EM QUESTÃO: A necessidade da Reforma Agrária no Brasil !

Caros amigos e amigas do MST,

Nos últimos dias, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CMPI da Terra) foi colocada no cenário nacional. Existem dois pólos antagônicos nesse emaranhado de informações: em um pólo estão os defensores da implementação da Reforma Agrária como mecanismo desenvolvimento nacional. Em oposição, os deputados ligados à União Democrática Ruralista (UDR), ao agronegócio e à violência rural.

As acusações feitas pelos parlamentares da direita recaem sobre a utilização dos recursos públicos. Salientamos que o MST, enquanto movimento social, não tem poder legal de acessar os recursos públicos. As famílias nos assentamentos rurais celebram parcerias com entidades comprometidas com a Reforma Agrária. Entre estas inúmeras entidades, existem alguns convênios com a ANCA (Associação Nacional de Cooperação Agrícola), CONCRAB (Confederação Nacional de cooperativas de Reforma Agrária) e ITERRA (Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária), que estão sendo investigadas. O MST tem orgulho do trabalho realizado por estas entidades, que são idôneas e sérias no trato com a coisa pública. Ajudam a combater o analfabetismo, constroem a saúde alternativa nas áreas rurais e trabalham pela preservação do meio ambiente, entre outras iniciativas. Desenvolvem na prática a vida no campo, tornando-o um lugar bom de se viver. São entidades parceiras e autônomas, que respondem por suas ações e fluxos financeiros. O MST por sua história é um movimento independente de partido político, ONGs, entidades, sindicatos e igrejas e manterá como princípio político essa linha.

Nossas escolas também foram atacadas no relatório da bancada ruralista, que ignora os avanços conquistados pelos trabalhadores e trabalhadoras rurais: 60 mil Sem Terra alfabetizados apenas nos últimos dois anos. Se colocar contra elas é se colocar contra o avanço cultural do povo. É justamente esse o desejo da elite: que os pobres do campo não tenham conhecimento para não sentir as cadeias que os prendem, se mantendo na ignorância.

O MST é a favor da transparência na administração de qualquer recurso público e apóia as investigações, independente de quem envolver. Não concordamos na utilização da CMPI da Terra como palco de luta ideológica e de tentativa de criminalização política ao Movimento. O que está em questão nesta CMPI da Terra é a necessidade e importância da realização da Reforma Agrária no Brasil, imprescíndivel para a consolidação da democracia e da justiça social.

Compartilhamos abaixo a entrevista especial concedida pelo deputado federal João Alfredo (PSOL-CE), relator da CPMI da Terra, que apontou as principais questões levantadas pela Comissão em dois anos de trabalho. Para ele, “a primeira solução (para a questão da terra) é que o governo tem que cumprir a sua meta”. O relatório foi lido na Comissão terça-feira (22/11), quando parlamentares da direita contrários aos Movimentos Sociais pediram vistas. Eles devem apresentar um novo e condenatório relatório contra o MST no próximo dia 29 de novembro.

A Comissão correspondeu aos seus propósitos iniciais?

João Alfredo: Eu sempre tenho dito que os desafios desta Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) e deste relatório foram imensos. Primeiro por tratar a questão agrária, que nunca se resolveu no Brasil e se mantém há cinco séculos. A CPMI teria que analisa todo o tempo da nossa história e o tamanho do país. É um desafio imenso para dois anos.

Segundo, pela paixão, os interesses, as lutas e os embates que decorrem da questão agrária. Se nunca aconteceu a Reforma Agrária no país é porque a força dos grandes proprietários de terra foi muito grande. Tratar dessa questão é expor uma chaga aberta: a da concentração da terra em poucas mãos. Hoje 1,6% dos proprietários têm quase 50% dos imóveis no Brasil inteiro. É a violência da concentração fundiária, que somada à violência física, vitimou nos últimos anos quase 1.400 trabalhadores, advogados, sindicalistas e religiosos. Desses casos, pouco mais de 70 foram apurados.

Além das mortes, temos também a impunidade. No período que a CPMI trabalhou tivermos a morte da Irmã Dorothy Stang, que depôs na Comissão e naquela época relatava a situação de extrema tensão em Altamira (PA), onde Anapu está situada. Nós tivemos a morte dos fiscais do Ministério do Trabalho que estavam levantando o problema do trabalho escravo em Unaí (MG) e a chacina de Felisburgo (MG). Já na conclusão do relatório, mais mortes em Pernambuco e no Pará. É um desafio muito grande, ainda mais em uma CPMI onde os ruralistas são majoritários e o tempo todo tentaram inverter o objetivo da CMPI pra atingir os movimentos sociais.

Tentei ser fiel aos objetivos da CPMI, que eram: 1. fazer o diagnóstico da situação fundiária, 2. analisar os processos de Reforma Agrária acontecidos no Brasil e o problema a violência no campo e as 3. soluções para isso. O problema fundiário brasileiro não é um problema de contas, do MST ou das entidades ruralistas. Até porque estes receberam nos últimos dez anos 1 bilhão de reais, enquanto as entidades ligadas aos trabalhadores receberam 41 milhões de reais. Não se trata disso. Se trata da raiz do problema: de entender o problema da concentração de terras, da grilagem, saber se há terra para fazer a Reforma Agrária e que há uma demanda de mais de 3 milhões de famílias pra isso. E precisamos dizer que os governos não tiveram vontade política para fazer a Reforma Agrária. O governo Fernando Henrique Cardoso, que desapropriou muito menos do que propagou, investiu em uma Reforma Agrária de mercado através do crédito fundiário, abandonando os assentamentos.

