“Nenhum direito a menos” foi bandeira de sindicalismo de esquerda

Verena Glass
Agência Carta Maior

Já tradicional em São Paulo no Dia do Trabalhador, o 1° de Maio de Luta, evento alternativo aos grandes atos comemorativos da CUT e Força Sindical, este ano reuniu na praça da Sé cerca de 7 mil pessoas de organizações sindicais ligadas ao PSTU, PSOL e PC do B, do MST, de movimentos de moradia, de mulheres e pastorais sociais da Igreja Católica, entre outros. Na mira dos manifestantes, as possíveis retiradas de direitos adquiridos em “reformas escamoteadas”, como a emenda 3 da Super-receita, e a proposta de reforma da previdência, que propõe a redução das pensões por morte concedidas a viúvas, e sugere a fixação de idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição.

Contrastando com os slogans dos show-atos da CUT – que optou pelo mote conciliador do “Desenvolvimento econômico com distribuição de renda; valorização do trabalho e defesa do meio-ambiente” -, e da Força Sindical, que sequer falou em direitos trabalhistas e adotou a temática ambiental “Trabalhadores em defesa do planeta”, a manifestação das forças de esquerda buscou retomar o “caráter de luta” da data. Após a também tradicional Missa do Trabalhador, celebrada na Catedral da Sé as 9:00h, em um palco montado em frente às escadarias da igreja um grupo de teatro da Casa da Solidariedade encenou a história da greve geral e da repressão brutal de 1886, em Chicago, EUA, evento que transformou o 1o de maio em dia mundial do Trabalho.

A unificação dos vários movimentos sociais e sindicais “mais à esquerda” em torno de um discurso de embate com o capitalismo – principal vetor, segundo estes movimentos, dos ataques aos direitos trabalhistas -, aponta para um gradativo deslocamento de setores da base do governo para uma zona mais crítica a ele, mesmo que não tão radical quanto a oposição aberta do PSTU e seu braço sindical Conlutas. Esta foi a avaliação do próprio coordenador da Conlutas, José Maria de Almeida, único a defender claramente o enfrentamento ao governo.

As divergências sobre o posicionamento frente ao governo, no entanto, não são impeditivas a uma articulação mais ampla, que incluiu movimentos “governistas” como a UNE e a CUT, ou até o próprio MST, que estaria em “fase de transição”, afirmou José Maria. Juntas, estas organizações pretendem realizar, no próximo dia 23, “uma grande jornada de lutas” contra ataques aos direitos trabalhistas, “que deve parar fábricas, escolas, bancos e bloquear rodovias para dizer ao Brasil que os trabalhadores não vão aceitar rebaixamento de seus direitos”, diz o sindicalista.

Para o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), este descolamento das bases tradicionais do governo é uma resposta quase que natural ao que chamou de aprofundamento da “governabilidade conservadora” do segundo mandato de Lula. Questionado sobre qual será o posicionamento final do Congresso Nacional frente ao veto presidencial à emenda 3 da Super-receita, Valente afirmou que, apesar dos esforços de negociação do governo com a representação do empresariado na Câmara e no Senado, o perigo de que seja derrubado é grande.

“Se o veto à emenda 3 for para votação, será derrubado. 320 deputados e mais de 60 senadores já assinaram um manifesto pela derrubada. Se o governo fizesse pressão política, isso poderia não acontecer, mas preferiu a negociação. Agora, só com pressão popular”, avaliou o deputado.

Discursos

Fiel à palavra de ordem “nenhum direito a menos”, a maioria dos discursos da praça da Sé versou sobre o que foi considerado uma ofensiva do capitalismo/imperialismo contra o trabalhador. Estariam neste balaio desde a aprovação da diminuição da maioridade penal pela Comissão de Constituição e Justiçado Senado – a solução é prender menores e não atacar as raízes da delinqüência, que são pobreza, falta de oportunidades e desemprego, afirmou Francisvaldo Mendes, da Intersindical – até a adição de energéticos ao café da manhã dos cortadores de cana, para que produzam mais. Em abril, ocorreu a 19a morte por exaustão de um trabalhador no corte de cana em São Paulo.

Aos 83 anos, o ex-sindicalista e fundador do DIEESE, Luiz Tenório de Lima, o Tenorinho, membro do Partido Comunista, fez um dos discursos mais ácidos contra a aliança do poder constitucional com o grande capital, principalmente o estrangeiro. “O capitalismo é um cadáver insepulto, já virou imperialismo há tempos. O governo não se impôs perante o capitalismo. Se não quiser faze-lo, nós nos imporemos aos dois”.

Candidato pelo PSOL ao governo de São Paulo nas últimas eleições, Plínio de Arruda Sampaio, 76, comemorou a presença massiva de militantes de múltiplas tendências no ato. “A praça [da Sé] voltou a ser nossa, voltou a ser do povo, porque conseguimos construir uma nova unidade”, comemorou, ostentando adesivos das várias organizações e correntes. Esta unidade, junto com a retomada da perspectiva das lutas dos trabalhadores, seria o inicio de uma nova fase. “Em nome do PSOL, digo que com unidade e luta, não precisamos de mais nada”.

Lideranças sindicais ainda expuseram violações como a demissão de dirigentes metroviários por conta da greve da última semana, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que trouxe um grande número de militantes principalmente da ocupação João Candido, de Itapecirica da Serra, falou dos despejos iminentes que ameaçam centenas de famílias de vários acampamentos do movimento, e pediu solidariedade, falaram militantes da Educafro, organização que luta pelo acesso de afrodecendentes e pessoas pobres à universidade pública, do MST, que conclamou todos à mobilização do dia 23, entre outros tantos.

Por volta das 12h30, os manifestantes deixaram a Praça da Sé em marcha até a Praça Ramos de Azevedo.