Crise do leite: produtores gaúchos pedem extinção de normativas em audiência pública
Por Catiana de Medeiros
Da Página do MST
A insatisfação de trabalhadores rurais com as novas regras do governo federal para a produção de leite no Brasil gerou uma série de mobilizações nesta terça-feira (15) em Porto Alegre. A primeira delas foi um protesto no pátio da Superintendência Regional do Ministério da Agricultura (Mapa). Em seguida, os produtores fizeram uma caminhada com faixas, cartazes e vacas até a Assembleia Legislativa, onde ocorreu uma audiência pública para debater os impactos das Instruções Normativas 76 e 77 e a desvalorização do preço do leite pago ao produtor.
O evento foi realizado pelas comissões de Agricultura e de Segurança e Serviços Públicos, diante da proposição dos deputados estaduais Edegar Pretto, Zé Nunes e Jeferson Fernandes, do PT; Elton Weber (PSB) e Edson Brum (MDB). Reuniu cerca de 1000 agricultores e representantes de instituições públicas e entidades, inclusive do Paraná, Espírito Santo e Minas Gerais. Somente do RS, cerca de 60 municípios estiveram representados.
As novas regras para a produção de leite se dão por meio das Normativas 76 e 77, publicadas em novembro de 2018 pelo Mapa. Em vigor desde maio deste ano, elas especificam os padrões de qualidade e identidade do leite cru refrigerado, do pasteurizado e do tipo A. Ainda estabelecem uma série de alterações na forma de produzir, coletar e armazenar o produto.
Os produtores explicaram que uma das alterações que mais preocupa é a temperatura máxima permitida para o leite chegar ao estabelecimento industrial. As regras antigas estabeleciam um limite de 10 graus. Com as novas normas, não pode passar dos 7 graus. Essa mudança ignora a realidade daqueles que moram em locais muito distantes e o tempo de viagem necessário para transportar a matéria-prima até a indústria. De acordo com os trabalhadores, isso exclui milhares de pequenos e médios produtores da atividade.
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Produtores pagam para produzir
Outro problema que preocupa é o preço do litro do leite pago pela indústria ao agricultor. A média, conforme valor de referência, é de R$ 1,00, quase igual ao valor do custo de produção. Ou seja, praticamente os produtores pagam para produzir e abandonam a atividade. De acordo com Rui Valença, coordenador da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do RS (Fetraf), cerca de 10 mil produtores deixam de produzir leite ao ano no RS. Segundo ele, a desvalorização do preço reflete no dia a dia dos agricultores. Para comprar um litro de óleo diesel, por exemplo, eles precisam vender quase 4 litros de leite.
Atualmente, cerca de 6 mil famílias assentadas na Reforma Agrária produzem mais de 120 milhões de litros de leite ao ano no RS. Na audiência pública, a produtora Rosi de Lima, de Santana do Livramento, na Fronteira Oeste, disse que os camponeses do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) também estão sendo penalizados e excluídos da atividade. “Como se adequar às normativas se o governo não tem nenhuma política de incentivo?”, questionou. Ela acrescentou que, quem perde com isso são produtores, cooperativas e municípios, que serão impactados diretamente na economia.
Maister Silva, dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), denunciou que as normativas são uma “encomenda do agronegócio”. “Queremos que as normativas sejam extintas, e que o governo do Estado seja parceiro e propositivo com os pequenos produtores”, cobrou.
Qualidade do leite
Leonardo Isolan, chefe da Divisão de Defesa Agropecuária do Mapa, informou que as normativas estão sendo estudadas há muito tempo e receberam 420 sugestões em 60 dias de consulta pública. Ele alegou que as instruções qualificam a atividade.
O deputado Edegar Pretto argumentou que os produtores não são contra medidas que tratam do controle da qualidade do leite. No entanto, ressaltou que as normas, além de excluir milhares de famílias da produção de leite, atacam diretamente a economia dos municípios e do estado. “Para se ter uma ideia, a economia na grande maioria dos pequenos municípios gaúchos gira em torno da renda do leite e da previdência”, pontuou.
Gervásio Plucinski, presidente da União Nacional de Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes), ressaltou que os pequenos produtores sempre defenderam a qualidade dos alimentos. No entanto, afirmou que essa questão deve ser uma política de Estado. “O que a gente vê é o Estado se colocando apenas na condição de punidor. A gente não vê uma participação na solução dos problemas que essa política tem gerado”, avaliou.
Outras manifestações
Segundo Renato Coimbra, secretário da Associação das Pequenas Indústrias de Leite (Apil), a estimativa é que até dezembro de 2019 em torno de 23% dos produtores que entregam leite para pequenas indústrias de laticínios no RS abandonarão a atividade.
Ernesto Krug, diretor do Instituto Gaúcho do Leite (IGL), explicou que o cenário é de queda do preço do litro de leite pago ao produtor e de aumento do custo da produção. Para ele, as instruções são uma ameaça. Sugeriu criar um plano de aquisição regular e permanente, ao longo do ano, de lácteos da agricultura familiar e das cooperativas para os programas sociais do governo.
Já Aldair Muller, diretor da Federação das Associações de Municípios do RS (Famurs), frisou que a sua entidade é parceira para construir “uma política adequada para que a cadeia produtiva do leite possa continuar produzindo frutos e qualidade de vida aos agricultores”.
Produtores querem extinção das INs
Ao final da audiência pública, deputados e representantes do MST, MPA e Fetraf foram atendidos por Otomar Vivian, secretário-chefe da Casa Civil do governo do Estado. Em nome do governador Eduardo Leite (PSDB), ele recebeu uma carta aberta com as principais reivindicações do setor em relação às normativas e principalmente cobrando envolvimento do governo gaúcho para solucionar os problemas oriundos da crise do leite no estado.
O deputado Edegar Pretto, que participou da reunião no Palácio Piratini, disse ao secretário que o grupo representou cerca de 60 municípios gaúchos que participaram da audiência. Reivindicou que o governo não cruze os braços nessa hora, e que o governador também levante a voz perante o governo federal para pedir o cancelamento das normativas.
Os representantes dos movimentos explicaram ao secretário os principais problemas que enfrentam com as normativas e a questão do preço do leite. Cobraram urgência e medidas que atendam as reivindicações das famílias produtoras. Em resposta, o secretário da Casa Civil informou que entregará pessoalmente o documento para avaliação do governador Eduardo Leite e do secretário da Agricultura do Estado, Covatti Filho (PP).
*Editado por Fernanda Alcântara