Quilombolas reocupam território em posse da Aracruz Celulose
Na manhã de hoje, dia 23, cerca de 500 habitantes das comunidades quilombolas do Sapê do Norte, ocuparam a área pertencente à Comunidade Quilombola de Linharinho, em Conceição da Barra, com o objetivo de pressionar para que se concretize a demarcação da área reconhecida como território quilombola pelos estudos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Desde o dia 14 de maio deste ano, foi publicada no Diário Oficial da União (D.O.U.) a portaria assinada pelo presidente do Incra, Sr. Rolf Hackbart, que reconhece 9.542,57 hectares como território quilombola pertencente à Comunidade de Linharinho, sendo que, dessa área, 82% está ocupada por eucaliptos da empresa Aracruz Celulose. Atualmente, existem 48 famílias vivendo nessa Comunidade, numa área de apenas 147 hectares.
A Comunidade de Linharinho foi a primeira a ser reconhecida como território quilombola no Espírito Santo, mas os estudos nas comunidades de São Domingos, São Jorge, Serraria e São Cristóvão já estão sendo concluídos, restando apenas a publicação da portaria pelo Incra.
A região do Sapê do Norte, que engloba os municípios de São Mateus e Conceição da Barra, no norte do ES, chegou a ser habitada por cerca de 12 mil famílias quilombolas, numa média de 60 mil afrodescendentes, até o final da década de 60. No entanto, com a chegada da Aracruz Celulose, que se apropriou dessas áreas, esse número reduziu-se para 1.200 famílias, que resistem até hoje em pequenas comunidades em meio aos eucaliptos da empresa.
Desde a publicação da portaria pelo Incra, têm ocorrido reações racistas pelos grandes fazendeiros da região do Sapê do Norte, juntamente com a Aracruz Celulose, de criminalização dos quilombolas, sobretudo junto à população local, nos municípios, e nos meios de comunicação do estado.
A proposta dos quilombolas com a ocupação de hoje é que se forme um grande acampamento na área, com mutirões de plantio de mudas de mata atlântica e árvores frutíferas, bem como construção de casas para as famílias.
Leia a carta dos quilombolas:
Bem Vindos ao Quilombo Linharinho.
Reunindo centenas de famílias quilombolas de todo o Sapê do Norte, de Conceição da Barra e São Mateus, e movimentos sociais e colegas de diferentes entidades e redes de todo o Espírito Santo, o Quilombo de Linharinho é uma proposta e uma experiência de retomada do território quilombola de Linharinho.
Um ano atrás, em 29 de Julho de 2006, realizamos uma grande mobilização de negros e negras, quando da retomada simbólica do cemitério quilombola de nossos antepassados, coberto pelos eucaliptais da Aracruz Celulose. Naquela época, a empresa conseguiu na justiça uma reintegração de posse, e o governador Paulo Hartung disponibilizou seus policiais de choque, fazendo prevalecer os interesses do lucro e da monocultura de eucalipto, sobre toda jurisdição já constituída a respeito dos direitos quilombolas, principalmente a Convenção 169 da OIT, os artigos 215, 216 e 68 da Constituição Brasileira de 1988, além do decreto 4887 de 2003. O chamado Estado democrático dos direitos, repetindo a história da colônia, do império e das velhas oligarquias, nos forçou a retirada. Mas nunca desistimos da luta por nossas terras, por nossa cultura, por nossas matas, por nossos antepassados, por nossos descendentes que chegam.
Em todo o Sapê do Norte, no final dos anos 60, eram ainda 12 mil famílias de afrodescendentes habitando em comunidades quilombolas, cerca de 60 mil negros e negras. Com a chegada da Aracruz Celulose, restaram apenas 1.200 famílias.
Depois de destruir nossas florestas de mata atlântica, de secar e poluir nossos rios e córregos, depois de envenenar nossas caças e de expulsar nossas famílias para as favelas e periferias dos centros urbanos, a Aracruz Celulose ainda nos criminaliza pela retirada do facho e do resíduo de eucalipto para produção de carvão, última alternativa de renda para mais de 1 mil quilombolas, em São Domingos , Roda d’Água, São Jorge, e Angelins, etc. As plantações de rápido crescimento da Aracruz Celulose têm afetado diretamente nossa segurança alimentar e acesso à água, e não nos permite trabalho.
Agora o momento é outro. Por todo o Sapê do Norte se espalhou a notícia da portaria ministerial de Linharinho, publicada no Diário Oficial da União no dia 14 de Maio de 2007, assinada pelo presidente do INCRA, Sr. Rolf Hackbart, a portaria reconhece 9.542,57 hectares do território ancestral quilombola de Linharinho. 82% de toda essa área foi invadida pelos eucaliptos da Aracruz Celulose, de forma que as 48 famílias que resistiram em Linharinho ficaram reduzidas a apenas 147 hectares de terra. Outras portarias estão a caminho, em São Domingos , São Jorge, Serraria, São Cristóvão, o que tem provocado reações violentas e racistas por parte da Aracruz Celulose e de fazendeiros e grandes proprietários. Chamamos nossos amigos urbanos, camponeses e sem terras para esse enfrentamento contra o latifúndio, e asseguramos que a retomada das terras quilombolas não expulsará nossos irmãos e irmãs campesinas de suas pequenas propriedades familiares.
O Quilombo de Linharinho pretende apontar um caminho de retomada das terras pelas famílias quilombolas de Linharinho. Com mutirões de plantio de mudas de mata atlântica, de árvores frutíferas, produção agrícola, construção de casas e instalações que se possibilitem a habitação de famílias, com capoeira, jongo, ticumbi, hip hop, congo, quadrilha, forró, teatro, cinema, beiju, cuscuz, tapioca. Vamos retomar nossas terras. Acampe conosco nesta idéia. Seja bem vindo!
23 de Julho de 2007.
Comunidade de Linharinho, Comissão Quilombola do Sapê do Norte, CONAQ, MST, MPA, ACA, Via Campesina, MNDH, Rede Deserto Verde, DCE-UFES, Nação Hip Hop, Anarkopunks, Igrejas, Comissão Pastoral da Terra, FASE-ES, Brigada Indígena.