“Ocupar terras é apoiar a Lula”
Por Mariano Blejman*
A militante do MST, Jovana Cestille, chegou a Buenos Aires em um momento especial da relação do MST com o presidente Lula. Cestille é integrante do Setor de Comunicação do Movimento no Paraná e viajou a Argentina para falar sobre comunicação na Faculdade de Ciências Sociais da UBA. Além disso, apresentou na Fundação Centro de Estudos Brasileiros (www.funceb.org.ar) uma série documentários sobre o que é considerado o maior movimento social do Brasil do século XX. Nas últimas semanas, a imprensa publicou o “fim da trégua” do MST com Lula. No entanto, Cestille não diz que seja um “fim da trégua”, e sim o contrário: “Continuar ocupando é uma forma de apoiar Lula”, diz.
Cestille nasceu no campo e teve que mudar-se para a cidade, quando seu avô perdeu a terra por uma dívida com o banco. Depois, ela participou da Pastoral da Juventude Rural e em 1996 se incorporou ao MST. “Me encontrei aqui”, conta a assistente social, que estudou na Universidade Estadual de Londrina.
Como funciona a área de comunicação do MST?
Tem duas partes: por um lado, levamos informação para nossa base militante. Por outro lado, serve para avançar em nossa relação com a sociedade brasileria. Traduzimos documentários para o inglês, francês, espanhol. O filme Raiz Forte, por exemplo, foi vendido na Itália de maneira surpreendente.
O que veio fazer em Buenos Aires?
Uma série de oficinas sobre a história do MST, sua área de comunicação e também as experiências audiovisuais realizadas por aqueles que simpatizam com o movimento. Isto começou com uma série de oficinas de comunicação popular em agosto de 2000, em Londrina, no Paraná, onde participaram 30 pessoas. Dali saiu o documentário “Uma luta de todos”.
Os meios de comunicação brasileiros estão contra o MST?
Os grandes meios começaram a falar do MST em 1996, quando uma massa muito grande avançou até as terras brasileiras e foi impossível esconder a notícia. Mas foram inventadas muitas mentiras. Nós fizemos muitas denúncias de violações contra os direitos humanos, muitas pessoas foam presas, muitas assassinadas. E foi tão difícil que a imprensa publicou.
Que mentiras?
Em 2001 a imprensa disse que o MST cobrava um “pedágio” às famílias no Paraná e em São Paulo. Mas as famílias contribuem de forma voluntária ao movimento. Também há contribuição dos sindicatos, associações, de pessoas. Ultimamente se mentiu muito sobre nossa relação com Lula.
Qual é a relação agora?
O MST apoiou a Lula para que ele chegasse a presidência. Agora, os meios falam de uma crise ente o PT e o MST, mas sempre foram movimentos separados. Em outro momento, pelo contrário, os meios quiseram nos vincular ao PT para “assustar” aos empresários ou as pessoas que iam votar nele. E agora inventam uma divisão interna para desestabilizar o governo.
E qual é a situação real?
Sempre houve autonomia. Apoiamos a Lula, mas sempre fomos claros, dizendo que íamos pressionar, porque era nossa forma de contribuir com a reforma agrária. Ocupar terras, agora, é uma forma de apoiar o governo de Lula, não de enfrentá-lo. A chegada do PT deu muitas esperanças ao povo. Os acampamentos cresceram muito nestes meses, porque o povo está entusiasmado. E por isso voltamos a ocupar terras: é uma necessidade. Agora, pressionamos para que Lula destine terras para a Reforma Agrária, assim não temos que ocupá-las. Estamos em um momento de negociação. Mas se nós cruzamos braços, a reforma agrária não vai chegar.
O que vocês pedem concretamente?
Estamos elaborando um Plano Nacional de Reforma Agrária, entre as famílias do MST, para ver como se deve distribuir. Queremos que se incorpore o crédito, a educação, a cultura, a comercialização. Porque o assunto não termina na distribuição, mas sim na permanência das famílias na terra. Durante o governo FHC foram entregues muitas terras a milhares de famílias, mas depois esta gente não teve como se manter. Além de terra, queremos uma reforma às leis atuais: que se estabeleça um limite de hectares por propriedade. Há que se acabar com os 500 anos de uma cultura de dominação.
Que avaliação você faz destas duas décadas de existência do MST?
O MST nasceu oficialmente em 1984, ainda que as primeiras ocupações de terras começaram entre 78 e 79, durante a ditadura brasileria. O ano que vem o MST completa 20 anos oficialmente. O movimento envolve 1,5 milhão de pessoas: 300 mil famílias assentadas e 100 mil famílias acampando à espera de terras.
Como encontram as terras?
Às vezes, a gente ocupa terras para evitar possíveis remates que faz o Estado, por exemplo, quando encontram terras destinadas ao cultivo de cocaína ou maconha. Às vezes há terras que não estão exploradas há décadas. Há várias formas.
Como se organiza, uma vez assentados?
O MST tenta criar uma estrutura, ainda que depois se pede que o Estado garanta sua permanência. São instaladas escolas, faculdades para o militantes, organizamos cooperativas, mas sobretudo conquistamos uma moral política. Esse tem sido nosso maior triunfo. Criamos uma identidade “sem terra” nacional. Com a diversidade cultural do Brasil, essa é uma conquista importante.
O que significa uma “moral política”?
O movimento conseguiu consolidar valores de solidariedade, de cooperativismo, de estudo e aprendizagem. Esta é a moral política.
Entrevista públicada em 22/6/2003 no jornal argentino Página 12