Reinaldo Gonçalves: “Lula está deixando o Brasil cada vez mais dependente”

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Reinaldo Gonçalves: “Lula está deixando o Brasil cada vez mais dependente”

28/12/2004

Por Luis Brasilino
Fonte Correio da Cidadania

O crescimento da economia em 2004 deve se repetir no próximo ano?

Reinaldo Gonçalves: O que é consensual é que o ano que vem terá um desempenho inferior, inclusive nas pesquisas que o Banco Central faz a média de crescimento estimado é de 3,5%, contra os pouco mais de 5% deste ano. Um desempenho que, para o Brasil, é insuficiente, pois é incapaz de gerar uma quantidade de emprego equivalente ao crescimento da população economicamente ativa (PEA). E esse crescimento é baseado na realidade de que o governo vai manter a restritiva política monetária e fiscal e a conjuntura internacional continuar favorável. Para a população, isso significa uma situação pior que em 2004, pois neste ano, com um aumento no PIB de pouco mais de 5%, a geração líquida de postos de trabalho foi da ordem de 500 mil empregos acima do crescimento PEA. E, em 2005, isso não vai acontecer. O outro problema é que, como a renda do trabalhador continua caindo em termos reais, vamos ter, pelo sétimo ano consecutivo, queda nos rendimentos do trabalhador e, portanto, mais concentração de riqueza.

O governo Lula tem apostado no aumento das exportações e na construção de um grande superávit comercial para desenvolver o Brasil. É esse o melhor caminho?

RG: Decididamente não. Olhando o programa de governo do PT, vemos uma ênfase no mercado consumidor interno. O que se observou nos últimos dois anos é que a dinâmica de crescimento econômico, a locomotiva, foi a exportação e menos o investimento e o consumo, menos ainda o gasto público. O presidente está sendo levado pelas circunstâncias: um mercado internacional extremamente favorável, nos últimos dois anos. Isso é ruim porque boa parte da renda do setor exportador fica concentrada nos latifundiários, nas oligarquias locais e regionais e nas multinacionais. O agronegócio, no Brasil, tem um multiplicador de renda e emprego pífio. Isso é lamentável. Por isso, esse superávit comercial expressa muito mais um fracasso que um sucesso.

Qual caminho o Brasil devia seguir?

RG: O que está no programa de governo do PT de três anos atrás. Expandindo o consumo e os investimentos, estaríamos colocando a economia numa trajetória de crescimento de 7 a 8% ao ano. Isso levaria ao aumento do salário real, do emprego, a uma melhor distribuição de renda. Mas o que se observou, nos últimos dois anos, foi exatamente o contrário. Uma renda enorme do trabalhador desempregado foi transferida para os banqueiros e rentistas, a renda real do trabalhador caiu e o desemprego aumentou.

Então, porque o governo comemora mês a mês as novas taxas de desemprego?

RG: 2001, 2002 e 2003 foram anos de recessão. Em 2004 houve uma pequena recuperação, então não é nenhuma surpresa que nessa pequena retomada de crescimento, não sustentável, ocorra uma redução pontual na taxa de desemprego. Assim, como aconteceu no ano 2000, que teve um crescimento de pouco mais de 4%. Está se comparando a taxa de agora com outras de quando o país estava em recessão. Ao se relacionar a taxa com a de outros anos não recessivos, como 2000, podemos perceber que ela continua alta.

É possível afirmar que a população brasileira está melhor no final de 2004 que no começo?

RG: Certamente, mas está pior que há dois. Isso aconteceu porque, se por um lado, nas eleições de 2002, a esperança venceu o medo, no governo Lula a pusilanimidade derrotou e humilhou a esperança. Na verdade, é uma covardia travestida de prudência. Um governo que seguiu a linha da menor resistência, fazendo esse tipo de política econômica e social – uma reprodução ridícula dos governos anteriores. E não foram só as políticas, mas também as propostas de reformas estruturais. O ministro da Fazenda (Antonio Palocci) costuma falar em reforma trabalhista e autonomia do Banco Central, duas propostas que estavam na agenda do governo Fernando Henrique.

Os movimentos decidiram centrar fogo na política econômica. É aí mesmo que está o problema?

RG: Não acho que o problema está só na política econômica, que é ruim e apresenta resultados medíocres – apesar dos empresários e dos banqueiros acharem que ela é um sucesso absoluto –, a política social também é ruim. O fato concreto é que a política econômica do governo Lula, na ótica dos trabalhadores e do desenvolvimento do Brasil é uma catástrofe. Há um mês saiu mais um manifesto de 300 e tantos economistas chamando atenção para o fato de que os resultados dessa política são desconjunturados e dependentes da situação internacional. Lula está fazendo o Brasil cada vez mais dependente e vulnerável. Diferente do que pensa o governo, um superávit baseado em commodities é um péssimo resultado porque aumenta a dependência e a vulnerabilidade. As Parcerias Público-Privadas (PPPs) são a mesma coisa. Fazendo um balanço, eu diria que, em dois anos, Lula teve um desempenho medíocre. E digo isso como petista de carteirinha.

