Mais de 20 mil Sem Terra já foram alfabetizados com o EJA
Saber ler e escrever é direito de todos e não privilégio de poucos. Foi tentando garantir esse direito aos trabalhadores do campo, que desde o início da sua luta o MST desenvolveu a EJA (Educação de Jovens, Adultos e Idosos). O projeto, que vem promovendo a alfabetização de jovens e adultos nas áreas de acampamentos e assentamentos, será um dos temas discutidos na Jornada Estadual de Educação na Reforma Agrária, que acontece no Paraná entre os dias 26 e 30 de novembro.
A EJA trabalha a alfabetização dos Sem Terra, com conteúdos relacionados à existência e ao trabalho dos sujeitos do campo. O ensino é baseado na convicção de que todas as pessoas têm direito de aprender, independente de idade ou classe social. O principal objetivo do MST com o projeto é superar a exclusão do conhecimento, tornando os acampamentos e assentamentos territórios livres do analfabetismo, além de lutar por políticas públicas de EJA que se estendam da alfabetização ao ensino superior.
A integrante do coletivo nacional do setor de educação, Cristina Vargas,analisa que a EJA vem desempenhando um papel fundamental no Movimento porque além de possibilitar a alfabetização aos trabalhadores e trabalhadoras, criou a cultura do estudo no campo. “A EJA começou com o lema ‘Sempre é Tempo de Aprender’, mas o projeto desempenhou um trabalho de educação tão intenso dentro do MST que hoje o slogan é ‘Todas e Todos os Sem Terra Estudando”, ressalta.
Muitos jovens, adultos e idosos perceberam que podem ir além da alfabetização, descobrindo que são capazes de aprender e ensinar, explica uma das coordenadoras de EJA do Paraná, Vanessa Reichenbach.
Para o MST, a alfabetização é apenas um passo na educação, que não acontece somente na escola, mas em todos os espaços do Movimento. O desafio é que o ensino contribua para que os trabalhadores do campo se apropriem da sua história, tornando-se sujeitos com consciência e capacidade de transformar a realidade social onde vivem.
Políticas públicas são essenciais
Ao longo de sua história, o MST sempre lutou por políticas públicas que atendessem de forma específica a população do campo. A EJA teve início com a Campanha de Educação de Jovens, Adultos e Idosos, lançada em 1991 no assentamento Conquista da Fronteira, em Bagé (RS), com a presença do educador Paulo Freire.
Após um período com experiências isoladas, em 1995 o MST conseguiu firmada uma parceria com a Universidade Federal de Sergipe, que possibilitou o trabalho de EJA nas áreas de assentamentos e acampamentos do estado.
Em 1996, um convênio com o MEC (Ministério da Educação) e a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), levou a EJA para 18 estados, possibilitando a formação de 550 turmas e 8 mil educandos. O projeto continuou com algumas parcerias entre Secretarias de Educação e universidades nos estados.
No ano seguinte aconteceu o I Enera (Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária). Em 1998, os movimentos sociais firmaram um convênio com universidades, governo federal e o Pronera (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária). O programa levou apoio público para a EJA nos assentamentos e acampamentos.
Já durante os três anos do projeto “Brasil Alfabetizado”, foram alfabetizando 5.500 educandos, além de capacitar 1.820 educadores. O projeto teve início em 2003 e funciona em 23 estados. Antes disso, até 2002, foram alfabetizados mais de 16 mil trabalhadores do campo em aproximadamente 10 mil turmas.
Os educadores da EJA são integrantes do MST e moram nos assentamentos e acampamento, o que facilita o aprendizado, pois convivem no mesmo cotidiano dos educandos. A maior parte desses educadores recebe formação nas escolas do Movimento.
Apesar do avanço, o grande desafio ainda é a falta de políticas públicas que possibilitem a continuidade dos estudos. Para Cristina, isso ocorre porque o Brasil sempre teve uma política compensatória nessa área. Para mudar essa realidade “é preciso criar um projeto específico para o campo, que atenda a continuidade da escolarização”, garante.
Paraná tem cerca tem 128 turmas de EJA
Atualmente existem no estado do Paraná 128 turmas de EJA, com 1.980 educandos nos acampamentos e assentamentos do MST. Desse total, 98 turmas fazem parte do projeto “Brasil Alfabetizado”, que funciona em parceria com o MEC e 30 do Mova (Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos de Rio Bonito do Iguaçu), uma iniciativa da prefeitura municipal de Rio Bonito do Iguaçu.
Também estão em funcionamento nas áreas de assentamentos, 27 turmas de APED (Ações Pedagógicas Descentralizadas), com mais de 800 educandos de 5ª a 8ª série e ensino médio, ofertados pelo Cebeja (Centros de Educação Básica de Jovens e Adultos da SEED – Secretaria de Estado e Educação do Paraná).
A Sem Terra Vilma Pereira da Silva, que mora no Acampamento Sebastião da Maia, em Querência do Norte, conta emocionada que com a EJA conseguiu voltar a escola, o que não foi possível na cidade. “Aqui no acampamento voltei a estudar, coisa que na cidade não tive a oportunidade de fazer. Quero me formar para quando pegar meu lote, saber mexer com os meus negócios e não precisar de ajuda”, declara.
O acampado Anderson Telles Meneguetti, que vive no Acampamento Oziel Alves Pereira, em Cândido de Abreu, também voltou a estudar com o projeto e comemora a possibilidade de receber a certificação. “Através do EJA estamos conseguindo fazer o teste de equivalência que vai dar oportunidade a todos aqueles que não conseguiram estudar quando eram criança, e quem passar pode dar continuidade a seus estudos normalmente”, afirma.
Vilma e Anderson estão entre os 300 jovens, adultos e idosos do estado, que vão receber a certificação durante a Jornada Estadual de Educação na Reforma Agrária, que acontece de 26 a 30 de novembro, no Centro de Convenções, na cidade de Cascavel. Os educandos participaram do programa “Brasil Alfabetizado”.
A EJA no campo é uma conquista dos trabalhadores do MST que durante anos lutaram pelo direito que lhes foi negado com falsas afirmações, como “para trabalhar na roça não preciso estudar”, relembra Vanessa Reichenbach.
O trabalho de EJA teve início no estado em 1995, com uma parceria entre a secretaria de educação, que possibilitou a formação de cem turmas de educandos. Segundo a coordenadora Vanessa, uma das maiores dificuldades da EJA no Paraná é a falta de recursos para contração de mais educadores e para a sua formação continuada.