Os 10 anos do Tratado de Livre Comércio da América do Norte
Declaração final do Colóquio “Os 10 anos do Tratado de Livre Comércio da América do Norte”
“Montreal, Canadá, 19 de setembro de 2004
O Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) entre Estados Unidos, Canadá e México, que entrou em vigor em primeiro de janeiro de 1994, pleiteava um grande objetivo: criar a zona comercial mais importante do mundo, que favoreceria o crescimento e a prosperidade econômica na região e asseguraria melhora na condição econômica dos três países, apesar da desigualdade entre seus respectivos níveis de ingresso, riqueza e desenvolvimento.
Pouco depois da assinatura do tratado, se tornou evidente que serviria de modelo para todos os acordos comerciais por vir.
No entanto, o NAFTA não é um modelo a se seguir. As promessas de seus resultados benéficos feitas há 10 anos não se realizaram de nenhuma forma. Não reduziram os desequilíbrios entre as três economias e não atendeu à expectativa de crescimento econômico anunciado.
As desigualdades que existiam antes do acordo aumentaram, em especial entre as mulheres e os povos autóctonos. A ampliação das diferenças entre ricos e pobres, a concentração da riqueza nas mãos de poucos, a renda individual reduzida, a drástica diminuição na criação de novos empregos, o aumento da migração por trabalho, o agravamento dos problemas ambientais: essas foram as regras, não as exceções.
Com a perda de empregos período integral, foi favorecido o surgimento de todo o tipo de emprego precário (contratos de meio período, autônomos) e as mulheres são as mais afetadas. Campeãs do trabalho precário, elas estão muito representadas nos setores de baixos salários e pobres. E continuam sendo confinadas a guetos de emprego, situação agravada pelas modificações nos programas sociais e pelos diversos processos de privatização dos serviços públicos.
No México, em particular, a economia agrícola atravessa atualmente a pior crise de sua história ao ser golpeada pelo efeito arrasador das importações subsidiadas do Norte. Uma das primeiras conseqüências nefastas do NAFTA foi a modificação brutal da Constituição mexicana, a qual protegia, em um de seus artigos, a propriedade coletiva da terra. Em Chiapas, os zapatistas foram os primeiros a denunciar essa modificação, considerando que isto levava a uma degradação das suas condições de vida.
Além disso, muitas fábricas estadunidenses foram transferidas do México para a China, onde as normas salariais e ambientais são menos rígidas. Este deslocamento afetou grande parte dos trabalhadores mexicanos. Afetou também aos Estados Unidos, ao ponto de terem enfrentado uma desindustrialização de sua economia.
No caso do Canadá, onde as transferências de sede também estão na ordem do dia, as preocupações da população estão focadas na necessidade em preservar o sistema público de saúde que hoje está ameaçado. As empresas privadas, sobretudo dos Estados Unidos, exercem pressões cada vez mais fortes e mostram um interesse voraz neste mercado que se revelou muito lucrativo para elas. Em Quebec os ajustes do governo, que exige uma política de nível normativa até embaixo, são implementados sem descanso. Eles afetam as condições de trabalho, o sindicalismo e o meio ambiente, como no caso particular dos projetos governamentais de fomento a alianças entre os setores públicos e privados da saúde e da educação. Os serviços públicos são ameaçados, sem cessar, de serem rebaixados a categoria de simples mercadorias. E isso sem contar os efeitos do Capítulo 11 sobre os investimentos, o Capítulo 10 sobre os mercados públicos, o que confirma a supremacia dos interesses do poder das empresas privadas sobre o Estado.
Apesar do anterior, os governos da região mantém mantêm a direção e continuam impulsionando o libre mercado no mundo, buscando ao mesmo tempo desenvolver uma integração mais profunda na América do Norte, por meio do que está sendo chamado de NAFTA “plus” . As negociações deste se inserem atualmente dentro de um processo anti-democrático no qual a transparência não existe.
Frente a mercantilização da vida e do abandono de nosso bem comum nas mãos de empresas privadas, é nossa responsabilidade ampliar nossas perspectivas e nossas alianças. Por isso convocamos a todos a se colocarem em marcha e fortalecer os mecanismos de defesa e proteção dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturas e ambientais, de tal forma que os convênicos comerciais não possam suportar a debilidade do marco jurídico e da soberania dos Estados Unidos.