É possível identificar alguma diferença entre Lula e Fernando Henrique Cardoso?

RG: A diferença marcante, pelo lado negativo, é a ênfase maior que o Lula dá para as políticas de cunho populista e assistencialista. No que seria importante na área social, as políticas universais, o desempenho do presidente é tão ou mais ruim que o do Fernando Henrique. Quem precisa do INSS hoje é tão humilhado quanto era na época do ex-presidente, quem depende da saúde pública fica tão desesperado quanto, o ensino na universidade pública continua se degradando, quem depende da segurança pública está pior e quem precisa de emprego está em situação ainda mais difícil do que estava em meados da gestão passada, a renda idem. Eu diria que há uma diferença de estilo mas, no conteúdo, como diriam os franceses, plus ça change, plus c’est la même merde. Na realidade, não muda nada. Não há transição. Isso é conversa mole para boi dormir. A ânsia pelo poder transformou prudência em covardia.

Os principais opositores ao governo Lula são o PSDB, partido do Fernando Henrique, e o PFL. A tendência, então, é esse modelo se manter por muito mais tempo?

RG: Eu não faria uma análise tão linear. Estamos frente a duas mediocridades, a do governo e a da oposição. São dois desastres de liderança, de projeto e de política. Contudo, existe um Brasil que não é o da política institucional, um Brasil real, social e político que transcende essa mediocridade, essa pusilanimidade e essa incompetência. Esse país, por necessidade de sobrevivência, vai reagir. Já reagiu nas eleições municipais e vai reagir nas de 2006. Sou otimista e estou convencido de que o brasileiro não conviverá com a mediocridade desses grupos dirigentes. O país está se esgarçando, se fragilizando e a sociedade vai exigir coisas diferentes. Então, vai se criando um mercado político novo, novas estruturas, esquemas políticos, lideranças e projetos, mesmo que isso tome muito tempo. O PT medíocre de hoje é o resultado de um partido criativo, original e corajoso de 20 anos atrás.

Quem serão os atores que farão isso?

RG: Esse é o problema. Os atores institucionais hoje são de uma incompetência ímpar na história do Brasil, talvez só encontrada no Segundo Império, com Dom Pedro II. O PT são as “Luzias” e o PSDB as “Saquaremas”. Novas lideranças vão surgir. O próprio Lula apareceu há apenas 15 ou 20 anos e vai morrer, rapidamente, como liderança, pelo desempenho que está tendo. O processo é dinâmico, não só no plano da política institucional. O PT surgiu e se mostrou incapaz de fazer as mudanças, mas coisas novas vão aparecer. O Brasil de degradou no Segundo Império e gerou a República, se degradou na República Velha e deu na Era Vargas, que se degradou e resultou no período desenvolvimentista. Os protagonistas de hoje, o PT e o PSDB, terminarão no mesmo lugar na história do Brasil, na estrumeira. Daqui a 20 anos, vamos olhar para trás e lembrar desses pequenos personagens. Eles vão desaparecer, assim como aconteceu com outros. Atravessamos um período triste na nossa história, mas ainda temos muito tempo. De repente, ainda tem mais um quarto de século de decida de ladeira para o Brasil voltar aos eixos. Porém, certamente, não será com essas lideranças.

Que papel as forças internacionais podem desempenhar nesse processo?

RG: Na realidade, o problema do Brasil é o Brasil. Não são os norte-americanos, os organismos internacionais… É um grupo dirigente que tem se pautado historicamente pela conciliação e pela reforma, a saber, pelas estratégias de menor resistência e pela pusilanimidade. O mundo é dado. O Brasil é um país sem importância no cenário internacional, não tem grandes reservas de petróleo, armas nucleares e, do ponto de vista geopolítico, é só mais um país que não é prioridade na política externa de ninguém. O mundo só nos afeta porque somos fracos, débeis e vulneráveis em decorrência das políticas dos grupos dirigentes que tivemos nos últimos 25 anos. A política econômica de Lula tem expressão na mídia e, na visão da elite, é uma maravilha, mas saindo da superfície, vemos que ela é absolutamente desprovida de conteúdo, não tem nenhuma prioridade, a vulnerabilidade continua aumentando e não existe nenhuma estratégia. Na área comercial, não dá para saber se as prioridades são os acordos multilaterais nem bilaterais. Além disso, parece que o Brasil vai renovar mais uma vez o acordo com o FMI. Onde Lula poderia ter um aparente sucesso, que é na política internacional, ele não consegue ultrapassar o cosmético.