‘Travamos uma batalha contra os agrotóxicos e a criminalização do movimento’
Por Jussara Baptista
Do Jornal Século Diário
Já se passaram 35 anos desde que camponeses Sem Terra decidiram se unir e lutar pela posse de terras improdutivas, direito assegurado pela Constituição Federal desde 1988. Com a inércia do Estado para promover a reforma agrária, esse movimento se deu por iniciativa de homens e mulheres do campo, o que tem sido conhecido como reforma agrária popular.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é a materialização da luta dos pequenos agricultores pela posse da terra. Mais do que isso, ao longo dos anos, se tornou referência em agricultura orgânica e agroecologia.
Nesta entrevista, Eliandra Rosa Fernandes, que participa da articulação e da coordenação do Movimento no Espírito Santo, também do Setor de Gênero do MST-ES, comenta o surgimento da luta pela terra no Estado, o conceito de reforma agrária popular e o protagonismo da mulher Sem Terra.
Assentada do Vale da Vitória no município de São Mateus, norte capixaba, que foi o primeiro assentamento do Espírito Santo, Eliandra também convida os moradores da cidade para a quarta edição da Feira Capixaba dos Produtos da Reforma Agrária do Espírito Santo, que será realizada nesta semana, de 7 a 9 de novembro, das 7h às 19h, na Praça Costa Pereira, no Centro de Vitória.
A militante também é a coordenadora da culinária da terra da feira.
Nela, os visitantes podem encontrar produtos in natura e industrializados de todas as regiões em que o movimento atua no Estado e também de outros estado do país, comercializados pelos próprios agricultores ou produtores provenientes de assentamentos de reforma agrária, além de conhecer mais da cultura camponesa.
Confira a entrevista:
Quais são as principais bandeiras de lutas do MST na atualidade? Elas se modificaram ao longo das últimas décadas?
A principal luta do MST continua sendo a luta pela terra, pela reforma agrária e pela transformação social. Dentro disso, travamos uma batalha contra os agrotóxicos e a criminalização dos movimentos sociais, e ainda para que todos os camponeses tenham acesso à educação de qualidade de ensino superior.
Também lutamos por escolas nos assentamentos, contra o fechamento das escolas no campo e, principalmente, nas áreas de assentamento. Temos ainda a luta pelos direitos das mulheres, contra a violência contra as mulheres; a luta pela produção de alimentos saudáveis; enfim, são essas bandeiras que a gente tem defendido ao longo dos anos e, principalmente, na atualidade.
O que mudou do início do movimento pra hoje é que o foco principal era a luta de acesso à terra e, hoje 35 anos depois, a partir das áreas conquistadas, a luta se ampliou para os direitos, que são educação, melhorias das condições de moradia nos assentamentos, assistência técnica e financiamento para que os assentados possa produzir alimentos de qualidade, sendo que a principal bandeira da atualidade passa ser a defesa da reforma agrária popular.
Como o movimento tenta se aproximar das pessoas que ainda não conhecem ou não têm familiaridade com a luta do campo? A feira é um exemplo?
O MST passa a fazer o debate da reforma agrária popular justamente fazendo ações que vão ao encontro à uma compreensão de que a reforma agrária é necessária para toda a sociedade, pois produz alimentos e gera empregos.
Nesse sentido, a feira tem sido um dos principais instrumentos de diálogo com a população de modo geral acerca da importância da reforma popular, uma vez que mostra o real sentido da conquista da terra pelos camponeses e camponesas, que é a produção de alimentos.
Como o MST surgiu no ES e quais são as principais vitórias alcançadas neste tempo?
O MST surgiu a partir de uma realidade em que muitas famílias foram expulsas do campo e vivenciaram as crises econômicas das décadas de 70 e 80. Houve então uma ampla articulação dos setores da igreja e do movimento sindical rural, que mobilizaram os trabalhadores Sem Terra. Teve início, então, um processo de ocupações de latifúndios improdutivos e enfrentamentos às empresas de eucalipto, como a Floresta Rio Doce, Acesita e Aracruz Florestal.
A primeira ocupação ocorreu em 27 de outubro de 1985, no município de São Mateus. As principais vitórias foram a conquista de territórios onde se organizaram assentamentos de mais de mil famílias. Além de conquistas sociais, como escolas e apoio da sociedade. Também conquistas econômicas, que são os créditos agrícolas para produção de alimentos, construção das moradias e conquistas de espaço político, por exemplo, o respeito das instituições públicas.
Os integrantes do MST sofrem com a criminalização construída nos últimos tempos? Como reagem a isso? No atual governo, os ataques aumentaram?
Todo o Movimento Sem Terra sofre com o processo de criminalização que sempre existiu por parte dos latifundiários e que, nos últimos períodos, vem sendo praticado pelos atores do Estado Brasileiro. O Movimento reage discutindo internamente com sua militância e buscando apoio na sociedade.
Como você explicaria para os leigos o conceito de reforma agrária popular?
Reforma agrária popular tem como princípio desenvolver ações para toda a sociedade e com a sociedade. Um exemplo são a realização das feiras, os espaços de comercialização, o trabalho de educação desenvolvido pelo MST. A ideia de que a luta por reforma agrária é de toda a sociedade, porque não é uma luta só por terra, mas uma luta por direitos para toda a sociedade.
Qual a contribuição do Movimento para a agricultura orgânica?
O MST tem cada vez mais desenvolvido os debates e as práticas sobre a produção de alimentos saudáveis e a agroecologia. Isso nas escolas, nos espaços de formação e nas áreas de assentamento, o que, cada vez mais, vem se tornando uma prática cotidiana. Nossa relação com a terra é uma relação de respeito, como a relação de uma mãe com o filho. A terra é para nós a que gera tudo o que precisamos para nossa existência; é dela que tiramos o alimento para criar nossos filhos.
Por fim, as mulheres sempre tiveram presente ou têm ganhando espaço agora no Movimento?
As mulheres sempre estiveram presentes na luta pela terra, na organização dos acampamentos, dos assentamentos e nas instâncias do MST. No entanto, foram conquistando espaço e se colocando como protagonistas no processo de luta pela terra, contra o agronegócio, contra os monocultivos de eucalipto e de cana-de-açúcar, que se apropriam das terras que poderiam ser utilizadas para fins de reforma agrária.
Também na conquista dos seus direitos, na igualdade de gênero, na resistência contra a violência. As mulheres Sem Terra são as principais produtoras de alimentos saudáveis, no desenvolvimento da agroecologia e com grande participação nas feiras da reforma agrária. Enfim, as mulheres Sem Terra têm se colocado como sujeitas na luta pelo socialismo.
*Editado por Fernanda Alcântara