Encontro discute a resistência ativa em escolas públicas do RS

Iniciativa reuniu dezenas de educadores de áreas de Reforma Agrária para estudos, planejamento e trocas de experiências
Educadores apresentaram experiências diversas que são desenvolvidas nas escolas em que trabalham. Foto - Maiara Rauber..jpg
Educadores apresentaram experiências diversas que são desenvolvidas nas escolas em que trabalham. Foto: Maiara Rauber

Por Catiana de Medeiros
Da Página do MST

Educadores de assentamentos da Reforma Agrária do Rio Grande do Sul participaram, nos dias 30 e 31 de outubro, de um encontro estadual em Nova Santa Rita, na região Metropolitana de Porto Alegre (RS).

O evento, organizado pelo Setor de Educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), teve o objetivo de avançar na formação de professores e redefinir as linhas de trabalho nas escolas e regiões.

Esta 8ª edição teve como lema “Fortalecendo a Resistência Ativa nas Escolas dos Assentamentos”. Nesse sentido, pautou diversos temas, desde o desmonte da educação pública, até agroecologia e Reforma Agrária Popular. Também foi realizado um planejamento para o próximo período.

Além dos educadores, a abertura reuniu vereadores, secretários municipais e a prefeita Margarete Ferretti (PT), que deu boas-vindas aos participantes, oriundos de várias regiões do estado.
 

Prefeita Margarete, de Nova Santa Rita, participou da abertura do encontro. Foto - Maiara Rauber..jpg
Prefeita Margarete, de Nova Santa Rita,
participou da abertura do encontro.
Foto: Maiara Rauber

A prefeita afirmou que em Nova Santa Rita a sua gestão está “investindo fortemente” na educação do campo, mesmo diante de uma conjuntura de desmonte de políticas públicas por parte do governo Bolsonaro (PSL).

Após a fala, teve início um estudo sobre as perspectivas do mundo do trabalho e a crise do capitalismo, com o historiador Miguel Stedile. Ele afirmou que o Estado, o atual governo e o capital estão a serviço da desigualdade social e colocam os trabalhadores, inclusive da área da educação, em condições precarizadas.
 

“Eles esperam que vocês formem milhares de jovens que não tenham lugar nesse sistema, que fiquem à margem e que se alimentem dos ofícios que estão disponíveis ali, de uma forma precária. Não querem que vocês formem médicos, astronautas, querem que formem mão de obra escrava e barata”, ressaltou.

Stedile ainda acrescentou que, nessa conjuntura, a principal tarefa dos educadores das áreas de Reforma Agrária é continuar atuando na formação de sujeitos conscientes das suas realidades e da luta de classes.

“Nós fizemos uma opção de vida de não concordarmos com essa sociedade que está ai. Se uma parte da nossa classe saiu do nosso projeto, a nossa tarefa é trazer de volta esses trabalhadores”, reforçou.

 

Encontro teve momento de socialização sobre iniciativas que promovem a agroecologia nas escolas. Foto - Catiana de Medeiros.jpg
Encontro teve momento de socialização sobre
iniciativas que promovem a agroecologia
 nas escolas. Foto: Catiana de Medeiros

Marcela Pronko, coordenadora do curso de pós-graduação em Educação Profissional em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, apresentou uma análise da situação educacional do país.

A educadora explicou que o Brasil vive uma progressiva transformação da educação em mercadoria, com conglomerados financeiros preenchendo espaços educacionais, e uma progressiva submissão da educação às necessidades do capital.

“Vivemos uma mudança cultural profunda, que faz com que isso, que hoje se apresenta como algo natural, há 20 anos fosse inaceitável. Alguma coisa nos faz ficar sem capacidade de mobilização e organização. Esse conformismo também é ocasionado pelas concepções de mundo que são apresentadas nas escolas, na igreja, na mídia”, destacou.

