Itália Fausta

Costuma-se dizer que o Brasil é um país sem memória. Em parte isso é verdade. Preservar e relembrar aqueles e aquelas que contribuíram para o desenvolvimento e o crescimento do país é um costume não muito cultivado por grande parte da população. Assim acontece em diversas áreas, principalmente no que se refere à cultura.

No começo do século 20, uma atriz marcou época e escreveu seu nome na história do teatro brasileiro: Itália Fausta. Filha de imigrantes italianos, Itália Faustina Polloni dedicou toda a sua vida à arte de representar. Em nome dessa vocação, enfrentou os preconceitos, rótulos e tabus que cercavam a mulher que ousasse ser artista, em uma época em que elas deveriam se dedicar exclusivamente a seus maridos.

Em declarações, afirmava que uma força íntima a impulsionava a assumir sua carreira e os desafios impostos. “Não estou arrependida, porque o teatro é ainda a única coisa que consegue me absorver e interessar completamente. Amar a arte é uma garantia, porque é amar acima das contingências da vida”, afirmou em uma entrevista alguns anos antes de sua morte.

Não se sabe ao certo se a atriz nasceu no Brasil ou se veio ainda criança da Itália. A bibliografia sobre ela é restrita (mesmo sendo considerada a primeira atriz profissional do teatro nacional) e não especifica essa informação. É certo que, em 1922, conflitos entre grupos teatrais fizeram com que Itália tivesse que provar sua nacionalidade. Recebia críticas de que, não sendo genuinamente brasileira, não poderia representar o teatro do país. Alguns autores afirmam que isso aconteceu por inveja que outros artistas sentiam de seu talento. A mãe da atriz garantia que a filha havia nascido em terras brasileiras, no bairro da Mooca, na capital paulista, reduto dos imigrantes italianos, mas que, por vontade de seu pai, foi registrada na Itália. Depois de muita confusão o juiz declarou Fausta brasileira. Mas o fato que merece ser lembrado é a participação, a contribuição e a dedicação que ela remeteu ao teatro nacional. Seu senso de cidadã era imenso nas suas idéias e na sua prática cotidiana.

Outro fato que segue sem confirmação é sobre o ano de sua estréia no teatro. Alguns dizem que foi em 1899. Dona de uma personalidade autêntica, era ainda adolescente quando subiu pela primeira vez em um palco. Com uma curiosidade intelectual revolucionária, teve inúmeros problemas em sua carreira, pois sempre preferiu a sinceridade, mesmo que desagradável, a meias-verdades diplomáticas.

O teatro dos filodramáticos

Itália Fausta foi a primeira atriz do século 20 que, tendo seu surgimento e formação em São Paulo, ganhou projeção nacional. Era a representante maior dos chamados filodramáticos. Do italiano filodrammattici, a palavra nomeava um movimento teatral de amadores que realizavam apresentações teatrais em sua língua de origem. Na platéia, operários, artesãos, pequenos assalariados que encontravam nas apresentações uma forma de relembrar seu país, encontrar os amigos. Em um ambiente de fraternidade, as representações teatrais também arrecadavam dinheiro. A verba financiava a vinda, para a cidade, de famílias que trabalhavam no campo em sistema de escravidão. O dinheiro era usado também para a manutenção de uma espécie de poupança que visava proteger perseguidos políticos ou pessoas sem recursos, promovendo seus direitos na justiça.

Nesses grupos, o teatro era considerado um painel de emoções, idéias e sentimentos que deveriam ser exemplares, não somente para os que o representavam, mas também para quem os assistia. Nos fins de semana, as leituras teatrais e os ensaios eram considerados sagrados. A mística do teatro permeava todo o grupo.

Antes de estrear como atriz profissional, ou seja, quando era representante filodramática, Itália usava outra parte de seu nome: Faustina Polloni. Entre os espetáculos do teatro amador, ela trabalhava como operária de tecelagem.

Existem controvérsias também com relação à sua idade e ao ano de sua morte. A data mais recorrente, no escasso material sobre sua vida, é 29 de abril de 1951, na cidade do Rio de Janeiro, aos 64 anos.

Quando completou 50 anos de carreira, Itália confessou a um amigo: “Comemoraram hoje meu jubileu artístico. Pois bem, sou pobre. Mas continuo firme. Sou uma mulher do povo, que trabalha para viver. Cozinho, arrumo minha casa, faço traduções, leio peças de teatro. Estou sempre disposta a trabalhar, a aceitar um papel. Mas não importa que hoje eu seja pobre. Nunca recebi favores do governo. Continuo batalhando pela construção de teatros e pela proteção dos nossos artistas”.

Na ocasião de sua morte, o jornal Imprensa Popular, do Rio de Janeiro, cujo editor era o poeta Carlos Drummond de Andrade, assim noticiou sua partida. “Era uma das maiores figuras de teatro brasileiro em todos os tempos. O teatro para o povo, para as grandes massas, foi o ideal de sua vida. Recebeu das mãos de Luis Carlos Prestes o carnê de membro do Partido Comunista. Com sua morte, o teatro brasileiro perde umas de sua maiores figuras de todos os tempos”.

A história e a trajetória da carreira de Itália Fausta pode não ser conhecida de grande parte do povo e até mesmo dos artistas brasileiros, mas seu exemplo e seu legado de amor à arte faz parte da mística teatral no país.