Estabelecemos alguns princípios:
1- Se um Estado pode transferir parte de sua soberania a uma organização estatal internacional, é inconcebível que conceda elementos de sua soberania a interesses privados.
2- O poder de legislação e adoção de medidas sociais, culturais, ecológicas e econômicas que asseguram o bem-estar coletivo não devem de nenhuma forma se limitar por algum tratado comercial, nem se subordinar a nenhum tratado de abertura de mercados públicos.
3- O direito das mulheres à igualdade é um princípio que deve ser reconhecido de antemão antes de assinar qualquer tratado comercial. As organizações de mulheres se mostram muito preocupadas pela persistência da discriminação e da violência, acentuadas pelas políticas de liberalização dos governos e pelo deslocamento das empresas, feitos que reforçam a desigualdade entre os gêneros e entre as próprias mulheres.
4- A soberania alimentar deve fixar o marco no qual se desenvolve o comércio agrícola. A produção agro-alimetícia não deve ser considerada mercadoria e, por isso mesmo, o direito de cada país para definir sua própria estratégia de desenvolvimento agrícola é inalienável.
5- Os acordos comerciais não podem ser prerrogativas dos poderes executivos (Presidência, gabinete, Assembléia Legislativa). Estes devem optar por uma atitude transparente durante as negociações, para que as populações afetadas participem do debate com todo conhecimento de causa.
6- Os serviços públicos, em particular a educação, a saúde e a água devem ser objeto de uma exclusão permanente e geral dos acordos comerciais, a fim de preservas o bem comum como fundamento de nossas sociedades.
7- A cultura deve ser igualmente objeto de exclusão permanente e geral dos acordos de comércio internacional com o fim de preservar a diversidade cultural no planeta.
Um outro mundo é possível!
Se os movimentos sociais das Américas e do mundo conseguiram impedir, em diferentes ocasiões, a negociação de acordos como o NAFTA (fracasso das conferências da Organização Mundial do Comércio em Seatlle e Cancún, a paralisação das negociações do Acordo de Livre Comércio das Américas – Alca, etc), é claro que frente a proliferação de acordos regionais bilaterais, os agentes da liberalização dos mercados seguem usando a NAFTA como modelo.
No momento em que a agenda e o conteúdo da Alca estão se redefinindo e as elites estadunidenses reorientam sua estratégia de uma integração profunda no território do NAFTA, nós devemos prosseguir nossa luta para barrar o rumo atual da globalização, dos acordos de livre comércio e das políticas de liberalização dos governos.
Exigimos de nossos governos um balanço completos dos efeitos do NAFTA desde o momento em que entrou em vigor, incluindo uma análise segundo a questão de gênero. Exigimos que o conjunto da população e das organizações da sociedade civil contribuam com a realização de um processo de avaliação do NAFTA, e de revisão da política comercial internacional dentro de cada um dos países.
Colocamos à frente a defesa e a conservação dos bens públicos que constituem o bem comum e nos opomos a todo processo de privatização dos serviços públicos.
Nossos governantes devem se pronunciar a respeito dessa questão crucial que constitui o fundamento mesmo de toda sociedade.
Exigimos de nossos governos acordos comerciais que respeitem:
– a supremacia dos direitos individuais e coletivos acima do comércio e da ganância
– a igualdade entre homens e mulheres
– a preservação integral do direito dos Estados a legislar em função da promoção do bem comum, da democracia e do respeito ao meio ambiente
– um processo de negociação e adoção transparente e democrático.
Confrontados com problemas comuns que demandam uma unidade de ação muito grande, nós, do Canadá, dos Estados Unidos e do México, reconhecemos a necessidade de reforçar nossas redes nacionais e prosseguir nosso trabalho de formação e informação ampliado ao máximo possível sobre os desafios criados por este modelo de globalização que nos foi imposto. Reconhecemos, igualmente, a necessidade de trabalhar para construir um espaço comum na zona franca da América do Norte, a fim de consolidar nossas estratégias e promover nossas alternativas baseadas sobre o respeito aos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais dos povos e nações da América do Norte.”