Debate sobre a base nacional

 

A professora Lúcia Camini apresentou as medidas dos governos Leite e Bolsonaro que precarizam a educação. Foto - Maiara Rauber..jpg
A professora Lúcia Camini apresentou as
medidas dos governos Leite e Bolsonaro que
precarizam a educação. Foto: Maiara Rauber

A reformulação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), do Ministério da Educação (MEC), foi apresentada pela educadora Lúcia Camini. Ela comentou que o movimento de educadores progressistas e instituições de pesquisas defendem um currículo nacional com visão de cidadania e desenvolvimento.

No entanto, desde o governo Temer (MDB) a participação popular foi excluída. “Criaram uma versão onde não existe educação do campo, indígena, quilombola, onde não se encontra nenhuma vez a palavra gestão democrática”, relatou.

Lúcia argumentou que essa base é criticada por educadores, porque foca apenas na aprendizagem para atender as necessidades do mercado e ignora o desenvolvimento dos educandos, o contexto específico de cada localidade e região, além das condições dos professores. Ainda disse que, no referencial curricular gaúcho, não foi considerado o acúmulo de anos das escolas públicas.

Leite e Bolsonaro

A educação, segundo Lúcia, desde o início dos governos Bolsonaro e Leite (PSDB), está sendo desmontada diariamente. Ela esclareceu que o projeto dessas gestões é fechar escolas, reduzir turmas, otimizar recursos e diminuir o número de educadores. Contrapondo essa situação, Camini defendeu a educação como um direito de cada cidadão e que o Estado deve assegurá-lo.

No entanto, dados apresentados pela educadora mostram que o Brasil ainda tem 11 milhões de analfabetos; 24% das crianças brasileiras não concluíram o ensino fundamental; e mais de 380 mil crianças e adolescentes gaúchos estão fora da escola.

Medidas que precarizam a educação pública

O congelamento de investimentos públicos na educação por 20 anos, aprovado em 2016, contribui para a precarização das escolas e do ensino. Outras medidas que ajudam a piorar a situação é o abandono do Sistema Nacional da Educação, que garantiria qualidade em todas as regiões do país, a implementação do ensino à distância e a reforma do ensino médio.

Também se soma ao pacote de maldades o desmonte do Ministério da Educação, com o fim de órgãos que faziam a articulação com os municípios e a criação de uma secretaria que trata somente da alfabetização com método fonético.

“Isso é o maior dos retrocessos. Os municípios que aderirem ao método receberão recursos, os demais ficarão como estão. Eles falam que as crianças não têm que aprender sobre a realidade, que elas têm que aprender somente a ler e a escrever”, lamentou.

Militarização das escolas e privatização do ensino

Conforme Camini, Bolsonaro está investindo na privatização das escolas públicas por meio do Future-se, afetando principalmente a pesquisa, e na construção de escolas cívico-militares. A ideia, de acordo com a educadora, é que militares da reserva auxiliem na gestão, coordenação pedagógica e disciplina das escolas. “Eles querem desautorizar os educadores e militarizar as crianças”, alegou.

O governo federal ainda defende o ensino domiciliar, ou seja, aqueles que têm dinheiro pagam professores para terem aulas particulares em casa. Para Camini, isso atingirá as relações sociais, principalmente a crianças da periferia e do campo, já que a maioria delas não tem nenhum outro meio de socialização a não ser a escola.

Direito à literatura

 

A campanha nacional do MST pelo direito à literatura nas escolas do campo foi apresentada por Edgar Kolling (E). Foto - Catiana de Medeiros.jpg
A campanha nacional do MST pelo direito à
literatura nas escolas do campo foi apresentada
por Edgar Kolling. Foto: Catiana de Medeiros.

O segundo dia de encontro dos educadores gaúchos teve a participação de Edgar Kolling, da coordenação nacional do Setor de Educação do MST. Ele falou da campanha nacional do Movimento pelo direito à literatura nas escolas do campo. Somente este ano já foram distribuídos 10 mil livros em 1.500 instituições de ensino em áreas de Reforma Agrária.

Kolling declarou que o objetivo da iniciativa é ampliar o nível cultural dos educandos e democratizar o acesso a livros. “Queremos melhorar o acervo das nossas bibliotecas e ampliar o uso para estudantes e a comunidade. A ideia é espalhar milhares de livros”, adiantou.

