Se o acordo de Alcântara for aprovado

Dioclécio Luz*

Em 1982, o governo brasileiro criou o Centro de Lançamentos no município de Alcântara (MA). Em 2000, o governo brasileiro assinou um acordo com o governo dos Estados Unidos para cessão da base. Neste momento, o acordo de “aluguel” da baseestá sendo analisado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Depois, o caso será levado a plenário para a deliberação definitva. Veja a seguir, o que acontecerá se o acordo for aprovado.

Salvaguardas Tecnológicas

Áreas restritas. Serão criadas áreas restritas em território brasileiro, com acesso controlado pelo Governo dos Estados Unidos.

Os norte-americanos fiscalizarão a base sem aviso prévio ao governo brasileiro. Permite-se que o governo norte-americano instale equipamentos de vigilância eletrônica para tal finalidade.

O crachá é fornecido por eles. O acordo chega a prever que os crachás para adentrar na base serão emitidos unicamente pelo governo norte-americano.

O Brasil não terá controle sobre o que entra na base. A alfândega brasileira será proibida de revistar e inspecionar qualquer remessa de material norte-americano que ingresse no território nacional; nenhum controle efetivo sobre o material que os norte-americanos utilizarem nos lançamentos a partir de Alcântara.

Os EUA podem lançar mísseis espiões contra países com os quais o Brasil mantém boas relações diplomáticas.

O Brasil não poderá fiscalizar os restos de foguete no seu território, deverá criar uma “área de recuperação de escombros, controlada pelos norte-americanos, para armazenamento de componentes ou escombros identificados” sem que tais componentes sejam estudados e fotografados de qualquer maneira.

O Brasil não poderá desenvolver tecnologia espacial. É taxativamente proibida “a assistência e cooperação tecnológica” (Artigo IV). O Brasil não terá acesso a tecnologia norte-americana e está impedido de desenvolver a sua, por conta própria ou em parceria com outros países. Nem o dinheiro do aluguel pode ser utilizado nisto.

Acaba o programa espacial brasileiro. Acabam nossas pretensões de entrar no fechado clube espacial e nos tornamos totalmente dependentes dos Estados Unidos.

Salvaguardas Políticas

Embora o acordo trate de tecnologia, nele estão embutidas uma série de exigências de ordem política. São determinações que agridem a soberania nacional e estabelecem uma humilhante posição brasileira diante dos Estados Unidos.

Só o Brasil tem compromissos. As cláusulas do acordo criam obrigações quase que exclusivamente para o Brasil. Os Estados Unidos impõem as regras.

Cria uma base militar norte-americana. Ela será mais um ponto de referência do poderio militar norte-americano.

A base pode ser utilizada pelos EUA para o envio de mísseis. O governo norte-americano argumenta que o controle tecnológico é necessário para evitar a proliferação de mísseis. A recusa norte-americana em assinar a Convenção de Ottawa sobre minas terrestres e a recente decisão do governo Bush de proceder à construção de um escudo antimíssil demonstram a fragilidade do comprometimento dos EUA com a causa do desarmamento mundial.

Não permite lançamentos para países considerados “terroristas”. Os Estados Unidos poderão proibir o Brasil de, utilizando base instalada em território nacional e veículos de lançamento de sua propriedade (ou de propriedade de terceiros países), lançar satélites para nações desafetas dos EUA. Segundo o seu último relatório, os países que apoiam o terrorismo são: Irã, Iraque, Síria, Líbia, Cuba, Coréia do Norte e Sudão. Trata-se, é evidente, de uma classificação inteiramente arbitrária, feita ao sabor dos interesses políticos e estratégicos dos EUA. É nossa opinião que nenhuma nação estrangeira deva ter poder de decisão sobre o uso do Centro de Lançamento de Alcântara. Deve ficar claro que, caso esse dispositivo seja aprovado, o Brasil perde a autonomia de utilizar a sua base como bem entenda.

Proíbe o Brasil de estabelecer cooperação com quem não estiver no MTCR (Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis). Como até agora 32 países fazem parte, esse dispositivo excluiria do uso do Centro de Lançamento de Alcântara a maior parte das nações do planeta, o que acarretaria prejuízos potenciais de monta para o país. Trata-se, mais uma vez, de conferir a um país estrangeiro, os EUA, no caso, o poder de limitar o arbítrio da República Federativa do Brasil quanto à maneira de usar a sua base nacional.

Recursos do aluguel da base não poderão ser utilizados no desenvolvimento do programa espacial brasileiro. Um veículo lançador de satélites operante permitiria ao Brasil entrar, de maneira autônoma, no lucrativo e tecnicamente relevante mercado de lançamentos. Com todo certeza, teríamos condições de competir com êxito nesse mercado, já que dispomos do CLA, base de posição geográfica privilegiada, que permite a realização de lançamentos com economia de até 30% no uso de combustíveis.

Troca o programa espacial brasileiro pela participação na Estação orbital dos EUA. Empenhado em acabar com o programa espacial brasileiro, os Estados Unidos oferecem como brinde a presença do Brasil numa estação orbital. A participação do Brasil nesta estação espacial sai caro. Estima-se que o Brasil vai despender US$ 300 milhões por ano neste programa. Com estes recursos, o programa espacial brasileiro poderia deslanchar, viabilizar o VLS, e entrar no mercado em definitivo.

Todo acordo posterior feito pelo Brasil com outros países, deve ser equivalente a este. Isto é, vale para todos os futuros acordos que podem ser feitos, excluindo de forma definitiva a possibilidade do Brasil ter acesso a algum tipo de tecnologia espacial. Na realidade, essa cláusula tem um endereço certo: os acordos de cooperação nos usos pacíficos do espaço exterior firmados pelo País com a Rússia, a Ucrânia, a China e a Itália, além de outros. O temor do governo norte-americano é que esses países, em decorrência das atividades de cooperação ensejadas pelos acordos, repassem a sua tecnologia de veículos lançadores de satélites para o Brasil.

Ora, é até admissível que o governo norte-americano, não queira o repasse da sua tecnologia espacial para o Brasil, porém, não podemos concordar que os EUA queiram, através do mesmo instrumento jurídico, um mero acordo bilateral, proibir que o Brasil busque o repasse de tal tecnologia em terceiros países e que essa nações tenham que exigir dos seus licenciados o mesmo que os norte-americanos demandam dos seus.

Leis norte-americanas irão prevalecer sobre as brasileiras nas exportações. O governo norte-americano assegurou que, no que tange ao seu compromisso básico na cooperação pretendida (licenciar as exportações), as suas leis, normas e políticas internas poderão prevalecer sobre o texto do Acordo.

Resumo do Artigo de Dioclécio Luz, com base nos estudos e pareceres de Marcelo Zero, assessor da bancada do Partido dos Trabalhadores

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