Aracruz compra área que deveria ser destinada à Reforma Agrária

O anúncio de que a Aracruz Celulose irá comprar parte da Fazenda Southall, área reivindicada desde 2003 pelo MST para o assentamento de famílias Sem Terra no Rio Grande do Sul, provocou indignação. Nesta terça-feira (21/11), a imprensa gaúcha divulgou a declaração do gerente regional florestal da Aracruz Celulose, Renato Rostirolla, de que a empresa vai comprar 1,2 mil hectares da fazenda, localizada no município de São Gabriel (RS), para plantar florestas exóticas. A área é só uma parte dos 7,4 mil hectares que a Aracruz pretende adquirir da Southall, que possui ao todo 13 mil hectares. Se a fazenda fosse desapropriada, poderiam ser assentadas cerca de 600 famílias.

Mauro Cibulsky, da coordenação estadual do MST, critica a decisão da Aracruz e, principalmente, a atuação do Judiciário. Para ele é um contra-senso o fato da empresa adquirir, com dinheiro público financiado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), uma área que pode ser considerada praticamente pública devido às dívidas que contraiu com a União, as quais alcançam o seu valor imobiliário. “É vergonhoso que a Aracruz, com financiamento do BNDES, compra uma área que é praticamente pública e que nós reivindicamos, há anos, para a Reforma Agrária. O Judiciário também tem sua parcela de responsabilidade, já que trancou a compra da área para Reforma Agrária anos atrás, e agora liberou o local para a Aracruz. Parece ser uma decisão política. Não tem mais lugar para pobre neste Estado”, retruca Cibulsky.

Já a compra da área é festejada pelas entidades ruralistas e pelos latifundiários da região. Para Tarso Teixeira, presidente do Sindicato Rural de São Gabriel, a aquisição do terreno para plantio de pinus e eucalipto é garantia de recuperação de investimentos e de geração de empregos em uma região que enfrenta grave crise. “Se quer vender para Aracruz para continuar gerando emprego, a decisão é dele [Alfredo Southall, proprietário]. Agora, vender para o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) para fazer Reforma Agrária é perda. Em Santana do Livramento, onde tem 52 assentamentos, a perda na arrecadação do município é impressionante. Quase quebraram a prefeitura municipal”, afirma.

A fazenda Southall teve o decreto de desapropriação publicado em 2003, mas foi derrubado pelo Supremo Tribunal Federal, o que motivou uma marcha realizada pelo MST naquele ano. O proprietário da fazenda, Alfredo Southall, tem dívidas de aproximadamente R$ 50 milhões com o Banco do Brasil, o INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) e a União. É quase o mesmo valor que custa a área, de acordo com o Incra. Na avaliação do MST, o governo federal não precisaria, portanto, desembolsar dinheiro público para adquirir a área para a Reforma Agrária. Para pressionar a desapropriação, cerca de 200 Sem Terra marcham, desde o dia 13/11, de Santana do Livramento a São Gabriel, em direção à fazenda.

Celulose x Reforma Agrária

O episódio traz à tona, mais uma vez, a batalha que os movimentos sociais, principalmente do campo, travam com a expansão das indústrias de celulose no Rio Grande do Sul. Juntamente com o anúncio da compra da área, a Aracruz garantiu que irá gerar de 400 empregos. Caso a fazenda fosse destinada para a Reforma Agrária, 600 famílias poderiam ser assentadas, gerando mais de mil empregos diretos. Jane Fontoura, integrante do MST que participa da nova marcha à São Gabriel, lembra que depois do plantio das árvores exóticas, época em que a atividade gera mais postos de trabalho, apenas um emprego é mantido a cada 185 hectares cultivados. “O Pampa Gaúcho tem que ser dos brasileiros e não dessas empresas transnacionais, que vem, compram as terras, acabam com a biodiversidade e levam todo o lucro embora. E que não é o progresso que tentam anunciar, porque os dados da Aracruz apontam para um emprego a cada 185 hectares. Ou seja, os empregos são enganosos, pois são sazonais, temporários”, argumenta.

Jane também pontua a degradação ambiental provocada pelo plantio de pinus e eucalipto, ressaltando o enorme consumo de água. Dado que se agrava na região de São Gabriel, que nos últimos três anos vem sofrendo com as sucessivas estiagens que afetam a região. “As pessoas não se dão conta de que essa seca que vem atingindo a região nos últimos três anos é conseqüência também deste monocultivo”, relata.

Para piorar a situação, a Aracruz tem recebido grande apoio dos latifundiários locais e das entidades ruralistas gaúchas. Segundo informações da própria imprensa, depois do anúncio da empresa, cerca de cem ruralistas fizeram uma barricada para impedir o avanço da marcha que o MST realiza na região. As organizações ruralistas prometem, ainda, a presença de mais de mil latifundiários nesta quarta-feira (22/11) para se unir à barreira e impedir a entrada dos sem terra na cidade de São Gabriel. Na sexta-feira (24/11), sindicatos de trabalhadores urbanos e organizações que apóiam a Reforma Agrária farão uma audiência pública na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, a fim de discutir a lentidão no processo de assentamentos no estado e pressionar para a desapropriação das áreas improdutivas, entre elas a Fazenda Southall.