Financiar expansão da economia com corte na Previdência e nos gastos sociais concentra renda
Luís Brasilino
Fonte Agência Brasil de Fato
Corte de gastos públicos, redução de impostos e uma nova reforma da Previdência. De que candidato mesmo era essa agenda? Por enquanto, esse também é o teor das medidas que vem sendo discutidas pelos ministros da área econômica do governo federal. Nesse debate, a equipe ligada ao ministro Paulo Bernardo (Planejamento) e ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, lançou a proposta de desvincular a correção do piso previdenciário dos aumentos do salário mínimo. A idéia ganhou o apoio da mídia tradicional, marcando o início de uma segunda etapa da estratégia conservadora para pautar a agenda política do país.
Nos últimos 12 anos de política econômica neoliberal (dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso e um de Lula), o país praticamente não cresceu. Porém, o sistema financeiro bateu seguidos recordes de lucro, boa parte graças ao mecanismo monetarista de combater a inflação com uma política recessiva e elevadas taxas de juros – o Brasil possui as maiores do mundo. Na campanha, o presidente Lula se comprometeu com um crescimento anual de 5% do Produto Interno Bruto (PIB).
Como o governo não tem um projeto de como fará essa expansão da economia, as portas ficaram abertas às especulações e à pressão dos grupos hegemônicos. Neste mês, Lula chamou seus ministros da área econômica para discutir um pacote de iniciativas para obter os 5% de expansão.
“Choque de gestão”?
A principal medida reverberada pelos meios de comunicação corporativos e por “analistas” econômicos é de que, sem maior rigor fiscal, o PIB não crescerá. Evidentemente, a redução das despesas com os serviços da dívida não entraram no tubo de ensaios da equipe econômica, ou seja, preservam-se os lucros do sistema financeiro.
A tese neoliberal é de que, com o corte nos gastos públicos, a União teria sobra de recursos para fazer investimentos necessários e impulsionar o crescimento. Outra frente de ação é a redução da carga tributária, criando condições para os empresários também investirem.
No entanto, essas propostas parecem ser frágeis e limitadas. Primeiro, quem garante se, em vez de investir na produção, as empresas não vão aumentar a sua taxa de lucro? Um estudo da economista Silvana Mendes Campos e o engenheiro Marcelo Cota Guimarães, batizado de Execução Orçamentária do Brasil: de FHC a Lula – Parte 1, do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal – Delegacia São Paulo (Unafisco-SP), mostra que o orçamento federal é, de fato, pressionado pelos gastos financeiros – e não com outros, como sociais ou Previdência.
A pesquisa investigou os oito anos de governo Fernando Henrique e os três primeiros de Lula com base em dados oficiais. De acordo com os auditores-fiscais, em 2005, o governo federal aplicou 26,49% do orçamento em áreas sociais (aquelas que seriam alvo do tal “choque de gestão”) frente a 42,45% em serviços da dívida pública. A verba restante, 31,06%, foi destinada para a Previdência Social. Para os pesquisadores, melhorar a eficiência do gasto – seja lá o que essa expressão signifique – não altera significativamente o panorama das contas públicas. “Mesmo que, com um enorme esforço, houvesse 5% a mais em eficiência sobre o conjunto dos gastos de infra-estrutura e social, isso representaria pouco mais de 1% no cômputo geral dos gastos da União”, revelam.
Concentração de renda
Como a lógica conservadora é evitar cortes nas despesas financeiras (basicamente, pagamento de juros), naturalmente, o outro alvo indicado são os 31,06% do orçamento. Um grande engano, já que apesar de beneficiar cada vez mais pessoas, a despesa do governo com a Previdência não é crescente – ao contrário dos compromissos financeiros. “Os gastos com a Previdência Social passaram de 34% em 1995 para 31% em 2005 do total do orçamento público, apesar da inclusão de mais benefícios sociais para as áreas rural e doméstica. Portanto, esses gastos sofreram um declínio proporcional e, por isso, não poderiam estar influenciando negativamente o equilíbrio das contas públicas”, argumenta o estudo da Unafisco-SP.
Mais do que uma idéia ruim, na opinião do economista Guilherme Delgado, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o corte previdenciário atende a um projeto de classe da elite. “A idéia de cortar o gasto social na realidade não resolve nenhum dos problemas que já existem na economia. Por outro lado, levaria a uma recessão ainda mais profunda nesse setor de bens básicos de consumo. Ao se vislumbrar a possibilidade de crescimento sem o papel da demanda efetiva representada pelo gasto social, o que se está acenando é com a idéia de piorar a distribuição de renda”, observa.
Em 11 anos, gastos com a dívida subiram 1000%
Para o economista Guilherme Delgado, a tese de reduzir gastos previdenciários para estimular o desenvolvimento não passa de um truque. “Isso não tem nada a ver com crescimento. Esses cortes seriam transferido para o superávit primário (economia de recursos usada para pagar juros) de modo a gerar o déficit nominal zero”, coloca, retomando a proposta encampada pelo ex-deputado Delfim Netto de um corte agressivo no gasto público.
Dessa forma, a concentração de renda provocada pela atual política econômica de juros altos iria aumentar. Hoje, cerca de 20 mil famílias brasileiras ficam com 4,25% do PIB só por emprestar dinheiro ao governo, segundo estudo do economista Marcio Pochmann, da Unicamp. Com o déficit nominal zero, esse percentual subiria 7% do PIB,
Já a proposta de cortar investimento social e gasto público nem de longe enfrenta um dos maiores entraves do país: os gastos com juros da dívida que, entre 1995 e 2005, passaram de R$ 26 bilhões (16% do orçamento) para R$ 257 bilhões (42% do orçamento). “A carga tributária cresce para cobrir o aumento dos encargos da dívida. Se, por hipótese, extirpássemos essa rubrica do orçamento, a carga tributária cairia dos atuais 39% para o patamar dos 26% do PIB, percentual aceitável para a economia brasileira”, afirmam Silvana Mendes Campos e Marcelo Cota Guimarães, no estudo elaborado para a Unafisco-SP.
O estudo da Unafisco-SP conclui que, para o Brasil crescer, o ponto crucial é reduzir os encargos da dívida pública, uma vez que é o fator que mais pressiona a carga tributária. “Devemos ao sistema financeiro a metade de todas as riquezas que conseguimos produzir no país (PIB). Para reduzir os encargos da dívida, necessariamente, temos de passar por uma redução significativa da taxa de juros, por uma auditoria responsável do total da dívida pública e por uma conseqüente renegociação ampla. Somente, então, a carga tributária poderá ser reduzida efetivamente, estimulando a economia e permitindo que uma parcela maior do orçamento seja destinada aos gastos sociais e estruturais”, orientam Silvana e Guimarães.