Devastação Humana

Por Roberto Malvezzi*

A África que nos acolheu em Joanesburgo é linda e negra. Eles estão por toda parte e só se vê o povo negro. Desde a chegada no aeroporto, na recepção, nos ônibus, circulando nas ruas. Liga-se a TV e uma belíssima negra faz a âncora do programa. A presença negra é tão predominante que nos perguntávamos: onde é que estão os brancos? Eles estão confinados nos seus condomínios, carros e propriedades particulares. Não circulam pelas ruas e nem estão nos espaços públicos. Os poucos que vemos pelas ruas são os “novos pobres” da África do Sul, os brancos que perderam o emprego. Assim como existem os “novos ricos”, negros que ascenderam socialmente no comércio e na vida pública. Assim como continuam existindo os “antigos ricos”, isto é, a elite branca que sempre dominou o país. Assim como continuam existindo os antigos pobres, isto é, a “maioria negra”. Como dizem, “os negros têm medo de ser humilhados pelos brancos e os brancos têm medo de ser devorados pelos negros”. A segregação racial foi superada na lei, mas ainda não nas mentes e corações. A injustiça social subsiste e nos coloca aquela delicada relação entre etnia e pobreza. Sem dúvida, a superação da discriminação racial, sozinha, não significa a superação das injustiças sociais.

Essa África está sendo arrasada por uma devastação invisível: AIDS. Os números dizem tudo: 10% da população da África negra está contaminada, ou seja, 28 milhões de pessoas. Corresponde a 20% da população econômica e sexualmente ativa. Pessoas próximas nos disseram que os hospitais estão cheios, os coveiros trabalham dia e noite nos cemitérios e pessoas morrem à míngua nos pastos. Faltam braços para trabalhar e mãos para colher. A morte elimina pessoas jovens, arrasando qualquer possibilidade de sustentabilidade econômica e social.

“As causas são muitas e relacionadas”, nos dizem pessoas próximas que trabalham na África. A vida sexual sem estabilidade, as guerras, a promiscuidade nos campos de refugiados, os estupros feitos pelos soldados, a migração, a falta de políticas educativas, o machismo, geram uma contaminação progressiva e sem nenhum controle. Olhando friamente, mesmo que hoje cessasse toda forma de expansão, dadas as condições africanas, no prazo de dez anos, 28 milhões de africanos estarão mortos, média de 2,8 milhões/ano, 7.600 pessoas/dia. Impossível falar em “desenvolvimento sustentável” em condições absurdas como essa.

A humanidade praticamente silencia sobre essa devastação. O Zimbabuwe, com 30% da população com AIDS, devastado por uma guerra civil, com 3 milhões passando fome, teve da ONU a ajuda de “alimentos transgênicos”. O governo resistiu, porém, com a corda no pescoço, aceitou. Nos bastidores, mais uma vez, pessoas opinam que essa é uma estratégia de “acobaiar” pobres para testar alimentos que os produtores jamais teriam coragem de dar a seus filhos. O comportamento do “primeiro mundo” diante da tragédia africana traduz, sem comentários, o nível ético e moral ao qual chegaram os donos do planeta.

É essa África, com conquistas que emocionaram a humanidade, com novos e antigos problemas, que nos acolheu nessa Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável. O continente africano, onde surgiu a primeira pessoa humana, simboliza melhor que todos a luta em favor da vida no planeta e também a sua morte.

* Roberto Malvezzi é membro da Coordenação Nacional da CPT – Comissão Pastoral da Terra e esteve em Joanesburgo para participar da Cúpula Mundial de desenvolvimento Sustentável a convite da Misereor em concordância com a CPT.

Breves

Amanhã tem jejum pela paz no Oriente Médio em São Paulo

Neste sábado, 12 de outubro, será realizado um Jejum pela Paz no Oriente Médio na Praça da Sé, em São Paulo. Este ato se soma as mobilizações que acontecem por todo o mundo, em defesa da vida e de uma paz justa. Serão homenageadas as centenas de crianças palestinas assassinadas pelo exército de Israel e as milhões de crianças mortas no Iraque, em conseqüência da contaminação química causada pela guerra e do embargo econômico.

O jejum será do amanhecer (7h00) ao pôr do sol (17h00). Se você for artista, ou for amigo de algum, traga. Serão feitas atividades culturais durante todo dia. Haverá som e a cada hora, apresentações. Para encerrar, haverá um ato ecumênico às 17 horas.

Os organizadores pedem para que os participantes levem o dinheiro de suas refeições do dia e deixem como doação para ser enviada para as crianças palestinas. Vamos juntar esforços e enviar nossa solidariedade e carinho aos povos do Oriente Médio que lutam por paz, igualdade e liberdade.

ENTIDADES ORGANIZADORAS:

Grupo Solidário São Domingos, Grito dos Excluídos Brasil e Latino-americano, Via Campesina, Movimento Sem Terra (MST), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sindicato dos Advogados de São Paulo, Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, Central de Movimentos Populares (CMP), Instituto Jerusalém, Serviço Pastoral dos Migrantes, Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae (CEPIS), Movimento Mística e Revolução.

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No Passarán!

“Lembrete aos militantes que passaram dias dormindo pouco e conscientizando o povo de que a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) só favorece aos Estados Unidos: estamos no caminho certo. Antes de nós, muitos outros já lutaram!

Simon Bolívar já dizia que os Estados Unidos querem impor a miséria econômica em nome da liberdade. Cuba resiste até hoje. E os povos das américas saberão colher os ensinamentos de seus antepassados e barrar mais uma vez essa nova tentativa de impor a vontade do império do norte, contra a vontade dos povos. Lutar contra a Alca não é uma questão conjuntural. Nâo é discutir tarifas e/ou aspectos de acordo comercial. Discutir a Alca é discutir nosso destino como povo soberano ou não.”

(João Pedro Stédile, membro da Direção Nacional do MST)