Fim da euforia mostra debilidade do agronegócio
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Fim da euforia mostra debilidade do agronegócio
13/01/2005
Por Maurício Hashizume
Fonte Agência Carta Maior
Sinais não faltam para apontar que a fase de cifras excepcionais do chamado agronegócio brasileiro já está ficando para o passado. Sob influência do anúncio da super-safra dos Estados Unidos, a queda dos preços internacionais de produtos primários agrícolas para a safra 2004/2005 – o algodão caiu 40%, a soja despencou 35%, e o milho perdeu 20% do seu valor, todos em relação à média de 2003/2004 -, o aumento do custo de produção em função da alta dos preços dos insumos agrícolas (pelo menos em parte, devido ao aumento dos preços do petróleo), e a desvalorização do dólar perante o real fizeram o setor, a despeito da previsão de fartas colheitas, adotar o sentido da cautela.
Nesse contexto de menor euforia, surgem alguns sintomas significativos de que a política agrária ainda não encontrou um equilíbrio sustentável e de longo prazo. Nesta semana, por exemplo, o vice-presidente de Agronegócio do Banco do Brasil (BB), Ricardo Conceição, anunciou que haverá sobra de cerca de R$ 800 milhões nos recursos do banco destinados ao crédito para investimentos para a safra 2004/2005. O BB também adiou por mais um mês, pela segunda vez, o prazo para que produtores de algodão e de trigo possam quitar empréstimos no total de R$ 250 milhões contraídos para a safra passada.
Agricultores da categoria dos pesos-pesados do agronegócio, por seu turno, comemoraram, nesta mesma semana, o lançamento de um novo título para captação de recursos no exterior. Trata-se do Agrinote (Nota Comercial do Agronegócio), que deve passar a ser emitido até o final do primeiro semestre deste ano. O novo título – que aguarda instrução da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que deve sair dentro de alguns dias para consulta pública – poderá ser emitido pelo próprio produtor (pessoa jurídica), sem intermediários. A expectativa é de que o Agrinote atenda à demanda de empréstimos de grande escala e atraia recursos somados de até R$ 20 bilhões. A própria produção agrícola, além do próprio nome da organização, contratos de exportação ou recebíveis, poderão ser dados como garantia.
De outro lado, os grandes produtores reclamam do “curto cobertor” dos recursos para a outra ponta da cadeia agrícola: a comercialização. A proposta orçamentária deste ano reserva R$ 527 milhões para a comercialização da safra 2004/2005. O crescimento em comparação ao ano passado – no Orçamento de 2004, foram disponibilizados R$ 272 milhões – não impediu a gritaria dos barões do agronegócio, que pedem mais R$ 2 bilhões para este fim.
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) aposta em outras fontes para incrementar o apoio estatal ao escoamento da safra 2004/2005. Todos os bancos são obrigados a destinar 25% do valor dos depósitos à vista para crédito rural. Com isso, a pasta espera um incremento de R$ 2 bilhões, o que elevará os recursos destinados pelo sistema bancário para custeio e comercialização da safra para R$ 38 bilhões. Esses, somados aos R$ 10,7 bilhões reservados a investimentos, elevam a carteira agrícola no setor financeiro para R$ 48,7 bilhões.
Na avaliação de Guilherme Delgado, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), o quadro atual de dificuldades para comercialização é resultado do significativo investimento feito tanto no Plano Safra para o agronegócio (R$ 39,5 bilhões) como no Plano Safra para agricultura familiar – R$ 7 bilhões no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) (leia “Plano Safra “100% Lula” sobe 30% e pequenos terão R$ 7 bilhões”).
“O crédito e a comercialização são pernas de um mesmo sistema. Se uma perna fica muito frágil, o conjunto perde equilíbrio. Se o mercado está ruim e há riscos para o grande produtor, imagine a situação dos pequenos agricultores…”, sublinha o pesquisador, um dos colaboradores na elaboração da proposta de Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), coordenada pelo professor Plínio de Arruda Sampaio e apresentada ao governo federal no final de 2003 (leia “Plano promete criar 3 milhões de empregos”).
De acordo com Delgado, o Ministério da Agricultura chegou a firmar um acordo de que se os R$ 2 bilhões pleiteados para comercialização da safra 2004/2005 permanecessem no Orçamento, cerca de R$ 500 milhões poderiam ser separados para a compra de produtos diretamente da agricultura familiar. “Se restaram apenas R$ 527 milhões, essa quantia deve ficar toda para o agronegócio”, antecipa.
Outra medida tomada pelo governo para tentar compensar o desequilíbrio na integração da política agrária, que salta aos olhos neste momento por causa do problema da comercialização, foi a recente criação de cinco novos títulos agropecuários – Certificado de Depósito Agropecuário (CDA), Warrant Agropecuário (WA), Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e os Certificados Recebíveis do Agronegócio (CRA) – com o objetivo de atrair mais cerca de 5% dos R$ 500 bilhões que circulam no mercado financeiro.
“Esses novos títulos autorizados pelo governo ainda apenas são apenas papel”, observa Delgado. Ele ainda completa: “Esse tipo de instrumento leva tempo para se estruturar no mercado. O problema do desequilíbrio não será resolvido no curto prazo. E com a taxa de juros nas alturas, esse processo fica ainda mais complicado”.
A afirmação categórica de que o agronegócio já “anda com as suas próprias pernas” e caminha cada vez mais para uma posição de auto-suficiência em relação às intervenções do Estado abriga, no entendimento do pesquisador do Ipea, um traço de debilidade, no sentido de que não está na plenitude de sua condição ou potencial. “Na hora em que o mercado vira as costas para os grandes produtores do agronegócio, eles vêm logo bater na porta do governo. É evidente que alguma coisa está errada nessa política agrícola mais ampla”.