Diante desse cenário que o relatório traçou, muitas sugestões foram dadas. Quais foram as mais importantes?

J.A: Se identificamos como principais problemas a concentração fundiária, a grilagem de terras, a violência no campo e o trabalho escravo, apontamos soluções nesse sentido. A primeira solução é que o governo tem que cumprir a sua meta. Falta pouco mais de um ano para o final do mandato governo e apenas 45% das metas de assentamento foram cumpridas. Isso é muito baixo. E o que é mais grave: no orçamento do próximo ano, os recursos para o pagamento das desapropriações foram cortados em 40%. Também é preciso cumprir as metas nas outras áreas. Na questão da titulação das posses de boa-fé, de até 100 hectares, apenas 1% do combinado foi cumprido. Do ponto de vista do georeferenciamento, que é a realização do cadastro pra levantar o problema da grilagem de terra, especialmente no Pará, apenas 1% foi cumprido. Nessa linha administrativa entra também o fortalecimento do Incra.

Queremos modificar a legislação para tornar mais ágil o processo de desapropriação, tanto para a mudança dos índices de produtividade como para prazos de tramitação dos processos de desapropriação. Se nós olharmos o problema da grilagem, é fundamental uma correção nos cartórios, que são fosso de corrupção, e a aprovação uma proposta de emenda constitucional no sentido de estatizar os cartórios no Brasil.

Na questão da violência no campo, evidentemente aparecem propostas de indiciamento, como a do presidente da UDR (União Democrática Ruralista), que tem estimulado a formação de milícias privadas, assim como outras lideranças ruralistas. É preciso uma força tarefa da polícia federal para desmontar todas essas milícias privadas e desarma-las. Assim como a instalação das ouvidorias agrárias e comissões de mediações nos estados e mudanças na legislação, para que em conflitos coletivos, os juízes não possam conceder liminares de reintegração sem antes irem ao local junto com o promotor. E o proprietário tem que comprovar a função social de sua terra. Isso é fundamental porque os despejos rurais são fonte de mais violência.

Na busca da impunidade, queremos aprovar Varas Agrárias federais, dentro da Justiça Federal, e trabalhar na construção de uma Justiça Agrária, como há a Trabalhista. Será uma justiça especializada desde o juiz do primeiro grau até os tribunais para os despejos, desapropriações, para questões coletivas vinculadas aos conflitos de terras, posse e execução da Reforma Agrária.
São 150 recomendações voltadas para os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas da União e também para 10 estados, que receberam propostas concretas.

Queremos criar na Câmara uma Comissão da Reforma Agrária e Justiça no Campo porque essas questões da Reforma Agrária e dos conflitos no campo não têm espaço nas comissões. Ou são tratadas na Comissão de Agricultura, que é dominada pelos ruralistas e acaba voltada para os interesses do agronegócio, ou na Comissão de Direitos Humanos, junto com outros temas vinculados a esse problema. Achamos que a questão agrária é tão importante que merece uma comissão específica.

Atenciosamente,

Secretaria Nacional do MST

Breves

Começa hoje o Encontro Latino-Americano Raízes da América – Cultura de Resistência

O Sindicato dos Servidores das Justiças Federais no Estado do Rio de Janeiro, CUT, MST e outros sindicatos CUTistas promovem o Encontro Latino-Americano Raízes da América – Cultura de Resistência, no Rio de Janeiro (RJ). O evento será aberto no dia 25 de novembro às 19h00 e continuará no sábado, 26 de novembro, a partir das 9h00, no auditório da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), rua Araújo Porto Alegre, 71. O Encontro será encerrado a partir das 19h00 com um show de samba de raiz e música latino-americana.

Assassinos da irmã Dorothy serão julgados em dezembro

Nos dias 9 e 10 de dezembro será realizado o Júri Popular para julgar Vitalmiro Bastos Moura, o Bida, Regivaldo Pereira Galvão e Rayfran Neves Sales, acusados de assassinar a irmã Dorothy Stang em fevereiro de 2005 no Pará. Para enviar mensagens se manifestando pela justiça no crime escreva para [email protected]

Caros Amigos Especial: A direita brasileira

“A direita brasileira é uma das mais espertas do mundo, porque entregou a pesquisa universitária à esquerda, para que esta estudasse os movimentos populares e assim ela ficaria bem informada – enquanto praticamente não há quem estude a própria direita e as elites em geral”. Partindo desta análise, feita pelo jornalista da equipe de Caros Amigos, Renato Pompeu, nasce esta edição especial, que busca identificar, definir e analisar a ideologia direitista em diversas áreas. A revista já está nas bancas.

Cartas

A Educafro apóia a parceria entre a USP e o MST que traz esperança na mudança de paradigmas até então impostos pelo vestibular. Temos a convicção de que esse será o inicio de grandes mudanças para os pobres que sonham em cursar uma universidade pública.

A Reforma Agrária como queremos ainda não aconteceu, mas com certeza só começou porque homens e mulheres como os que integram os movimentos da luta pela terra tiveram a coragem, ousadia e acreditaram nos seus sonhos. Contem comigo em sala de aula para fazer a Reforma Agrária, na teoria e na prática. Ivalcy.