Massacre de Felisburgo: 1 ano de luta e de clamor por justiça
Por Delze dos Santos, Gilvander Moreira e Edite Prates
“Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera inteira”. Foi com a profética frase de Ernesto Che Guevara que o MST, a Comissão Pastoral da Terra, representada pelo Frei Gilvander Moreira, entidades e amigos, entre eles os deputados Virgílio Guimarães, federal, e Rogério Correa e Carlos Gomes, estaduais, além do ex-ministro Nilmário Miranda, homenagearam os 5 Sem Terra, Iraguiar Ferreira da Silva (23 anos), Joaquim José dos Santos (49 anos), Miguel José dos Santos (56 anos), Juvenal Jorge da Silva (65 anos) e Francisco Nascimento Rocha (72 anos), assassinados no dia 20 de novembro de 2004 na chacina de Felisburgo em Minas Gerais.
Neste 20 de novembro de 2005, um ano após o absurdo massacre de Felisburgo, como ficou conhecida a maior violência ocorrida, no mesmo instante, contra trabalhadores rurais em MG, uma certeza contagiava todos os presentes: a primavera, a estação sonhada por Guevara, realmente voltou. O sacrifício desses trabalhadores Sem Terra não foi em vão, como eles, os companheiros assumiram o compromisso, imortalizado na frase inscrita do lado esquerdo do memorial: “Nós caminharemos por vocês na busca dos seus sonhos que também são os nossos sonhos: a terra, a justiça e a dignidade”. Hoje, o sentimento disseminado na região é o da coragem e da vontade de lutar contra o poder opressor do latifúndio.
O memorial construído no cemitério da cidade de Felisburgo guarda a triste lembrança do dia em que o fazendeiro Adriano Chafik com um bando de jagunços comandou o massacre contra os trabalhadores rurais do Acampamento Terra Prometida do MST. O município de Felisburgo fica no Vale do Jequitinhonha, uma das regiões mais pobres do Brasil, onde há muito imperavam, sem oposição, apenas os interesses e o poder dos grandes fazendeiros. Naquela época, a área já havia sido reconhecida pela justiça como terra devoluta, portanto bem público pertencente ao Estado de Minas Gerais, e cujo destino deve ser preferencialmente a Reforma Agrária, conforme determina o Art. 188 da Constituição Federal.
No dia 20 de novembro, pela manhã, uma marcha enfeitada de bandeiras vermelhas percorreu diversas ruas de Felisburgo. Em duas filas, bem organizados, os Sem Terra, empunhando faixas, recordavam o massacre, mas de cabeça erguida mostraram que não desistirão da luta pela terra. No cemitério, em um ato público-religioso, a emoção tomou conta de todos ao desvelar o memorial levantado ao lado dos túmulos onde estão sepultados, além dos mártires do Acampamento Terra Prometida, uma criança que morreu poucos dias depois do nascimento, porque a mãe não teve a assistência necessária e condição para ir ganhar o filho no hospital da cidade.
Uma série de testemunhos deixou todos os presentes com o coração na mão. O Sem Terra Jorge Batista da Silva um dos marcado para morrer naquele dia, deu o seu testemunho e em suas colocações disse: “Iraguiar, antes de ser assassinado, me disse: ‘Jorge, sai fora, porque vão matar você’. Quando vi o tanto de armas, tentei animar os companheiros a dialogar com os pistoleiros dissuadi-los, mas tive que correr para não ser morto também. Fugi para procurar socorro. Andei uns 8 quilômetros pelo mato até um vilarejo, onde pude telefonar para avisar aos companheiros de Jequitinhonha e de Belo Horizonte. Nós não queremos guerra. Queremos terra, pois sabemos plantar”.
Jorge José Maria Martins, um sobrevivente que levou um tiro na perna, disse: “Enquanto a gente tentava levantar um companheiro que tombava, os pistoleiros matavam outros. Após fugir para não morrer, olhei para trás e vi uma nuvem de fumaça cobrindo o acampamento que ardia em chamas. Nunca vou esquecer isso. Doeu muito e continua doendo!”.
A Sem Terra Eni enfatizou: “Antes da chegada do MST em Felisburgo, os pobres sempre se curvavam diante do poder dos fazendeiros. O massacre foi premeditado. As armas foram compradas antes e os coronéis diziam que o massacre não aconteceria antes da eleição para não atrapalhar a política e o candidato apoiado por eles ou seja, um massacre não ficaria bem”. As armas foram compradas antes, o inquérito policial comprovou. Os jagunços Francisco de Assis Rodrigues de Oliveira (quintinha),Milton Francisco de Souza ( pé de foice), Aurelino Caetano Chaves, Antonio Marcos Santos da Conceição, Jailton Santos Guimarães, Erisvaldo Pólvora de Oliveira Junior, Hamilton Santos, Domingos Ramos de Oliveira, Aleildo dos Santos Oliveira, Waschington Agostinho da Silva, Evandilson Santos Souza e Antonio Jose Nascimento dos Santos, todos jagunços contratados e participantes do massacre, sendo que muitos deles foram escondidos por outras pessoas cúmplices que reside na cidade de Felisburgo.
Ainda existem crianças Sem Terrinha que acordam, à noite, sobressaltadas, desesperadas e gritando, pois ficaram traumatizadas com a barbárie da violência vista: cinco Sem Terras assassinados e o acampamento em chamas. “Cadê a indenização dos nossos barracos e pertences queimados? O Governo federal indeniza os fazendeiros que perderam vacas com a aftosa, mas não nos indeniza. A Polícia Militar de Felisburgo está do lado dos fazendeiros, os protege. A PM continua pressionando os Sem Terra. O Bastião foi quem cortou a cerca e colocou o gado dentro das nossas roças, minutos após o massacre, e ele participou diretamente do massacre. Por que ele não está preso? Infelizmente, foi preciso correr o sangue dos companheiros para conquistarmos 568 hectares de terra devoluta, sendo que a constituição, em seu art. 188 diz que as terras devolutas devem ser repassadas para a Reforma Agrária. Estamos aguardando a desapropriação de toda a fazenda do Adriano Chafik. O acampamento quer saber se é proibido fazer uma estrada de acesso ao acampamento. O prefeito não faz a estrada alegando que não pode passar na fazenda de Adriano Chafik. Vamos ficar ilhados até quando? Apenas dois jagunços e o mandante Adriano Chafik, réu confesso, estão presos. Exigimos das polícias Federal e Militar a prisão imediata de todos os outros 15 jagunços. Queremos o desaforamento do julgamento. Que seja feito em Belo Horizonte, pois em Jequitinhonha, os fazendeiros controlam até o poder judiciário. Que o julgamento seja feito imediatamente. O relatório da CPI da Terra condenou a UDR e pede que a Polícia Federal crie uma força tarefa para capturar 29 mandantes de crimes contra os Sem Terra”. E concluiu: “Vamos ocupar todas as terras improdutivas do Vale do Jequitinhonha. Nós não desanimaremos nunca!”.
E foi com esse clima de celebração de mais essa conquista e honrando a vida e a luta dos companheiros que lutam que os companheiros se dirigiram após o ato para o Acampamento Terra Prometida onde foi realizado uma celebração eucarística e ato público de inauguração de mais um monumento dedicado aos 5 mártires. Em uma casinha estão fotografias grandes de Miguel, Joaquim, Francisco, Juvenal e Iraguiar, ao lado de uma imagem de N. Sra Aparecida e cinco bandeiras hasteadas.