O fato e a calúnia
Por Roberto Malvezzi
Dizem que em jornalismo existe o fato e a versão do fato. No caso do fotógrafo assassinado, porém, fica difícil distinguir o que é fato, versão do fato ou calúnia. Imediatamente alguns parlamentares – José Carlos Aleluia, do PFL e o governador Geraldo Alkmin, do PSDB – vincularam a morte do fotógrafo às ocupações de terra no campo, que agora estariam transpondo-se para as cidades. A Globo não tardou a dar guarida a esse tipo de insinuação. Numa linguagem montada, entre falas, imagens e opiniões, havia a clara intenção de responsabilizar o Movimento dos Sem Teto, vincular essa luta aos Sem Terra, responsabilizar esses movimentos pela violência que vive a sociedade brasileira. Ficou difícil para a população discernir o que é fato, versão, opinião ou até mesmo a calúnia.
Esse tipo de atitude, tanto dos políticos como da Globo, trai os interesses mais escabrosos de uma parcela da sociedade que insiste em manter a sociedade brasileira de ponta cabeça, montada sobre a injustiça e a miséria. É a recusa permanente de ver o Brasil pelo avesso, por suas vísceras, por suas vítimas históricas. Para eles, os pobres, principalmente os organizados em movimentos, são a causa da violência e não sua mais exata conseqüência.
A Comissão Pastoral da Terra registra os mortos no campo desde 1985. De lá para cá, aproximadamente 1500 trabalhadores rurais foram assassinados por policiais, pistoleiros ou fazendeiros. Não é prática dos trabalhadores matar fazendeiros ou policiais. Esses registros, caso existam, são ínfimos. Por isso, vincular imediatamente o assassinato do fotógrafo ao MTST, estendendo-o diretamente ao MST, fere os brios de quem tem um mínimo de ética e decência.
É preciso apurar o fato, como tantos outros, onde as vítimas são pessoas pobres e anônimas. Talvez fique mais claro para esses políticos e para a Globo quem são os violentos e quem são os violentados dessa injustiça chamada Brasil.
* Roberto Malvezzi (Gogó) é membro da Coordenação Nacional da CPT.