Agricultores gaúchos pretendem plantar soja transgênica com ou sem lei
Por Marco Aurélio Weissheimer, da Agência Carta Maior
O presidente da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Carlos Sperotto, disse nesta terça-feira (14) que os produtores continuarão a plantar soja transgênica nesta safra com ou sem a autorização legal do governo. A afirmação foi feita após Sperotto ouvir do ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, que o governo federal não pretende editar uma nova medida provisória liberando o plantio da soja transgênica. Durante reunião com produtores, Rebelo observou que o governo já editou duas medidas provisórias para tratar desse assunto, e não pretende repetir o gesto pela terceira vez.
A reação de Sperotto foi curta e grossa: “os nossos parlamentares e o Executivo não vão submeter o produtor à rebeldia civil”, declarou a jornalistas. E acrescentou: “o ministro sabe disso; o Brasil vai plantar, não é só o Rio Grande do Sul”. O dirigente da Farsul faz parte de um grupo de produtores que tenta negociar a aprovação da Lei de Biossegurança no Congresso Nacional ainda essa semana. Eles cobram uma definição urgente, já que o plantio começa em 10 dias. No ano passado, o governo editou uma MP para resolver o problema do plantio e da comercialização da soja transgênica, com validade apenas para 2003. Logo em seguida, o governo encaminhou ao Congresso o projeto de lei de Biossegurança para disciplinar a questão dos transgênicos, entre outros temas.
No dia 13 de setembro, o senador Ney Suassuna, relator do projeto da Lei de Biossegurança, disse que o Senado deverá aprovar um dispositivo que permitirá o plantio e a comercialização da soja transgênica por mais um ano. A adoção desse dispositivo pode significar o fatiamento da Lei de Biossegurança. Através desse fatiamento, a questão dos transgênicos e a da utilização de células-tronco seriam tratadas separadamente.
Segundo informou o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), no início dessa semana, o governo editará uma MP para autorizar o plantio de soja transgênica somente em último caso e uma vez esgotadas as possibilidades de votação da Lei de Biossegurança no Senado. Mais uma vez, o problema deve ser resolvido em cima da hora do plantio da próxima safra. Conforme estimativa da Confederação Nacional da Agricultura, cerca de 20% da colheita de soja será transgênica em todo o país. No Rio Grande do Sul, cerca de 95% da próxima safra deverá ser geneticamente modificada, segundo informações da Farsul.
Críticas à liberação e à ausência de testes
No Rio Grande do Sul, em artigo divulgado nesta terça-feira, o deputado estadual Frei Sérgio Görgen (PT-RS), um severo crítico da liberação do plantio e comercialização dos transgênicos, observou que o projeto de lei que está em debate no Senado não é contrário à liberação dos transgênicos, nem é limitador à continuidade das pesquisas sobre os mesmos. O projeto, segundo Frei Sérgio, “apenas cria e garante condições básicas de biossegurança – salvaguardas de proteção à saúde humana e ao meio ambiente – como condição para a liberação comercial ou normas de uso quando aptos e liberados para uso comercial”. Na avaliação do deputado petista, “o lobby das grandes indústrias multinacionais com o apoio de alguns ingênuos de plantão (acompanhados de plantonistas nada ingênuos), é para liberar sem nenhum tipo de controle”.
O deputado gaúcho diz ainda que é difícil de entender porque as empresas detentoras das patentes recusam-se a efetuar testes com seus produtos em solo, clima e meio ambiente brasileiro. “Será porque os próprios promotores dos transgênicos já sabem que há sérios problemas, aliás já alertados por inúmeros cientistas independentes em várias partes do mundo?”, indaga Frei Sérgio em seu artigo. Ele lembra que os transgênicos que hoje se quer liberar no Brasil foram produzidos em países do norte do planeta, a maioria nos EUA, em regiões de climas frios e pouca variabilidade biológica e utilizando material genético de bactérias e vírus adaptados a estes ambientes. “Nosso clima é tropical e sub-tropical, nossa biodiversidade é enorme, a microbiologia de nossos solos é diferente e a interação entre os microorganismos também é diversa. Por isto que estes produtos precisam ser testados aqui, com testes sérios e independentes e avaliados com todo o pacote tecnológico e tratos culturais a que serão submetidos em estado real quando cultivados a campo”, defende o parlamentar.
Rotulagem ainda não saiu do papel
Frei Sérgio lembra ainda o tema da rotulagem, já transformada em lei, mas que ainda não chegou às prateleiras dos supermercados. “Parte da indústria de alimentos diz-se favorável aos transgênicos, mas foge do rótulo como o diabo da cruz. Mas se os transgênicos são tão bons e seguros, porque tanto medo do rótulo? Porque não fazem disto um mote propagandístico: coma transgênico, é seguro, saboroso e barato?”.
Ele conclui seu artigo dizendo que a polêmica em torno da Lei de Biossegurança é apenas uma batalha de uma luta mais longa. Segundo Frei Sérgio, o que está em disputa não é só o uso de um conhecimento e um instrumento tecnológico, mas sim dois modelos de desenvolvimento rural: “um centrado no latifúndio, controlado pelos grandes grupos multinacionais e baseado nas monoculturas dependentes dos insumos químicos e o outro centrado nas pequenas e médias unidades de produção agropecuária, organizado em redes de cooperativas, agroindústrias locais, empresas nacionais, empresas públicas estratégicas e baseados na diversificação produtiva e em tecnologias orgânicas e agroecológicas”. E a julgar pelo andar das negociações em Brasília, os defensores dos transgênicos, até agora, estão vencendo essa guerra.