Chávez se fortalece na Venezuela; opositores inconformados denunciam “fraude”
Gilberto Maringoni da Agência Carta Maior
Uma chuva fina, porém constante, caiu sobre Caracas durante toda a madrugada de segunda-feira (16). As ruas dos bairros de classe média estavam praticamente vazias e pouquíssimos táxis circulavam. Mas na avenida Urdaneta, em frente ao palácio de Miraflores e em vários bairros populares, o clima era outro. Milhares de pessoas, já encharcadas, começavam a comemoração de uma vitória que se anunciava nas horas anteriores. Eram exatamente 3h47 quando o presidente do Conselho Nacional Eleitoral, Francisco Carrasquero, em rede nacional de rádio e televisão, anunciou o primeiro resultado parcial das apurações do referendo revogatório do mandato do presidente Hugo Chávez. Foi um pronunciamento curto e seco de menos de dois minutos:
– Apurados 94,49% do total, a opção “Não” obteve 4.991.483 votos, correspondentes a 58,25% da totalidade válida, e a opção “Sim” alcançou 3.576.517 votos, chegando a 41,74% do número de eleitores. Muito obrigado”.
O visível ar de cansaço de Carrasquero, um respeitado jurista, se contrastou com a explosão de alegria das ruas. Minutos depois, o próprio Chávez subiu ao palanque montado no meio da pista para comentar os números:
– Aqui não há ganhadores ou perdedores, só vencedores. Ganham os que votaram pelo “não” e ganham os que votaram pelo “sim”; ganha a democracia venezuelana.
E aproveitou pra fustigar mais uma vez o governo norte-americano:
– Que isso sirva de aviso à Casa Branca, para que respeite a soberania de nosso povo.
Hugo Chávez se fortalece imensamente com os resultados. É sua oitava vitória eleitoral consecutiva, desde que se sagrou presidente em dezembro de 1998. Com um dado a mais: sua aceitação cresceu, tanto em número absoluto de votos (3,67 milhões naquela época), quanto em termos percentuais (57% há seis anos). E ganha musculatura internacionalmente, por mostrar ser possível seguir governando sem contar com o beneplácito de Washington.
Inconformismo
Nesta segunda-feira, vários membros da oposição revezaram-se nos programas de entrevistas das redes privadas de televisão, para externar seu inconformismo com os resultados. O líder do MAS (Movimiento al Socialismo), Felipe Mujica, alegou fraude e seqüestro dos resultados. Outros, como o ex-presidente da PDVSA (Petróleos de Venezuela), Luis Giusti, dizia que “a instabilidade continua”, pois Chávez “não pode governar contra metade do país”. E não faltaram vozes a tentar desqualificar o próprio CNE como parcial e pró-chavista. A esses, o deputado do MVR (Movimento Quinta República, apoiador do governo), Juan Barreto, respondeu:
– É curioso. Em junho, quando o CNE anunciou que iria haver referendo, apesar de inúmeras comprovações de fraudes no processo de coleta de assinaturas, nenhum deles levantou uma única reclamação. O próprio ex-presidente norte-americano Jimmy Carter, proprietário da Organização Não-governamental Centro Carter, presente como observador, reconheceu ser o processo eleitoral venezuelano “mais limpo do que o da Flórida no ano 2000, quando se consagrou a vitória de George W. Bush”. É bem possível que aumente a tendência de fragmentação da oposição, diante dos resultados da consulta popular.
Filas e demora
No entanto, se no aspecto da lisura o processo de votação de domingo mostrou-se bastante impermeável a fraudes, o mesmo não se pode falar da metodologia eleitoral. Filas imensas formaram-se desde às seis da manhã em praticamente todos os locais de votação. Eleitores, muitos deles idosos, tiveram de esperar por mais de seis horas nas filas, o que levou o pleito a se prolongar até a meia noite. Apesar disso e apesar do voto ser facultativo, ninguém arredava pé de seus postos. “Quero participar desse momento histórico”, “espero quanto tempo for, debaixo de sol ou chuva”, diziam vários eleitores.
A polarização extrema e a crescente politização da sociedade fez destas as eleições mais disputadas da história venezuelana. Os atrasos nas filas têm algumas causas bem objetivas: o aumento de mais de 20% do número de eleitores, a queda acentuada da abstenção, ao redor de 40% nos últimos dez anos e o fato da distribuição das mesas não ter sido a melhor possível. Colégios com até 9 mil eleitores contavam com apenas quatro mesas de votação, o que tornou moroso o processo, apesar das urnas automatizadas.
“Pero, estamos haciendo una revolución”
“Não me surpreende essa lentidão”, afirmou o escritor uruguaio Eduardo Galeano, presente como observador internacional. “Temos uma participação política inédita da população, que se confronta com um sistema eleitoral ainda organizado segundo os velhos métodos burocráticos e viciados existentes por 40 anos na Venezuela”, diz ele, que se surpreendeu com o “ar de graça e felicidade estampados nos rostos das pessoas ao votar”.
Por trás de tudo, há também uma crônica desorganização, parte da cultura geral do país. Uma crise econômica e institucional de mais de 20 anos e uma informalização grande no mundo do trabalho geram comportamentos de desleixo em várias esferas da vida nacional. Compromissos pessoais são descumpridos sem grande preocupação e horários marcados são muito mais flexíveis que no Brasil (onde a pontualidade geral também está longe de ser britânica). Quando indagados sobre essas características, muitos venezuelanos têm hoje um resposta na ponta da língua, como o assessor presidencial Maximilien Arvelaiz:
– Si, és verdad. Pero, estamos haciendo una revolución. Y ustedes?