“Ao povo, a liderança do processo político no Brasil”, pede Comparato

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“Ao povo, a liderança do processo político no Brasil”, pede Comparato

13/01/2005

“A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos e nos termos da lei, mediante: plebiscito, referendo e iniciativa popular”, diz o artigo 14 da Constituição brasileira. Para que a lei seja cumprida, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) lançou no final do ano passado a Campanha Nacional em Defesa da República e da Democracia.

O intuito da entidade é incentivar a participação popular nas decisões de âmbito nacional e fazer com que o povo seja de fato e de direito soberano. O primeiro passo da campanha é pressionar o Congresso Nacional pela aprovação de projeto de lei que regulamenta o uso de plebiscitos e referendos no país. Em entrevista à página do MST, o advogado e presidente da Comissão de Defesa da República e da Democracia da OAB, Fábio Konder Comparato, fala sobre a campanha – considerada por ele como a “refundação da vida política neste país” – os principais pontos do projeto e a importância das consultas populares para a democracia no Brasil. Além disso, comenta a tradição oligárquica e a inexistência de uma democracia autêntica no país.

“Na medida em que o povo passa a decidir diretamente questões de fundamental importância para a nação brasileira, e não é apenas chamado a votar neste ou naquele candidato, ele passará a perceber que não é um incapaz, como as chamadas elites sempre apregoaram”, disse Comparato.

Segundo ele, caso o projeto seja aprovado, a população poderá convocar plebiscitos para decidir como deve ser o processo de Reforma Agrária e, para isso, até a Constituição pode sofrer alterações. Também existirá a possibilidade da Alca (Aérea de Livre comércio das Américas) e acordos com o FMI (Fundo Monetário Internacional) passarem por consultas populares.

O projeto de lei foi aprovado na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados e, em 2005, começa tramitar regularmente. Comparato convoca entidades e movimentos sociais a apoiarem a campanha coletando assinaturas, pressionando parlamentares e o governo federal para a aprovação do projeto no Congresso. CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e o MST manifestaram apoio à iniciativa da OAB.

Leia abaixo a entrevista com o professor Comparato:

Quais os objetivos da Campanha?

Fábio Konder Comparato – O objetivo maior da Campanha em Defesa da República e da Democracia é dar ao povo a liderança do processo político no Brasil; ou seja, fazer com que o povo se torne soberano, de fato e de direito. A grande constante da história política do nosso país é a marginalização do povo de toda a vida política. Hoje, os governantes se declaram representantes do povo e suas decisões se dizem tomadas em nome dele. Na realidade, é sempre um pequeno grupo de poderosos que detêm o poder soberano, fazendo com que os sucessivos governos se curvem às suas injunções. A política no Brasil sempre foi oligárquica. É por isso que nunca houve uma autêntica república nem uma autêntica democracia entre nós. A república existe quando o poder político é exercido para a realização do bem comum do povo, e não para a satisfação de interesses particulares de grupos, classes, igrejas ou partidos. E a verdadeira democracia é o regime político em que o poder supremo (soberania) pertence ao povo e é por ele exercido.

Qual a importância para o país de uma iniciativa como essa?

Comparato: A Campanha representa, nada mais nada menos, do que a refundação da vida política neste país. Para tanto, é preciso começar por abrir uma brecha na muralha que sempre separou o grupo oligárquico do povo. Essa abertura, segundo acreditamos, é representada pelo projeto de lei sobre plebiscito, referendo e iniciativa popular legislativa, que a OAB apresentou à Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, no final do ano passado.

Como está a tramitação no Congresso?

Comparato: O projeto já foi aprovado nessa Comissão e inicia a sua tramitação regular logo no início da sessão legislativa de 2005. Todo o nosso empenho, agora, consiste em fazer pressão sobre os parlamentares para que o projeto seja aprovado na Câmara já este ano, e possa seguir para o Senado.

Quais os pontos do projeto de lei enviado à Câmara dos Deputados que o professor destaca como mais importantes?

