Chacina de Felisburgo completa dois anos de impunidade

Felisburgo, cidade mineira localizada a mais de 700 km de Belo Horizonte, há dois anos foi palco de mais um ato de violência e brutalidade do latifúndio e do agronegócio contra famílias do MST. Um grupo de pistoleiros armados, entre eles o latifundiário Adriano Chafik Luedy, invadiu o acampamento Terra Prometida, na fazenda Nova Esperança, região do Vale do Jequitinhonha, e assassinou cinco trabalhadores Sem Terra.

A chacina aconteceu em 20 de novembro de 2004. Nesse dia, cerca de 18 criminosos encapuzados chegaram ao local e começaram a atirar em homens, mulheres e crianças. Depois, atearam fogo em 30 barracos de lona e palha e arrebentaram as cercas para que o gado invadisse e destruísse as plantações de mandioca, milho e feijão da comunidade.

Foram mortos Iraguiar Ferreira da Silva, Miguel José dos Santos, Francisco Nascimento Rocha, Juvenal Jorge Silva e Joaquim José dos Santos. Mais 13 pessoas ficaram feridas, cem famílias foram desalojadas e uma escola destruída. Composta de dois mil hectares de terras griladas e devolutas, de acordo com o Instituto de Terras de Minas Gerais, a fazenda Nova Alegria estava ocupada desde maio de 2002 por 200 famílias.

Na segunda-feira (20/11), quando o massacre completa dois anos, acontece em Felisburgo um grande ato das famílias sobreviventes e da sociedade mineira em homenagem aos mortos e pela realização da Reforma Agrária no Brasil.

Os manifestantes também vão protestar contra a impunidade: os mandantes estão em liberdade, sete jagunços identificados continuam livres e convivendo na mesma região dos Sem Terra atacados e apenas três estão presos.

Nesse contexto, as famílias sobreviventes continuam recebendo ameaças de fazendeiros da região. “A situação é inadmissível, há uma evidente omissão do Judiciário e uma submissão do Poder Executivo municipal. Aparentemente, o prefeito deve favores ou se sente submisso aos interesses do Adriano Chafik, que parece ter poderes sobre ele”, afirmou o relator Nacional para os Direitos Humanos a Alimentação, Água e Terra, Flávio Valente, da Dhesca (Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais), que visitou o acampamento Terra Prometida na quinta-feira (16/11).

Para evitar que a análise do caso aconteça dentro dessas condições, que favorecem Chafik e os jagunços que fizeram a chacina, entidades de direitos humanos reivindicam a saída do caso da comarca do Vale do Jequitinhonha, para que o julgamento tenha mais imparcialidade e distância das forças dominantes que exercem grande influência econômica e política na região de Felisburgo. “Estamos pedindo o desaforamento do caso para Belo Horizonte. Em Felisburgo, os latifundiários têm força para pressionar pela absolvição dos envolvidos”, afirma Mauro Lemes, integrante do MST.

Situação jurídica

O latifundiário Adriano Chafik, dono de propriedades em Minas Gerais e Bahia, suposto mentor intelectual e autor direto do massacre, admitiu em depoimento que participou da ação, a qual chegou armado junto com 14 homens. A prisão dele já foi decretada duas vezes. Depois, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) concedeu ao réu dois habeas corpus, mesmo com as ameaças constantes do réu contra as famílias que ainda vivem no local.

Em outubro, a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou, por unanimidade, o pedido de Chafik de não ser julgado pelo Tribunal do Júri. Diante disso, ele entrou com mais um recurso no STJ para evitar o júri, que ainda não teve resposta.

Em depoimento, Chafik alegou legítima defesa. No entanto, um dos mortos na ação tinha feito em julho uma representação na polícia local por causa das ameaças do fazendeiro. A CPT (Comissão Pastoral da Terra) e o MST também tinham encaminhado à polícia de Felisburgo denúncias de ameaças a trabalhadores rurais na região. Segundo Afonso Henrique de Miranda, procurador de Justiça, o inquérito aberto foi falho. “A quadrilha já estava toda identificada e cabia até um pedido de prisão preventiva, mas nada foi feito”, disse Miranda.

Durante dois meses antes do ataque, Chafik buscou pistoleiros na Bahia, em Itajuípe, para o ataque criminoso, segundo informações da polícia. Além do fazendeiro, seu primo Calixto Luedy, que continua foragido, também é apontado como mandante do crime.

Repercussão

Ainda em 2002, Miguel Rossetto, então ministro do Desenvolvimento Agrário, Nilmário Miranda, à época responsável pela secretaria de Direitos Humanos e Rolf Hackbart, presidente do Incra, foram a Felisburgo levar a sua solidariedade. Os três se reuniram com as autoridades policiais da região.

“Nós estamos falando de cidadãos brasileiros que estavam acampados, com autorização judicial e que foram brutalmente agredidos. Portanto, todo o acompanhamento, toda a dedicação já em andamento da Polícia Federal, especialmente para colaborar com a Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, que tem a responsabilidade da investigação desse crime, de tal forma que nós possamos, num prazo muito rápido identificar e responsabilizar os criminosos”, disse Rossetto então.

Já Hackbart disse que os movimentos sociais e os defensores da Reforma Agrária teriam que se o unir, “porque o outro lado é organizado. Sob a etiqueta do chamado agrobusiness, está o Adriano Chafik”.

Á época, MST, CPT e o Centro de Justiça Global denunciaram à Organização das Nações Unidas a morte dos Sem Terra em Minas Gerais. O texto enviado à seção de Execuções Arbitrárias, Sumárias ou Extrajudiciais da ONU afirma que “esse crime absolutamente inaceitável revela que a lentidão do projeto de Reforma Agrária no Brasil tem causado um clima de terror no campo”.