Transnacionais podem acabar com soberania alimentar e recursos naturais, diz Stédile
“O projeto das transnacionais para dominar a agricultura no mundo”. Esse foi o tema do debate feito ontem pelo integrante da direção nacional do MST, João Pedro Stédile, na 5ª Jornada de Agroecologia, realizada no Centro de Convenções de Cascavel (PR).
Stédile relatou as mudanças do capital desde o século XV, passando pela revolução industrial até chegar na criação dos grandes conglomerados empresariais. “Exemplo dessa lógica é a Volkswagen, que fabrica carros, comercializa e financia. Ela obtém lucro de 57% com o financiamento dos carros, contra 10% que obtém com a venda. Esse casamento entre a indústria, comércio e bancos, controla a maior parte do que é produzido e, a partir da década de 1990, passou a influenciar a agricultura”, afirmou.
Ao investir em empresas do setor agropecuário, os grandes bancos concentraram toda a cadeia de produção em um único conglomerado. “A Monsanto, por exemplo, não era conhecida há dez anos e hoje é a maior empresa do mundo no setor, com produção de fármacos e herbicidas. Ela tem silos, armazéns e navios, além de usar o capital para produzir e controlar as sementes. Um outro exemplo pode ser a Syngenta, que fazia produtos veterinários e hoje também é um grande complexo alavancado pelo mercado financeiro, o que demonstra a centralização do capital”, disse.
Segundo ele, outro movimento do capital foi a internacionalização das empresas, com difusão do mesmo método de plantio e definição do preço dos produtos nas bolsas de commodities. “As empresas manipulam o preço dos grãos na bolsa e o preço dos insumos”. Para ilustrar, Stédile mostrou que o preço do açúcar na década de 1990 era de US$ 10,00 a tonelada e hoje está US$ 6,00. O café caiu de US$ 66,00 para US$ 40,00 e o arroz, de US$ 290,00 para US$ 160,00. No caso da soja, mesmo com a queda na produção mundial, causada pela seca nos Estados Unidos, no Brasil e na Argentina, o preço da saca caiu de US$ 18,00 para US$ 9,00. “Isso é manipulado pela Cargill, pela Monsanto e pela Bunge, que derrubaram o preço para fazer estoques. Daqui a dois anos, a soja volta a US$ 15,00 a saca, mas daí essas empresas terão grandes estoques, para continuar lucrando no mercado”, acredita.
O integrante do MST diz que os objetivos das transnacionais é o controle de todo o comércio agrícola das commodities, a padronização dos alimentos no mundo e a propriedade privada da terra, da água e da biodiversidade. Para ele, isso leva a consolidação do modelo de exploração agrícola com as características de grandes extensões de terra voltadas para a monocultura, com uso intensivo de agrotóxicos, mecanização e redução do uso de mão-de-obra.
“A conseqüência desse modelo é a perda da soberania dos países sobre a agricultura, perda da soberania alimentar, devastação da natureza, destruição do modelo camponês de viver, desemprego agrícola e uma sociedade mais pobre e desigual. Estamos nesse momento numa verdadeira guerra contra esse modelo, que ou será derrotado, ou acaba com o nosso modelo de vida”, colocou.
Stédile também falou sobre a ação realizada no Congresso Nacional por integrantes do MLST (Movimento de Libertação dos Sem Terra) no início da semana: “o protesto foi equivocado porque os nossos inimigos são o latifúndio, os bancos e as empresas transacionais. Os deputados e a Câmara devem ser os nossos aliados”.
Para ele, os atos mais violentos podem ter sido realizados por “pessoas infiltradas no movimento, interessadas em apenas criar tumulto e desviar o foco da discussão da Reforma Agrária”. Stédile lembrou que no final da Marcha Nacional pela Reforma Agrária, há dois anos, o MST enfrentou uma situação semelhante ao descobrir policiais infiltrados para “espalhar a baderna entre integrantes do Movimento”.
Stédile disse ainda que não acredita que essas ações vão mudar o tratamento dispensado atualmente pelo governo federal à Reforma Agrária. “A Reforma Agrária está parada. Mas mesmo assim, o governo Lula vai continuar tendo o nosso apoio porque consideramos a sua candidatura à Presidência a mais viável para promover as reformas de base que os movimentos sociais reivindicam”, concluiu.