Os nossos bens culturais

Emir Sader*

A crise brasileira é econômica, porque os recursos existem, inclusive a força de trabalho, assim como as necessidades, mas falta o essencial para grande parte da população. O que significa que é a forma de organização da economia – em função do lucro e não das necessidades das pessoas – que está errada e provoca as sucessivas crises da economia brasileira.

A crise brasileira é também social, porque uma pequena minoria se apropria da maior parte da riqueza existente, relegando a maioria a um nível de vida precário, à forme e à miséria.

A crise brasileira é política, porque a elite que exerce o poder o faz para perpetuar a dominação da maioria pela minoria.

Mas a crise brasileira é também cultural, não apenas porque os grandes meios de produção de cultura são apropriados pela mesma minoria que detêm grande parte da riqueza e se vale do poder para se perpetuar como classe dominante, mas também porque o conjunto dessas crises expropria os brasileiros da capacidade de se pensar a si mesmos, de raciocinar como povo e como país.

A cultura serve, entre outras coisas, para que as pessoas possam pensar o significado das coisas. Quem produz cultura impõe o significado que deseja aos fenômenos, às coisas, às próprias pessoas.

O capitalismo deseja que os bens culturais sejam mercadorias como as outras, que possam ser comprados e vendidos e que os que têm mais riqueza assim possam ser os senhores do significado das coisas. Por exemplo, podem fazer crer que as pessoas valem o que o “mercado” diz que elas valem e que os salários ou os lucros que cada um recebe representaria “o valor” de cada pessoa. Assim, quando uma pessoa está desempregada, a sociedade lhe estaria dizendo que ela “não vale nada”, já que ninguém se disporia a pagar nada por ela.

Mas os bens culturais não são mercadorias como as outras. São eles que permitem que uma pessoa se pense como ser humano, que um país possa refletir sobre o significado de sua história, que o mundo possa refletir sobre o sentido do mundo e da vida das pessoas.

A crise brasileira é cultural, porque as identidades, os significados que querem nos impor – os do “mercado” – não explicam o valor da vida humana, o valor dos afetos, o valor da solidariedade, o valor do país, o valor da sociedade, o valor da música, da literatura, da arte. Só nos dão os preços, dizendo que eles definem o valor de cada coisa.

No entanto, a cultura de um povo é o bem que pode permitir que as pessoas pensem o significado do que fazem, das relações entre os seres humanos, a trajetória histórica que constrói um país e uma nação. São portanto bens inalienáveis, que dinheiro nenhum pode comprar. Por isso faz parte da nossa luta democrática e popular, por uma sociedade justa e humanista, apropriar-nos do direito de escrever e publicar o resultado da reflexão sobre a nossa vida, sobre a nossa história. Para isso precisamos proteger nossa cultura como um dos bens fundamentais que dão sentido à nossa vida, a nós como seres humanos, a nós como povo, como país e como participantes da humanidade.

* Emir Sader é sociólogo

Breves

Rio de Janeiro ganha Semana Nacional da Cultura Brasileira e da Reforma Agrária

Acontece de 18 a 24 de março, no Rio de Janeiro, a Semana Nacional da Cultura Brasileira e da Reforma Agrária. Toda a sociedade terá a oportunidade de participar de debates, oficinas, assistir a exposições de fotos, exibição de vídeos e documentários e participar de shows musicais. Sem falar na Feira de Produtos da Reforma Agrária que estará montada na Cinelândia durante o evento.

Os temas do encontro giram em torno da reforma agrária, a preservação da identidade e da memória social do Brasil e da promoção de valores humanistas da sociedade. A maioria da programação será realizada na UERJ, mas as atividades acontecerão também no Museu da Imagem e do Som (MIS), no Centro de Tecnologia da UFRJ (Fundão), no campus da UFRJ da Praia Vermelha, no Crea-RJ, na UFF, nas comunidades da Rocinha, Jacarezinho, Maré e Vigário Geral, na Cinelândia e no Cinema Odeon. O evento está sendo realizado pelo MST em parceria com a UERJ, a Faperj e a Funarj.

Trabalhadoras rurais acampam nas capitais do país

De 6 a 8 de março mais de 35 mil mulheres participaram do 3º Acampamento Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais Margarida Alves, homenagem à líder sindical assassinada na década de 80 na Paraíba.

Durante este momento de luta e resistência ao projeto neoliberal, que só gera miséria e exclusão social, aconteceram diversas atividades, como audiências, atividades culturais, estudos, debates, caminhadas, atos públicos e ocupações de prédios públicos. Em Brasília, as mulheres também conseguiram impedir a votação o
relatório dos transgênicos, elaborado por Confúcio Moura (PMDB-RO). A atividade foi organizada pela ANMTR (Articulação Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais), que reúne organizações e movimentos sociais, entre eles o MST.

Vídeo mostra que é possível produzir organicamente

Lançado recentemente, o documentário “Terra é mais que terra” mostra a construção de uma nova sociedade pelas famílias de trabalhadores que vivem nos assentamentos de Reforma Agrária coordenados pelo MST. Através dos depoimentos de trabalhador@s rurais, este audiovisual busca preencher a lacuna intencionalmente estabelecida pelo “latifúndio” da comunicação, que caracteriza superfcialmente a questão agrária e o MST.

Adquira uma cópia e partilhe as experiências e conquistas na luta por um Brasil sem latifúndio e por uma sociedade justa e digna.

“Terra é mais que terra”
duração: 10 minutos
valor: 10 reais
pedidos: [email protected]