembra Cláudia. 

 

Sobre a juventude, Daniel da Silva, de 20 anos, conta sobre como foi ter crescido em uma área de assentamento, e nascido “debaixo de um barraco de lona”. Quando ele nasceu, a terra já estava com a emissão de posse decretada, porém levou algum tempo até as famílias repartirem a fazenda. Crescendo imerso a valores de solidariedade e coletividade, Daniel conta que até hoje o assentamento mantém a organicidade do MST, com núcleos de base e coordenação, e que essas vivências foram fundamentais na sua formação. 

“Em 25 anos de muita luta, nós ainda temos os mesmos ensinamentos e princípios do Movimento, aqui estão nossos núcleos de base, nossa coordenação, parte de alguns setores”, lembra.

Daniel também ressaltou a perspectiva positiva da educação no campo a partir de sua própria história. “Toda a vida escolar eu estudei dentro do assentamento, menos o ensino médio. Ainda estamos na luta, não foi fácil fazer a migração da escola do campo para a escola da cidade, a gente vai com princípios que lá não são os mesmos, não é a mesma liberdade de estudar e dialogar, de conversar e até mesmo de brincar, porque na escola do campo a gente tem toda uma liberdade”, conta. 
 

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Educação do campo como prioridade

Para ele, os temas ligados a educação são os que mais mobilizam o assentamento, que até hoje participa das lutas do MST de maneira massiva, mas a luta que mais o marcou ao longo desses anos foi participar de sua primeira ocupação, e ajudar a construir o acampamento Cidona durante o 2º Encontro Estadual da Juventude. Para ele, “o marco quando se conquista uma terra é dar esperança àquelas pessoas, e abrir o olho de quem ainda não confia na reforma agrária, de que é possível se conquistar uma terra, é uma resistência”.

Segundo o jovem, a região tem latifundiários que até hoje não aceitaram a conquista das terras do Oziel Alves. Sobre a força do assentamento no cenário de lutas, Daniel não tem dúvidas: “O Oziel pra mim hoje representa uma forma de resistência muito grande aqui no Rio Doce, e em Minas, é uma afronta, é falar que não é impossível, é romper as cercas do latifúndio e os cadeados que nos oprimem”. 

*Editado por Fernanda Alcântara