Movimentos sociais são alvos da polícia em Pernambuco

Durante a Jornada de Lutas, promovida no último mês de março pelo MST para lembrar os 10 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, onde 19 agricultores Sem Terra foram assassinados pela polícia militar, essa mesma polícia volta a mostrar suas garras contra trabalhadores e trabalhadoras Sem Terra em Pernambuco.

Na madrugada do dia 08 de março, os agricultores acampados na Fazenda Faquinha foram surpreendidos por cerca de 250 policiais militares fortemente armados, que invadiram o acampamento para ação de reintegração de posse. Durante o despejo, mais de 200 trabalhadores foram arbitrariamente detidos pela polícia militar, entre eles mulheres e crianças, e diversos integrantes do MST foram torturados e agredidos pelos policiais. Florisvaldo de Araújo Néri, da direção estadual do Movimento, além de ter sido torturado e espancado, foi jogado contra uma cerca de arame farpado e teve o olho direito perfurado. Em pleno desrespeito à luta que representa o Dia Internacional das Mulheres, mulheres e crianças Sem Terra foram torturadas psicologicamente, humilhadas e xingadas pelos policiais.

A Fazenda Faquinha, fica no município de Cabrobó, região conhecida como polígono da maconha, no Sertão de Pernambuco. Os conflitos de terra, muitos envolvendo policiais militares, são tão comuns na região, que a Comissão Especial de Combate à Violência no Campo da ouvidoria agrária nacional realizou em 29 de março uma audiência pública sobre os conflitos agrários e a violência no campo na região do Sertão de Pernambuco, especialmente no município de Cabrobó. A audiência é fruto de denúncias do MST e da organização Terra de Direitos contra os abusos cometidos pelos policiais militares durante a ação na Fazenda Faquinha.

O alvo da violência policial no campo

Infelizmente o caso da Fazenda Faquinha não é um caso isolado, e tampouco um “excesso de alguns poucos agentes”, como quer parecer crer as autoridades policiais e militares. Ações violentas de reintegração de posse e uso da força contra lideranças de movimentos sociais do campo, bem como envolvimento de policiais em ações de pistolagem contra os Sem Terra, são comuns no estado de Pernambuco. Segundo dados apresentados pela CPT à CPMI da Terra, no período de 1995 a 2003, foram assassinadas 21 pessoas, houve 36 tentativas de homicídio, 37 pessoas ameaçadas de morte, 44 casos de tortura, 337 casos de agressões físicas, 271 prisões de trabalhadores rurais e 88 casos de lesões corporais.

A maioria dos policiais envolvidos em casos de abusos de poder já tem precedentes. As operações de despejo do Engenho Prado e São Lourenço, foram comandadas pelo então Comandante da Operação de Reintegração de Posse, Coronel Luiz Meira, atual comandante da tropa de choque da polícia militar de Pernambuco. Luiz Meira já foi denunciado várias vezes por violações de direitos humanos, e recentemente, organizações de direitos humanos de todo o estado pediram seu desligamento da corporação devido a ações truculentas contra manifestações estudantis no Recife.

Outro com experiência comprovada em tortura é o comandante da ação de reintegração de posse da Fazenda Faquinha, Capitão Flávio Bione. Ele foi denunciado em 2004 por tortura e maus tratos contra detentos quando trabalhava na penitenciária Prof. Barreto Campelo, em Itamaracá, região metropolitana do Recife. O processo nunca foi julgado e o comandante recebeu como “prêmio” por seus métodos o comando da polícia militar de Cabrobó.

Em 2001, o Serviço Especial de Inteligência da Polícia Militar de Pernambuco (SEI), foi acusado de abrigar um grupo de extermínio responsável por inúmeros assassinatos e crimes de tortura em diferentes partes do Estado. O SEI foi extinto pelo governador Jarbas Vasconcelos, mas até hoje, mais de quatro anos depois, não se tem conhecimento de qualquer sanção de natureza administrativa ou de algum procedimento penal aberto contra os suspeitos. Todos os policiais envolvidos nas denúncias continuam na ativa, inclusive o Tenente Hans Williams, que participou da operação contra os Sem Terra em Cabrobó, e que é um conhecido membro do grupo de extermínio “Mamãe Cria, Nóis Mata”.

Segundo denuncia enviada à ONU por entidades de Direitos Humanos, esse mesmo Tenente Hans foi identificado como autor da execução de Adenilson dos Santos, líder indígena Truká e defensor dos direitos humanos de seu povo. Conforme a denuncia, Adenilson foi baleado nas costas pelo Tenente Hans e quando estava no chão, recebeu do mesmo policial mais dois tiros nas costas, caracterizando assim um crime de execução sumaria e arbitrária.

O comportamento violento e ilegítimo de muitas organizações responsáveis pelo cumprimento da lei é tão difundido no Brasil que pode ser considerado um “modo de trabalho”. E essa violência é muitas vezes aceita e legitimada pela sociedade, que vê nesses justiceiros fardados a solução para seu sentimento de insegurança.

Em 1995, um chefe reformado da polícia militar do Rio de Janeiro lamentou publicamente que “a tortura tem sido a longo tempo uma prática comum da polícia brasileira”, declarando que a sociedade aceitava a tortura como uma punição justa para os criminosos comuns e um meio legítimo de obter informações.

Apesar de existirem hoje cerca de 650 policiais militares em Pernambuco afastados de suas funções por problemas de má conduta, segundo a Assembléia Legislativa do Estado, a maioria deles continua na ativa, e conta com a certeza da impunidade. Alguns são até promovidos, e se orgulham de suas práticas. Em entrevista à imprensa local, o Comandante Bione se orgulha das prisões arbitrárias dos agricultores na Fazenda Faquinha: “Eu prendi 126 pessoas. As mulheres e crianças também foram levadas à delegacia. O Estado não pode cair de joelhos aos pés desses bandidos”.