Acusados de assassinato de missionário são julgados após 19 anos

Com informações do Cimi

Após 19 anos, um mandante e dois executores do assassinato de Vicente Cañas Costa, missionário jesuíta que vivia com o povo Enawenê-Nawê no Mato Grosso, irão sentar no banco dos réus. Ronaldo Antônio Osmar, ex-delegado de polícia de Juína, município do crime, José Vicente da Silva e Martinez Abadio da Silva, um conhecido pistoleiro da região, serão julgados pelo Tribunal do Júri.

O ex-delegado foi também o primeiro delegado da Polícia Civil responsável pela investigação do caso. Outros dois mandantes denunciados pelo Ministério Púbico já morreram (Pedro Chiquetti e Camilo Carlos Obici). A ação contra o terceiro acusado de mandante, o fazendeiro Antonio Mascarenhas Junqueira, prescreveu pela sua idade avançada.

O julgamento está marcado para 24 de outubro no Auditório da Justiça Federal de Cuiabá (MT). Para o Cimi (Conselho Indigenista Missionário), o resultado pode significar um grande avanço na luta contra a impunidade. As penas para homicídio qualificado podem variar de doze a trinta anos de reclusão.

Histórico

Vicente Cañas viveu com os Enawenê por dez anos. Participou dos primeiros contatos do grupo com não-índios, em 1974. Ele os acompanhava em suas atividades tradicionais de pesca, agricultura e na vida cotidiana. Em uma região onde contaminação por verminoses era comum, atuou na prevenção destas doenças. Manteve constantes as vacinações para prevenir doenças infecto-contagiosas, como o sarampo, que dizimaram muitos grupos indígenas no Brasil. A população dos Enawenê-Nawê era de 97 pessoas quando foram contatados. Hoje, são 430.

Cañas lutava pela demarcação das terras tradicionais e pelo respeito à cultura tradicional dos Enawenê-Nawê. Ele participava oficialmente de um grupo de trabalho da Funai (Fundação Nacional do Índio) para identificação do território indígena, cobiçado por fazendeiros que queriam acesso à exploração da madeira.

Ameaçado de morte por seu comprometimento com a sobrevivência do povo Enawenê-Nawê, Vicente Cañas foi vítima da ambição e violência dos fazendeiros, que o mataram a facadas em 1987, quando se preparava para atender a uma aldeia, levando medicamentos. Após ser morto, foi abandonado à porta de seu barraco, pelos assassinos que fugiram pelas picadas abertas na mata, em direção à fazenda de um dos mandantes.

Seu corpo foi encontrado cerca de quarenta dias depois da morte, por dois missionários do Cimi, com o abdômen perfurado. Seu barraco, em desordem, apresentava sinais de luta. Seus instrumentos de trabalho, como o cesto onde levava medicamentos, além de lanterna, espingarda e facão, já estavam na voadeira (barco) com a qual iria até as aldeias, como havia avisado por rádio dias antes do assassinato.

O inquérito policial tramitou durante seis anos. Apesar de ser voz corrente na região sobre o envolvimento dos acusados no crime, a população de Juína e das aldeias indígenas conviveram e ainda convivem com medo de represálias e atentados às suas vidas, calando-se em relação aos mandantes e executores deste crime. A revelação do envolvimento dos acusados só se deu por testemunhos de indígenas da etnia Rikbaktsa (canoeiros), habitantes das terras vizinhas à dos Enawenê-Nawê.