Comparato: Os principais pontos do projeto de lei apresentado pela OAB à Câmara dos Deputados são, a meu ver, os seguintes: em primeiro lugar, ele permite ao povo decidir, por meio de plebiscitos, a realização das políticas econômico-sociais previstas na Constituição. Assim, o povo poderá, por exemplo, decidir como deverá ser feita a Reforma Agrária no país, e essa decisão implicará, se for o caso, mudança na Constituição e nas leis que regulam a questão. Em segundo lugar, o plebiscito é obrigatório, em se tratando de privatização de bens públicos e de alienação de bens que constituem parte do patrimônio nacional. Em terceiro lugar, tanto o plebiscito, quanto o referendo, podem ser realizados mediante iniciativa popular, ou por decisão de um terço dos membros de cada Casa do Congresso. Assim, não só o povo, mas também a minoria parlamentar, adquirem o poder de superar a barreira oligárquica construída em torno da maioria parlamentar, e que até hoje impediu a realização das grandes mudanças estruturais neste país. Em quarto lugar, podem ser objeto de referendo popular, não só leis, mas também emendas constitucionais e tratados ou acordos internacionais. Assim, o eventual tratado instituidor da ALCA, por exemplo, ou um acordo com o FMI, poderão ser submetidos à decisão do povo em última instância. Em quinto lugar, todas as leis em matéria eleitoral devem ser submetidas a referendo do povo para entrarem em vigor. Em sexto lugar, os projetos de lei de iniciativa popular passam a ter prioridade em sua tramitação no Congresso Nacional. Além disso, se uma lei oriunda de iniciativa popular for revogada ou alterada por outra lei não proposta pelo povo, esta última lei deverá obrigatoriamente ser submetida a referendo popular. Além desses pontos, que me parecem os mais importantes, o projeto de lei regula também as questões de reconfiguração político-territorial das unidades componentes da federação.

Como o professor avalia a possibilidade da população participar, votar e decidir diretamente sobre questões importantes para a nação?

Comparato: Na medida em que o povo passa a decidir diretamente questões de fundamental importância para a nação brasileira, e não é apenas chamado a votar neste ou naquele candidato, ele passará a perceber que não é um incapaz, como as chamadas elites sempre apregoaram, e que ele tem sido sistematicamente enganado por aqueles que se apropriaram do poder político, tal como sempre o fizeram com as terras públicas, por exemplo.

Com a regulamentação do instrumento do plebiscito e do referendo, o que muda politicamente num projeto brasileiro de desenvolvimento?

Comparato: O desenvolvimento nacional é um processo composto de três elementos: o crescimento econômico auto-sustentado e sustentável, a equalização das condições básicas de vida do povo e a democracia participativa. O projeto de lei, de um lado, desbloqueia os mecanismos da democracia participativa previstos na Constituição; de outro lado, permite que o povo intervenha diretamente nas grandes decisões governamentais, a fim de promover o crescimento econômico (com a abolição do super-endividamento público, por exemplo) e a igualdade crescente de condições de vida, mediante a realização das políticas de trabalho, educação, saúde, moradia, previdência e assistência social.

Quais os próximos passos da Campanha?

Comparato: Os próximos passos da Campanha serão decididos durante o mês de fevereiro. Uma medida que representa o complemento necessário do projeto de lei já apresentado é a alteração da Constituição para facilitar a iniciativa popular de projetos de leis. Uma outra medida que está em cogitações é a elaboração de uma lei de responsabilidade social do Estado, para se contrapor à abusiva lei de responsabilidade fiscal, proposta pelo FMI e pressurosamente adotada pelo Congresso durante o governo FHC.

Como a população e a sociedade civil podem participar da Campanha? Há comitês locais, algum sítio, e-mail ou endereço?

Comparato: O que se pede e espera, hoje, das entidades e movimentos que apóiam a Campanha é a coleta de grande número de assinaturas em apoio ao projeto de lei sobre plebiscito, referendo e iniciativa popular, além de um trabalho junto aos parlamentares e ao próprio governo federal (por que não?) para que esse projeto seja rapidamente aprovado no Congresso Nacional.