Governo FHC e a propaganda virtual

Por João Pedro Stedile*

Em se tratando de Reforma Agrária, o governo FHC foi o que mais fez propaganda. De 1995 a 2000, pouco foi investido nesta área, sendo que o valor gasto por ano sempre foi menor do que o orçado.

Os recursos tiveram um pico em 1997, talvez em função das reações da sociedade ao massacre de 19 trabalhadores sem terra em Eldorado dos Carajás em 1996 e a Marcha Nacional dos sem terra à Brasília em 1997. De lá pra cá os recursos vem diminuindo. A inflação oficial de 1997-2001 foi de aproximadamente 40%. Apenas com a correção monetária para manter as mesmas despesas, o orçamento do Incra de 2001 deveria ter sido cerca de 3,9 bilhões de reais. No entanto, o valor orçado para este ano foi de apenas 1.3 bilhões.

O governo divulga que, de 1995 a 2000, 480 mil famílias foram assentadas. Para atingir esse número, conta-se por exemplo, com as famílias reassentadas em projetos antigos, áreas já existentes, regularização de posseiros e mesmo projetos que ainda estão no papel.

Pelos cálculos das entidades de Reforma Agrária apenas 280 mil famílias foram efetivamente assentadas em áreas desapropriadas no período. Em todos os casos de novas famílias assentadas, a terra foi conquistada através da pressão social, ocupação, marchas, acampamentos.

Áreas desapropriadas

Apesar de, na propaganda, o governo dizer que fez a maior Reforma Agrária do Brasil e do mundo, o índice de concentração da propriedade da terra no Brasil aumentou significativamente, segundo os dados do IBGE de 1985/96.

Ao mesmo tempo em que o governo faz propaganda de que teria desapropriado 18 milhões de hectares de terra, o equivalente a uma área da Bélgica (30.518km2), esconde que, no mesmo período, apenas uma empresa, a CR Almeida – construtora de Curitiba/PR – adquiriu 4 milhões de hectares de terras públicas no Estado do Pará, representando hoje o maior latifúndio do mundo, equivalente a uma Dinamarca (43.093km2).

Segundo os dados do Incra, entre 1992 e 1998, os imóveis com mais de 2 mil hectares por fazenda, que eram 19.077, aumentaram para 27.556. A área controlada por eles, aumentou de 121 milhões para 178 milhões de hectares, representando 43% de todas as terras.

O Incra assinala em seus cadastros que os imóveis com menos de 10 hectares de terra (cerca de um milhão), mantiveram sua área ao redor de 5 milhões de hectares entre 1992 e 98. Ou seja, o equivalente a apenas 1,3% de toda propriedade no Brasil.

O Imposto Territorial Rural

Durante o governo Itamar Franco entrou em vigor uma lei (8.847/94) que estabelecia a progressividade no valor do imposto cobrado para os proprietários que não aumentassem a produção a partir do terceiro ano. Em 1996 o governo FHC muda a lei (9.393/96). Para efeito de propaganda, o novo ITR seria uma revolução agrária pacífica e que através dele, o governo passaria a recolher mais de 2 bilhões de reais por ano.

Passados cinco anos, percebe-se o motivo de a bancada ruralista não contestar as mudanças do governo. A arrecadação prevista para 2002 é de 232,5 milhões de reais, enquanto que no último ano de vigência da lei anterior foram arrecadados 269 milhões de reais. Ou seja, a arrecadação deste ano, será 47,5% menor do que a realizada pela lei anterior se corrigida pelas média anuais do IGP-DI.

O crédito rural para a agricultura familiar e assentados

Desde 1986 as famílias assentadas tinham acesso a um programa especial de crédito rural para a Reforma Agrária (Procera). Em 1998, o governo acabou com ele e criou o Pronaf, para agricultura familiar, o que na teoria ampliaria os recursos para todos os agricultores familiares, incluindo os assentados.

Os recursos efetivamente aplicados desde 1998 vêm caindo a cada ano. O valor total é insignificante para atender toda demanda dos quase 5 milhões de agricultores familiares existentes no Brasil, incluindo as famílias assentadas. Se todas as famílias tivessem realmente acesso ao crédito rural, cada família poderia receber ao ano, em média, apenas 200 dólares.

A principal conseqüência é que as famílias assentadas que antes tinham uma linha de crédito especial, uma metodologia e recursos assegurados, agora caíram no balaio comum com todos os pequenos agricultores e aumentaram as dificuldades para obtenção de crédito rural.

Os dados mostram que o investimento na agricultura e na Reforma Agrária diminuiu e a propaganda do governo aumentou. Mas os trabalhadores sem terra e os pequenos agricultores estão dando a resposta, com mobilizações na luta pelos seus direitos, que historicamente vem sendo conquistados assim.

* João Pedro Stedile é membro da Direção Nacional do MST

Breves

Organizações do campo são recebidas pelo governo

Os representantes das organizações do campo foram recebidos em 27 de setembro pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério da Fazenda e Casa Civil. O governo acenou pela renegociação das dívidas e programas de créditos agrícolas, que totalizam 7 bilhões de reais. A audiência, que havia sido pedida a mais de 20 dias, só aconteceu devido à mobilização, em 26 de setembro, na qual dois mil trabalhador@s rurais caminharam rumo ao Palácio da Alvorada. Tropa de choque e cavalaria não permitiram que @s companheir@s passassem da Praça dos Três Poderes. Na próxima quarta-feira, 3 de outubro, a equipe dos movimentos sociais do campo terão uma nova audiência com os técnicos do governo.

MST é premiado na Europa

O MST recebeu, em 25 de setembro, o Prêmio de Direitos Humanos da Prefeitura de Siero, região de Astúrias, na Espanha. O prêmio foi criado este ano pelo Conselho de Solidariedade local, formado por entidades e movimentos sociais da cidade. Como forma de divulgar o Movimento premiado, o Conselho de Solidariedade de Siero organizará exposições de fotos, debates e outras atividades nas Casas de Culturas e Institutos do Conselho.

Filmes sobre MST no Centro Cultural São Paulo

De 2 a 7 de outubro, acontece no Centro Cultural São Paulo a mostra A Terra Prometida, uma produção audiovisual sobre o MST. A programação conta com cerca de 30 filmes, quatro encontros com realizadores e um debate estético e é uma realização da Associação Brasileira de Documentaristas/SP, com o apoio do MST, co-patrocíno da Prefeitura Municipal e apoio cultural da produtora ZYD. Para a programação completa, clique aqui.