No México, Vicente Fox encerra direito individual em Oaxaca

Por Pedro Carrano
Fonte Agência Brasil de Fato

Caça às bruxas? Estado de sítio? “Estado de excessão”, segundo a lei mexicana? Estado democrático de direito? Sem utilizar um mecanismo legal, o governo de Vicente Fox encerrou direito individual em Oaxaca ao exigir que a polícia federal preventiva (PFP) desmantele a resistência da Assembléia Popular dos Povos de Oaxaca (APPO) e persiga qualquer pessoa minimamente envolvida nas megamarchas de protesto feitas ao longo de novembro.

Mesmo os jornalistas de meios de comunicaçãoo empresariais não se arriscam a sair dos hotéis. Na rua, está a polícia, que tem utilizado lança granadas e disparado gases lacrimogênios na direção dos corpos das pessoas. Também estão os paramilitares do PRI, os “porros” – os infiltrados do partido no meio universitário para arrumar confusão -, e, finalmente, gente armada e mercenária. Esse era o cenário às vésperas da entrega do mandato de Fox para Felipe Calderón.

Na voz das pessoas que vão chegando refugiados para a capital, o governo do PAN assumiu uma postura ultradireitista e fascista. Ativistas, membros ou simpatizantes da APPO estão encurralados. Os membros das comunidades do entorno não podem descer para a capital. Se alguém suspeito sai nas ruas, logo é preso. No Distrito Federal, membros dos meios de comunicação independentes se articulam, por meio de mensagens no celular, para saber a situação dos ativistas que seguem por lá, tentando ajudar na sua fuga e monitorar os desaparecidos.

No miolo da cidade está a PFP, na serra, o exército mexicano, e, na costa de Oaxaca, a marinha. Ontem, a polícia saiu pelas ruas da capital com uma lista de apreensão de 100 internacionalistas, como já havia feito com os oaxaquenhos membros do movimento. E isto implica entrar nas casas das famílias sem autorização, apenas se houver uma denúncia dos priístas.

Desde a sétima megamarcha realizada no sábado, dia 25 de novembro, a polícia resolveu partir para cima da população, com o pretexto de estar respondendo ao incêndio de prédios públicos. Porém, a APPO declara que os atos violentos partiram justamente dos “porros”, os infiltrados. Ou seja, assim como o assassinato do camarógrafo estadunidense Brad Will, no dia 27, justificou a entrada da PFP na cidade, desde o dia 29 de outubro, armando o estado de repressão, agora novamente logrou-se mais um pretexto, quando houve a queima de prédios públicos e confrontos com a polícia. A postura da APPO segue sendo pelos atos pacíficos, o que até mesmo gera discordâncias entre o Conselho Estadual e os que seguiam nas barricadas.

A última barricada nas imediações da universidade teve de ser abandonada ainda nesta semana. Os estudantes e as cerca de 100 pessoas que ainda aguentavam o tranco corriam risco sério de vida. A resistência vai ter que se reinventar, pois ontem o último espaço de resistência da APPO, a Rádio Universidad, considerada o coração da resistência, foi devolvida para a reitoria da universidade, que a protegia.

A instituição está cercada pela PFP, mas ainda está imune à sua ação devido a autonomia deste espaço de ensino. As pessoas sentem muito, pois a rádio Universidad dava voz e uma populacao que, neste momento, está incomunicada. Sobrou a rádio Ciudadana, a serviço dos priístas, fazendo denúncias e incitando a queima de casas de membros do conselho estadual da APPO, como Flávio Sosa.

Repressão

Os números não dizem tudo, mas são reveladores. Na verdade, eles não dão conta dos relatos de torturas que estão recebendo os presos, transferidos para a prisão em outro estado, chamado Nayarit, uma prisão de alta segurança, 1300 quilômetros longe de Oaxaca. Até o momento, há cerca de 400 detidos nos seis meses da Comuna – 179 deles só no fim de semana e transferidos para o Norte – 100 feridos, 50 desaparecidos e 20 mortos ao todo nos seis meses da Comuna de Oaxaca.

