Antonio Gramsci
Por Mario Maestri*
Apesar do fim inglório da via italiana para o socialismo, a memória de Antonio Gramsci, fundador e principal teórico do PCI, ainda assombra fortemente o mundo político e social italiano, a quase 65 anos de sua morte, em 25 de Abril de 1937.
Nascido na Sardenha, em 22 de Janeiro de 1891, no seio de uma família empobrecida, de constituição frágil e doentia, Gramsci partiu, aos 20 anos, para estudar em Turim, o grande centro industrial de uma Itália então, sobretudo rural e agrária. Após conhecer a vida dura do estudante pobre, em 1915, entrou, aos 24 anos, para a redação do jornal socialista Avanti!, iniciando a sistemática e radical crítica da sociedade italiana que não interromperia nem mesmo após sua prisão, em Novembro de 1926. Condenado a 20 anos de prisão, apesar de sua imunidade parlamentar, foi libertado dias antes de falecer, para poupar o fascismo do constrangimento da morte na prisão de político e pensador que já gozava de reconhecimento mundial.
O historiador Aurelio Lepre, professor de história contemporânea em Nápoles, lançou, em 2000, na prestigiosa colecção Economica Laterza, mais um estudo biográfico sobre o célebre comunista italiano – Il prigioniero: vita di Antonio Gramsci.
Um pouco para dizer algo de novo, num campo onde já foi dito tanto, vergando-se um pouco ao dernier cri historiográfico, Lepre propôs encetar a sua leitura biográfica a partir das contradições entre a vida pública e a privada do mais célebre prisioneiro do fascismo peninsular.
Gramsci conviveu apenas breve tempo com a comunista russa Giulia Schucht, filha de família de bolcheviques de primeira hora, que conheceu, na URSS, em 1922. Por opção política e resguardo familiar, a sua companheira e mãe de seus filhos permaneceu na distante União Soviética, à espera de sua libertação, que jamais ocorreria.
A oposição mecanicista entre público e privado, na construção da biografia de um casal de comunistas dos anos 1920-30, constitui um empobrecimento do complexo mundo no qual público e privado eram vividos, objetiva e subjetivamente, como extensões-determinações de totalidade a ser construída sobre um novo mundo nascido das ruínas do passado.
Definir privado e público pelo volume de cartas enviadas à esposa ou destinadas à vida política é diminuir a resistência de Gramsci à incessante tentativa de aniquilação de sua vontade política. Podendo expedir apenas poucas cartas mensais, Gramsci manteve correspondência semi-cifrada com a cunhada Tania, estabelecida na Itália, e, através dela, com a família e com o partido.
Trabalho cuidadoso, apoiado em ampla documentação e conhecimento do período, Il prigioniero: a vita di Antonio Gramsci supera a falsa contradição entre privado e público que propõe, constituindo importante contribuição à compreensão da génese e consolidação da visão gramsciana de mundo. No trabalho, jamais saltos discursivos e hipotéticos cobrem lapsos documentais e cronológicos, recurso inaceitável em estudos biográficos.
Lepre dedica o capítulo conclusivo à recuperação da obra gramsciana, sobretudo dos Cadernos do Cárcere, corrigindo mais uma vez as tentativas, realizadas quando da consolidação da via italiana para o socialismo, de ver afastamento do marxismo revolucionário onde apenas havia a necessidade de cifrar conceitos marxistas devido à censura fascista.
Parte de debate que se viveu na década passada, Lepre procura inocentar Togliatti, futuro secretário-geral do PCI, das iniciativas da direção comunista italiana e internacional de manter Gramsci na prisão, devido à sua oposição ao estalinismo. Fato que permitiu a Mussolini, grande verdugo de Gramsci, escrever, cinicamente, após seu desaparecimento, que, se o comunista italiano “se encontrasse na URSS, e não na Itália, teria morrido de chumbo e não de enfermidade”.
* Mário Maestri, 52, é professor do Programa de Pós-Graduação em História da UPF
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