Educação e Reforma Agrária Popular

 

O estudo sobre a relação entre Reforma Agrária Popular, agroecologia e educação também fez parte do evento. Ele foi conduzido pelo engenheiro agrônomo Adalberto Martins e a professora Roseli Scarlet.

Segundo Martins, que também integra o Setor de Produção do MST/RS, há um aumento da concentração de terras no Brasil, uma diminuição do número de estabelecimentos agrícolas e a redução de 1,5 milhão de postos de trabalho no campo desde 2016, quando havia 16,5 milhões.
 

Adalberto Martins e Roseli Scarlet falaram sobre Reforma Agrária Popular, agroecologia e educação. Foto - Catiana de Medeiros.jpg
Adalberto Martins e Roseli Scarlet falaram
sobre Reforma Agrária Popular, agroecologia
e educação. Foto: Catiana de Medeiros

De acordo com o agrônomo, hoje o país tem 49 milhões de hectares de áreas transgênicas, o que o coloca no ranking mundial das nações que mais consomem veneno. “20% de todo o veneno do mundo é jogado no Brasil”, informou.

Martins apontou que a Reforma Agrária Popular tem a tarefa de devolver a função social aos camponeses, produzir alimentos com base na agroecologia e recuperar os bens comuns da natureza, que foram degradados com a ofensiva do agronegócio e do capital financeiro. “Temos que potencializar a resistência ativa, ou seja, continuar fazendo denúncias, mas também afirmar caminhos e alternativas”, ressaltou.

Ele acrescentou que as escolas precisam ser ativas na vida comunitária dos assentamentos, motivando também as famílias e grupos de mulheres e jovens a participarem.

Educação adoecida

 

Oitava edição do encontro provocou reflexões coletivas acerca da educação nas escolas. Foto - Maiara Rauber..jpg
Oitava edição do encontro provocou reflexões
coletivas acerca da educação nas escolas.
 Foto: Maiara Rauber.

A educadora Roseli Scarlet disse que os educadores estão sendo sufocados pelo sistema, que diz a eles: “não pensem, não criem. Cumpram, realizem”. “Só que a tendência do ser humano não é essa. Ou a gente se rebela, ou a gente adoece. Nós somos do tipo que já há bastante tempo aprendemos a nos rebelar”, assinalou.

Ela reforçou que há a necessidade de “oxigênio” e que o “sopro da vida” nos assentamentos é a Reforma Agrária Popular. Além disso, destacou que a agroecologia “é o novo ciclo evolutivo da pedagogia do Movimento”.

“As nossas escolas precisam dar conta da compreensão da comunidade. E hoje a agroecologia integra as comunidades. As escolas que fazem de conta que não são com elas esse debate estão negando o princípio da qualidade”, completou.

Roseli ainda destacou que é preciso levar os fundamentos da agroecologia para a educação básica, numa iniciativa conjunta que reúna camponeses e educadores. “O desafio é a gente compor isso e fazer uma reflexão de maneira mais coletiva”, finalizou.

Outras atividades

O Encontro Estadual dos Educadores dos Assentamentos da Reforma Agrária contou com a socialização de práticas que são desenvolvidas nas escolas. Os educadores conheceram as seguintes iniciativas: “A robótica na educação do campo”, da Escola 29 de Outubro, de Pontão; “Olhar sensível para a construção de uma sociedade humana e sustentável”, da Escola Rui Barbosa, de Viamão; “Educação de Jovens e Adultos – Filhos de Sepé”, de Viamão; “Da produção de alimentos saudáveis a guardiões de sementes crioulas”, “Intervenção no atendimento educacional especializado” e “Leitura e interação: poesia e ação como aprendizagem”, da Escola Joceli Corrêa, de Jóia; “Cooperativa escolar”, da Escola Rui Barbosa, de Nova Santa Rita; e “Cooperação e motivação”, da Escola Nova Sociedade, de Nova Santa Rita.

*Editado por Fernanda Alcântara