Pistoleiro é absolvido em júri polêmico no Paraná
O pistoleiro José Luis Carneiro, acusado de assassinar o Sem Terra Sebastião da Maia, em 2000, em Querência do Norte, foi absolvido por unanimidade ontem (24/10), no Fórum de Loanda, após seis anos de espera e três adiamentos. A acusação entrará com recurso. O julgamento foi marcado por tumultos e ilegalidades permitidos pela juíza da Comarca de Loanda, Elizabeth Khater.
Os jurados absolveram Carneiro sob o argumento de que o réu não teria efetuado o tiro contra o Sem Terra. Segundo os assistentes da acusação, as ilegalidades foram gritantes porque os jurados decidiram contra as provas dos autos.
“A juíza ouviu uma testemunha que não foi citada em nenhum lugar do processo e que apresentou um depoimento contraditório aos dos testemunhos da defesa. De outro lado, a maioria dos pedidos feitos pela acusação foram indeferidos pela juíza, sem justificativa plausível”, denuncia a advogada Gisele Cassano, da Terra de Direitos.
Os assistentes de acusação, representando o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), a CPT (Comissão Pastoral da Terra), a Terra de Direitos e a Rede Social vão recorrer da decisão do Júri e solicitar um novo julgamento em outra região do Estado.
A decisão foi considerada contrária às provas dos autos e influenciada pela parcialidade da
juíza na condução dos trabalhos durante a sessão de julgamento, causando uma série de nulidades.
Agora são estudadas pelas organizações três possibilidades para que o caso não fique impune: solicitação do desaforamento, a federalização ou o envio para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. As organizações vão solicitar também audiência com o Presidente do Tribunal de Justiça e com o Procurador Geral.
Apesar da operação Março Branco, de março de 2006, ter revelado a relação entre a UDR (União Democrático Ruralista), setores da Polícia Militar e a formação de milícias privadas no estado do Paraná, no processo que apurou o assassinato de Sebastião da Maia somente um dos pistoleiros foi denunciado pelo Ministério Público. A participação do proprietário da Fazenda e da UDR sequer foi investigada.
Ilegalidades
Ao longo do julgamento, a defesa apresentou uma testemunha, conhecida como José Ferreira, que não havia sido arrolada nem prestado depoimento durante a instrução criminal. Apesar da proibição legal de apresentação de “provas surpresas”, a juíza Elisabeth Kather autorizou a participação da testemunha.
José Ferreira, no dia que antecedeu o júri, procurou Edílson Peixoto, integrante do MST, pedindo dinheiro para deixar de prestar seu depoimento. “Ele havia dito que caso o MST não lhe pagasse uma quantia em dinheiro, ele receberia da UDR para comparecer ao júri e apresentar uma outra versão dos fatos”, disse Peixoto.
Durante o júri, o capitão da PM Clóvis, testemunha de defesa entrou em contato com José Ferreira, que estava incomunicável por ainda não ter prestado depoimento. De acordo com a lei, a testemunha não poderia mais depor depois do contato entre os dois. Apesar disso, a juíza ignorou o que prevê a lei.
As organizações de direitos humanos presentes no júri ficaram impressionadas com a inércia do representante do Ministério Público, que constantemente se ausentava da sala de julgamentos, deixando de questionar as testemunhas de defesa e de acusação.
Outro fato que chamou a atenção foi a presença do presidente da UDR, Marcos Meneses Prochet, na sessão de julgamento, que mesmo sem ser advogado orientou e assessorou o advogado de defesa, além de conduzir a “testemunha surpresa” até a sessão de julgamento.
Crime Anunciado
Sebastião da Maia foi assassinado com um tiro na cabeça, no dia 17 de novembro de 2000, em uma emboscada na Fazenda Água da Prata, conhecida pelo seu histórico de violência.
Os trabalhadores transitavam por uma estrada rural quando foram atacados por pistoleiros que agiam na região. Durante a emboscada, o trabalhador Pedro Carvalho ficou ferido.
Em fevereiro de 1988, foi apreendido um arsenal de armas da mesma área, utilizadas pelos pistoleiros, que realizavam despejos forçados a mando de fazendeiros da região noroeste do Paraná, onde a UDR e outras organizações de fazendeiros sempre atuaram na repressão contra os lavradores.
Em maio de 1999, Tiãozinho da Maia, como era conhecido, e sua família foram despejados da Fazenda Rio Novo, também no município de Querência do Norte, quando sua mulher Adelina Ventura foi torturada pela Polícia Militar, conforme depoimento prestado em audiência com o então Secretário Nacional de Direitos Humanos, José Gregori, em Curitiba.
Adelina relatou: “Nós tava dormindo neste horário, quando eles chegaram gritando muito alto: `Polícia, polícia. Sai todo mundo com as mãos para cima!… E cadê teu marido? Cadê teu marido? … Quem é a mulher do Tiãozinho, aqui? … O teu marido é um dos líder do movimento, nois qué ele.”
A entrevista de Adelina, publicada na premiada reportagem da Revista Caros Amigos, nº 27, de junho de 1999, expressou o sentimento de horror vivido nas mãos da Polícia Militar do Paraná, a mando do então governador Jaime Lerner. O depoimento de Adelina chama a atenção para o fato de que seu marido Tiãozinho era um homem marcado pela polícia, que o procurava pelo nome. Dezoito meses depois deste despejo, Tiãozinho da Maia foi brutalmente assassinado.
Em outro processo judicial, que apura o assassinato do trabalhador rural Sebastião Camargo em um destes despejos forçados, um pistoleiro afirma que: “que foi contratado para trabalhar como segurança, na propriedade rural localizada no Município de Querência do Norte, denominada Água da Prata; onde lá foi lhe passado uma espécie de treinamento com armamento, cujas armas do tipo Cartucheira calibre 12, e em seguida como alvo colocava materiais como latão de duzentos litros, vazios para que fossem treinando.
O integrante do MST foi a 16ª vítima dos conflitos do campo que tomaram conta do Paraná durante o governo de Jaime Lerner e ocorreu logo após uma tentativa frustrada de negociação implementada pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) com o governo do Estado, dada a gravidade da situação à época.
Impunidade: mãe da violência
Os dados catalogados pela CPT demonstram que a certeza da impunidade é uma das razões do crescimento da violência no campo. Neste contexto, o poder judiciário tem se mostrado, quase sempre, um dos grandes aliados do latifúndio e do agro negócio. Ao mesmo tempo em que é lento para julgar os crimes contra os trabalhadores é extremamente ágil para atender as demandas dos proprietários expedindo liminares de reintegração de posse que, na maioria das vezes, acabam se tornando sentença definitiva sem sequer ouvir a parte acusada.
O assassinato de Sebastião da Maia não é um caso isolado. De 1985 a 2005 ocorreram no Brasil 1.063 conflitos com morte. Foram assassinadas 1.425 pessoas, entre trabalhadores, lideranças sindicais ou de movimentos e agentes de pastoral. Destes crimes contra os trabalhadores, somente 78 destes homicídios foram julgados. Foram condenados apenas 67 executores e 15 mandantes.
No mesmo período no Paraná foram assassinados 45 trabalhadores sendo que destes crimes nenhum culpado ou mandante foi punido. Os inquéritos no máximo chegaram à punição de alguns pistoleiros. Por outro lado, no mesmo período foram presos 754 trabalhadores fato que comprova a parcialidade do judiciário, o qual tem colocado o valor da propriedade acima do valor da vida.