Histórias como a de Eliuth Amni Martinez Sanchez, de 21 anos, que no dia 20 de novembro, quando simplesmente caminhava com a família por uma rua perto do centro capitalino, foi detido pelos policiais que o golpearam em várias partes do corpo, causando hematomas e derrame nos olhos, perda de sensibilidade nos dedos. Ou então quando escuto que os prisoneiros transferidos são ameaçados de ser jogados do alto dos helicópteros no mar, algo semelhante ao que acontecia durante a ditadura na Argentina. “A onda de terror vai a arrastar a todos nós”, exclama o conselheiro estadual da APPO (um dos 262 constituídos ainda neste mês), German Mendonza Nube, o primeiro preso político desde que a Comuna de Oaxaca começou. Liberado há pouco tempo, agora ele está no acampamento da APPO no Distrito Federal.

O futuro é incerto, ainda mais agora que foi nomeado para a futura secretaria de governo de Felipe Calderón o ex-governador de Guadalajara, Franciso Ramírez Acuña, conhecido pela perseguicao promovida em Guadalajara (2004). Foram agredidos na época os manifestantes contra a Terceira Reunião da América Latina, Caribe e União Européia. Caminhando pelo acampamento da APPO instalado em frente ao senado da República, no Distrito Federal, acompanhado por Izabel, professora responsável pelo contato com a imprensa, num certo momento ouso perguntar qual a possibilidade de ir-me acompanhar os acontecimentos em Oaxaca. – “Se arrisca a tua vida”, é a sua resposta, curta e grossa.

Ações de protesto

Nos dias 28 e 29, em protesto contra o cerco da polícia federal preventiva contra os povos, a APPO organizou uma greve de fome em frente à Catedral capitalina. Alejandro Cruz, das Organizaciones Índias por los Derechos Humanos em Oaxaca (OIDHO), uma das que tomaram parte no ato, comenta que a manifestação exigia a saída do exército, liberdade para os presos políticos, e para que o Vaticano se manifeste contra a repressão. “Nao há necessidade da polícia, pois todo o povo está se organizando, estamos contra a política econômica e a polícia tem servido para reprimir uma manifestação pacífica”, afirma.

Ontem à tarde, foi organizada uma passeata que atravessou a Avenida de la Reforma, rumo ao zócalo capitalino (onde se encontra a presidência). Apesar dos comentários de que a marcha não reuniu mais do que cinco mil aderentes, entre as pessoas que participavam, uma boa parte deles estudantes e anciãos, traziam os lemas de “todos somos Oaxaca” e de que a mudança que tanto se espera no México só vai se dar pelos trabalhadores. Não se sabe com que intensidade a repressão vai se manter depois da posse do presidente Felipe Calderón, cuja vitória nas eleições é questionada por Lopez Obrador.

As alternativas da APPO, por enquanto, vão por buscar mecanismos de paz junto a organismos de direitos humanos e a sociedade internacional, enviando uma comissão para Oaxaca. Embora ate o momento o PNUD, segundo informação do jornal La Jornada, disse que não pode intervir no conflito enquanto ambas as partes o solicitem. “O ascenso do fascismo já esta claro, as guerras de baixa intensidade se estão vivendo em vários lugares onde a luta política tem lugar”, previne Nube. A democracia indireta mostra a sua face violenta, basta provocá-la.

Ponto de encontro

Existe um ponto de encontro possível no momento para as lutas populares no México, de acordo com a análise de Nube. Um mesmo objetivo, que seria uma nova Constituinte feita pelos povos. Exatamente ali convergiriam a Convenção Nacional Democrática (CND), que apóia a Lopez Obrador, a Outra Campanha, desencadeada pelos zapatistas, e a APPO (que, também, pode ampliar-se para uma luta Assembléia nacional dos povos, já existem reuniões neste sentido).

Mesmo assim, Nube tem suas críticas à CNB que, nas suas palavras, “não tem formas organizativas junto aos povos, são forcas organizativas dos movimentos sociais que estão pensando somente em esperar por 2012 para a luta política. A CND vê apenas a luta eleitoral”, diz. – “Se conseguimos convergir neste ponto, seria um processo democrático neste pais. Por isso a aliança obreira/camponesa”, pensa.