Organização dos trabalhadores diante da nova organização do trabalho
Qual o papel do sindicalismo nessa nova realidade?
Marcio Pochmann– Se olharmos para países latino-americanos, asiáticos e até mesmo africanos, percebemos que houve uma destruição da instituição sindical. Algumas instituições multilaterais, como o próprio Banco Mundial, acreditam que se encerrou a fase de sindicatos. Segundo esses organismos, estaríamos caminhando para a fase de organismos não-governamentais. Assim como tem ONG que cuida de índios e de crianças, temos ONGs que representam segmentos de trabalhadores.
No caso do Brasil, verificamos que a instituição sindicato é sólida. Vários deles estão comemorando 70 anos de existência, o que não é pouca coisa num país que não tem a cultura de instituições consolidadas. O sindicalismo, bem ou mal, se mantém como instituição. No Brasil, existem cerca de 40 mil dirigentes sindicais liberados, que representam uma máquina que administra alguma coisa entre 1,5% e 2% do PIB. Numa sociedade com baixo grau de organização, temos um poder de barganha sindical que não é desprezível.
Ocorre que esse sindicalismo também sofre as conseqüências de mais de duas décadas e meia de semi-estagnação econômica. Ademais, conviveu com uma profunda reestruturação produtiva quase selvagem e com a ausência de democracia no ambiente de trabalho. De certa maneira, a liderança sindical jovem que está sendo conformada vem se descolando da base. Temos então um movimento sindical mais enfraquecido. Ele é fruto do momento difícil pelo qual estamos passando.
Ricardo Antunes – Essas mudanças intensas que ocorreram nessas últimas três décadas afetaram muito o mundo do trabalho e os organismos de representação trabalhista. Venho chamando isso de nova morfologia do trabalho. É preciso conceber empírica e teoricamente essa mudanças.
Muitos disseram, nos anos 1980/90, que o sindicalismo havia entrado numa crise terminal. Eu não compartilhei dessa opinião. Acho que os sindicatos vivem uma crise profunda, mas que não é terminal. Ela é derivada dos modelos vigentes.
No século XX, com a indústria de massa e a verticalização das empresas, nasceram os sindicatos fortes. O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC nos anos 1980 representava uma base de 240 mil trabalhadores. Muitos diziam que talvez fosse o cinturão industrial mais importante do mundo capitalista à época.
No final dos anos 1980, isso entrou em convulsão com o nascimento da empresa flexível e enxuta. Os sindicatos hoje não podem mais ter a feição que tinham no século passado. Este é o primeiro desafio. A indústria era vertical e o sindicato, idem. Hoje, uma indústria que se horizontalizou e se estrutura em rede fratura a classe trabalhadora em centenas de unidades espalhadas pelo mundo, e não mais em uma fábrica com operários concentrados. Como um organismo sindical resgata o sentido de pertencimento de classe de uma categoria que, em alguns setores, se pulverizou muito e em outras se individualizou? Esse é um desafio premente.
O sindicalismo vertical, burocratizado e institucionalizado, como a CUT abraçou nos últimos anos, está fadado ao insucesso. Ela vai desaparecer? Não. A CUT tem apoio, tem recursos, depende do Estado. É uma espécie de variante neopeleguista em tempos de social-liberalismo…
O que é ser um sindicalismo contemporâneo? Ele precisa compreender a classe trabalhadora e sua nova morfologia. Hoje, ela é tanto feminina como masculina, reúne muitos jovens, conta com pessoas de 35 anos que são consideradas velhas e tem feição étnico-racial diferenciada. Participei há pouco tempo de uma atividade num sindicato espanhol, chamado Confederação Intersindical Galega, na região da Galícia, e houve uma assembléia para os imigrantes latino-americanos, ou seja, não havia aquela tendência xenofóbica presente em vários setores do sindicalismo dos países do Norte.
Está aberto o exercício de pensar em alternativas novas. O que estamos presenciando é a crise profunda de um sindicalismo que envelheceu no século XX. O rejuvenescimento só será possível se ele lutar contra a ordem. Até porque, como disse no início, o trabalho não desapareceu, mas é preciso compreender a nova morfologia do trabalho, que é multifacetada.
Volto ao exemplo do telemarketing. Como disse, trata-se de uma categoria com forte nível de feminização do trabalho. Um sindicato masculino, herdeiro da era taylorista-fordista, é incapaz de compreender esse traço novo. Várias empresas recrutam trabalhadores muito jovens e solteiros. Como que o sindicato faz para mostrar a um jovem de 20 anos que o sindicato é sua casa, e não a empresa? O sindicato precisa desmontar essa construção e dizer: a empresa é o seu trabalho, mas os donos são outros.
Esses são alguns dos desafios colocados. Nesse sentido, não sou pessimista. As forças sociais do trabalho ainda precisam dessa ferramenta – o sindicato – mas não devem ter a ilusão de que ela é a única. Na Argentina, por exemplo, nasceram muitos núcleos dentro dos chamados movimentos sociais dos trabalhadores desempregados, os “piqueteros”, as fábricas “recuperadas”, ocupadas pelos trabalhadores. São várias as formas de resistência. Por outro lado, são muitas as ferramentas que precisam ser adaptadas às condições atuais.