Josimo Morais Tavares
Em 10 de maio de 1986, mais um lutador tombava por defender a luta das famílias de trabalhadores rurais. Há 20 anos, o padre preto de sandálias surradas, como era conhecido Josimo Morais Tavares, símbolo de resistência contra a opressão foi assassinado, em Imperatriz, no Maranhão, por latifundiários da região.
De família humilde, Josimo nasceu em Marabá (PA). Sua mãe, que era lavadeira, sentiu as dores do parto à beira do rio Araguaia e deu à luz ao pequeno bebê ali mesmo. Era um domingo de páscoa de 1953.
Ainda criança, sua família se mudou para a cidade de Xambioá, no Tocantins, quando o lutador ganha uma irmã, que mais tarde morreu de desnutrição. Aos 11 anos, parte para Tocantinópolis para estudar em um seminário. De lá, ruma à Brasília, depois para Aparecida do Norte (SP) até que chega em Petrópolis (RJ) para estudar no seminário franciscano. O teólogo Leonardo Boff, um de seus professores, lembra do aluno paraense: “Ele era muito quieto e equilibrado. Era decidido. Optou por trabalhar com os pobres e nunca se desviou”.
Por ser pobre, negro e filho de camponeses, Josimo foi alvo de muitos preconceitos. Quando terminou os estudos em Petrópolis, decidiu voltar à Xambioá, para dedicar sua vida à causa dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. Se torna padre em 1979. “Não quero ser padre de escritório, mas não quero ser padre burro. Gostaria de ser letrado como um teólogo, ao mesmo tempo que humilde e simples o suficiente para poder trabalhar com o povo”, escreveu ele em abril de 74, antes de terminar seus estudos.
Depois de se tornar padre, se mudou para Wanderlândia, onde iniciou seu trabalho com os pobres, atuando em uma escola secundária e assumindo o trabalho da Pastoral da Juventude da cidade. Foi lá que compreendeu como a concentração da terra era o problema mais urgente da população da região.
Também foi coordenador da pastoral da Diocese, atuando na região do Bico do Paraguaio, que compreende norte do Tocantins, sul do Pará e oeste do Maranhão, área conhecida por intensos conflitos de disputa pela terra e que anos antes havia sido o cenário da guerrilha do Araguaia. Logo depois se tornou um dos coordenadores da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Ao longo de sua vida, Josimo passou a denunciar os grileiros de terra, a opressão dos latifundiários contra os lavradores e a defender os direitos do povo, conscientizando-os sobre sua força. Por suas idéias e ações, causou ódio aos fazendeiros da região, passando a receber diversas ameaças de morte. Em abril de 1986, Josimo sofreu um atentado, mas as balas não o atingiram. Consciente do risco que corria por defender seus ideais, escreve um testamento (leia box) onde reafirmou seus compromissos com o povo brasileiro. Um mês depois deste ataque, foi assassinado com dois tiros pelas costas quando subia as escadarias do prédios onde funcionava o escritório da CPT em Imperatriz.
Mais uma vez, os latifundiários tentaram calar a voz daquele que dedicou sua vida à luta por uma vida digna ao povo brasileiro. Não sabiam eles que os ideais revolucionários de Padre Josimo continuam vivos no coração de cada pessoa que acredita que mais forte são os poderes do povo.
Testamento do Padre Josimo, escrito em 1986
“Tenho que assumir. Estou empenhado na luta pela causa dos lavradores indefesos, povo oprimido nas garras do latifúndio. Se eu me calar, quem os defenderá? Quem lutará em seu favor?
Eu, pelo menos, nada tenho a perder. Não tenho mulher, filhos, riqueza…
Só tenho pena de uma coisa: de minha mãe, que só tem a mim e ninguém mais por ela. Pobre. Viúva. Mas vocês ficam aí e cuidam dela.
Nem o medo me detém. É hora de assumir. Morro por uma causa justa.
Agora, quero que vocês entendam o seguinte: tudo isso que está acontecendo é uma conseqüência lógica do meu trabalho na luta e defesa dos pobres, em prol do Evangelho, que me levou a assumir essa luta até as últimas conseqüências.
A minha vida nada vale em vista da morte de tantos lavradores assassinados, violentados, despejados de suas terras, deixando mulheres e filhos abandonados, sem carinho, sem pão e sem lar “.
Sobre o caso
Em 25 de abril o juiz Costa Junior, da 1ª Vara Criminal de Imperatriz (MA), recebeu denúncia do promotor Arnoldo Jorge de Castro Ferreira contra o juiz aposentado João Batista de Castro Neto e os fazendeiros José Elvécio Vilarino e Pedro Vilarino Ferreira. Eles são apontados como mandantes do assassinato de Pe. Josimo.
De acordo com a denúncia, estas três pessoas, junto com Osmar Teodoro da Silva e Geraldo Paulo Vieira, se reuniram várias vezes para planejar a morte do lutador. Eles teriam decidido qual arma usar e quem contratar para a empreitada, além da forma de pagamento.
Anos depois do crime, as investigações policiais identificaram o pistoleiro Geraldo Paulo Viera como o assassino. Condenado a 18 anos e 6 meses de prisão, ele fugiu três vezes da cadeia e foi morto em um assalto a banco.
Outros responsáveis pelo crime também foram condenados: Adailson Vieira teve pena de 18 anos, Osmar Teodoro da Silva, na época presidente da Câmara de Vereadores de Augustinópolis (TO) foi condenado a 19 anos e Guiomar Teodoro da Silva e Vilson Nunes Cardoso, a 14 anos. Um outro acusado, João Teodoro da Silva faleceu antes de ser julgado.
Outros dois acusados, Nazaré Teodoro da Silva e Osvaldino Teodoro da Silva, foram absolvidos pelo Tribunal do Júri. A sentença foi anulada pelo Tribunal de Justiça do Maranhão, mas os réus recorreram para o Supremo Tribunal Federal.
O processo vem sendo acompanhado pela assessoria jurídica do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia (MA), da CPT/TO e da Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado do Tocantins.