Desempregados se organizam para enfrentar crise calçadista no RS

Trabalhadoras e trabalhadores desempregados gaúchos ligados ao MTD (Movimento dos Trabalhadores Desempregados) e sindicatos calçadistas da região do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, vêm realizando sucessivos protestos a fim de chamar a atenção para a crise por que passa o setor coureiro-calçadista. Nesta quarta-feira (10/05), cerca de 100 pessoas ocuparam a prefeitura de Novo Hamburgo, um dos principais municípios-pólo das fábricas sapateiras. Na semana passada, por volta de 700 desempregados acamparam em frente a um depósito da empresa Azaléia, na mesma cidade, para marcar o 1º de Maio, Dia do Trabalho, encerrando a mobilização com uma caminhada no dia seguinte.

Novas frentes de trabalho e créditos subsidiados para criar postos junto às pequenas empresas estavam entre as principais reivindicações. Mas não ficou somente nisso. Desempregados e sindicalistas criticam arduamente a política de incentivos fiscais dos governos federal e estadual, que preferem investir em grandes empresas e multinacionais. Somente a Azaléia ganhou cerca de R$ 40 milhões do Fundopem (Fundo Operação Empresa) do governo estadual entre os anos de 1994 e 1999. Mesmo sendo apoiada com recursos do Estado, a empresa, que é a segunda maior fabricante mundial de calçados, fechou em dezembro de 2005 uma unidade no município de São Sebastião do Caí, demitindo 800 trabalhadores.

“Ao mesmo tempo em que as empresas conseguem recursos para se modernizar cada vez mais, não geram empregos e se tornam tão competitivas que obrigam os empreendimentos pequenos a fechar. Assim, não adianta o governo dar muito incentivo para a Azaléia, que é uma empresa grande, e deixar com que as pequenas tenham todos os prejuízos”, reclama Neiva Barbosa, dirigente do Sindicato dos Sapateiros de Novo Hamburgo. Mauro Cruz, coordenador do MTD, tem a mesma opinião: “o dinheiro público deve ir para os movimentos e não para quem não precisa dele, já tem recursos. Os pequenos e médios empresários precisam de recursos, assim como os trabalhadores”, argumenta.

As alternativas propostas para resolver a crise são poucas. Mas os trabalhadores têm a sua própria. O MTD, em parceria com os sindicatos sapateiros da região, quer que o governo federal crie uma linha de crédito própria para cooperativas de trabalhadores desempregados. Do governo estadual, reivindicam apoio para tomar as fábricas falidas e os prédios abandonados. “Queremos ter as nossas próprias experiências de trabalho”, diz Mauro. No final do ano passado, a cooperativa, formada por cerca de 200 trabalhadores, adquiriu em leilão a fábrica falida de fogões Geral, onde trabalhavam no município de Guaíba.

Moeda de troca

A crise do setor calçadista baseia-se no tripé desvalorização do real, produtos chineses – que entram no país mais baratos do que a produção nacional – e o alto ICMS cobrado pelo Estado. “A Azaléia e a Beira-Rio fecham fábricas no Rio Grande do Sul, mas expandem seus investimentos na Bahia. A dificuldade do câmbio persiste, mas as empresas ganharam redução no ICMS, a mesma ‘moeda de troca’ que havia sido dada pelo Estado gaúcho. Há alguma coisa de estranho”, questiona o economista Sergio Kapron. A situação faz parte da estratégia de mercado adotado pelas fábricas. “As empresas usam essa capacidade de controlar mercados para tirar o máximo de benefícios, seja de produtores, de quem elas precisam da matéria-prima, seja dos trabalhadores [mão-de obra] e dos países em que se instalam”, defende Kapron.

Esse discurso utilizado pelas empresas tem conseguido rápida adesão: prefeitos do Vale dos Sinos e muitos sapateiros desempregados ligados à Força Sindical engrossaram a caravana que iniciou na segunda-feira (08/05) em Porto Alegre (RS) e terminou na quarta-feira (10/05), em Brasília. De iniciativa dos empresários, a manifestação ganhou força no desespero dos moradores locais. Cerca de trinta ônibus foram até a capital federal reivindicar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva valorizasse o real e aumentasse os créditos para as fábricas, medidas que o governo não tomou. “Na televisão, apareceu uma mulher dizendo que não iria sair de Brasília sem emprego, mas voltou desempregada. A crise não se resolve com mais crédito e nem se unindo ao patrão. Eles só pensam na gente quando é para nos usar como massa de manobra”, critica Neiva Barbosa, sindicalista.

Desde 2005, cerca de 20 mil trabalhadores foram demitidos de fábricas e de pequenas empresas calçadistas na região. Neiva sentiu na pele tal situação como trabalhadora e agora relata as experiências de outros colegas como sindicalista. “A Azaléia, por exemplo, tinha um dos melhores salários da região. De um ano para cá, vêm achatando os salários e demitindo os funcionários, porque estão se mudando para a Bahia”, diz. A dirigente critica as empresas, que optam por fechar as portas do que reduzir sua porcentagem de lucro. “Quando o câmbio estava um dólar por um real, as exportadoras ganharam muito dinheiro e não dividiram nada com os trabalhadores”, reclama.