Projetos criados em escolas do campo são destaque em feira científica nacional
Por Yuri Simeon
Da Página do MST
Apresentando soluções para os desafios das realidades em que vivem, três educandos de escolas do campo do interior do Ceará expuseram seus projetos científicos na 1ª Feira Nacional de Ciência e Tecnologia Dante Alighieri (FeNaDANTE), realizada na capital paulista entre os dias 10 e 14 de setembro.
Os jovens são Gabriel Cosme Maria (17), Guilherme de Abreu Alves (18), ambos da Escola Francisca Pinto, localizada no assentamento Antonio Conselheiro, em Ocara (CE), e Lucas Calisto Diogenes (17), da Escola Padre José Augusto, localizada no assentamento Pedra e Cal, em Jaguaretama (CE).
Os três estão entre os 115 projetos finalistas, vindos de 8 estados para participar da feira. O evento reuniu projetos de alunos do 9º ano do Ensino Fundamental à 3ª série do Ensino Médio de escolas públicas e particulares de todo o Brasil, abordando todas as áreas de pesquisa. Além das medalhas, a premiação também entregou credenciais para outras feiras científicas.
A cabeça pensa onde os pés pisam
Os 3 projetos tem uma característica comum: foram pensados pelos jovens a partir da realidade onde vivem. Gabriel Maia foi aprovado com o projeto da “Mini-descastanhadeira”. Segundo ele, a ideia surgiu da necessidade dos produtores locais, que tem na produção da castanha-de-caju, entre agosto e dezembro, a principal fonte de renda do ano. “A gente tentou desenvolver um protótipo de uma tecnologia para agilizar o processo de descatanhar a castanha-de-caju, processo esse que, hoje, é todo feito manualmente”.
O projeto foi feito na disciplina de Organização do Trabalho e Técnicas Produtivas (OTTP), onde educadores e educandos pensam em formas de utilizar a produção do conhecimento na melhoria da realidade local. “Ela [OTTP] ensina você a manusear todas essas culturas para melhorar seu conhecimento”.
Guilherme Alves levou para a feira o projeto de “Redução de desperdícios de recursos hídricos no cultivo de hortaliças por meio do sistema inteligente de irrigação”. A criação utiliza um pequeno hardware para programar e controlar a irrigação, através do sistema de gotejamento. “Meu projeto visa combater o desperdício de água. Como na minha região o bem hídrico é um pouco escasso, busquei diminuir o desperdício de água na irrigação dos canteiros e hortas da minha escola”, explica.
Ele conta que fez o projeto, com a ajuda de seu professor de física, para ser instalado na escola, mas caso se mostre viável, a ideia é expandi-lo. “Eu fiz o projeto visando a escola, mas também pequenos produtores da região. Com esse sistema eles não teriam um desperdício de água tão grande e isso seria bastante simples, porque o sistema funciona de maneira autônoma, bastaria implementá-lo”.
O projeto do Guilherme conquistou o terceiro lugar na categoria “Tecnologia da informação” e, por isso, ele foi convidado para levar sua criação para a Feira de Proyectos (Fepro), em Puebla, no México. Ele destacou o papel da escola do campo nesta conquista. “A escola do campo é muito importante porque atribuiu um conhecimento a mais sobre as nossas origens e nossa realidade do campo”.
Lucas Diogenes apresentou seu projeto de “Sistema de Irrigação Reciclado e Adubação Alternativa na Produção de Hortaliças”. Segundo ele, sua criação surgiu da ideia de reduzir o desperdício de água e restos de alimentos em sua escola, “utilizando a água dos bebedouros para irrigação e os restos de alimentos para adubação alternativa, como adubo orgânico”.
A criação de Lucas está em fase final de implementação em sua escola, mas já chamou a atenção do prefeito de Jaguaretama, que o convidou para apresentar o projeto em outras escolas da cidade.
Lucas espera que seu projeto possa ajudar os produtores locais e também destacou a importância da educação do campo. “A escola do campo nos proporciona algo que muitos [jovens] da nossa cidade não tem, o conhecimento de agricultura, de alternativas sustentáveis que consigam aumentar a produção dos agricultores”.
Educação do campo transformando a realidade
Leandro Dantas é educador na Escola Francisca Pinto, onde leciona a disciplina de matemática. Ele acompanhou os educandos na feira científica e ressaltou o alto nível da educação do campo, apesar de ainda ser preciso superar preconceitos.
O educador relata que o diferencial na educação do campo é a existência da disciplina de Projetos de Estudos e Pesquisas (PEP), que incentiva a iniciação científica a partir da realidade concreta destes jovens, “pensando em como melhorar a vida dos pequenos produtores”.
Por fim, descreveu o papel transformador da escola do campo nesse processo. “A educação do campo não deixa a aula dentro das quarto paredes. Nossa aula é na sala, no campo, na comunidade, em qualquer lugar em que os nossos educandos estejam inseridos. Quando você pega uma problemática que nosso aluno está vivenciando todo dia, ele quer solucionar; quando você dá abertura, nossos educandos pensam ideias excelentes e significativas”.
LEIA MAIS: MST conquista mais uma escola do campo no Ceará
As escolas do campo são conquistas importantes para famílias assentadas, e ao longo dos últimos 11 anos o MST no Ceará tem pautado escolas espalhadas em todo o estado. Estes são espaços construídos pela comunidade onde estão inseridos, conseguindo preparar muitos jovens para ingressar nas universidades públicas e garantindo que filhos e filhas de camponeses tenham oportunidade de estudar.
No Ceará, atualmente existem nove unidades de escolas do campo funcionando em assentamentos de Reforma Agrária, são elas: a Escola João dos Santos de Oliveira, no assentamento 25 de Maio, na cidade de Madalena; a Escola Florestan Fernandes, no assentamento Santana, em Monsenhor Tabosa; a Escola Nazaré Flor, no assentamento Maceió, em Itapipoca; a Escola Francisco Barros, no assentamento Lagoa do Mineiro, em Itarema; a Escola José Fidélis de Moura, no assentamento Bonfim Conceição, em Santana do Acaraú; a Escola Francisca Pinto, no assentamento Antônio Conselheiro, em Ocara; a Escola Patativa do Assaré, no assentamento Santana da Cal, em Canindé; e a Escola Padre José Augusto, no assentamento Pedra e Cal, em Jaguaretama.
*Editado por Fernanda Alcântara