Movimentos lançam manifesto em repúdio à operação no Complexo do Alemão

19 pessoas mortas e cerca de 60 feridas por arma de fogo. Esse foi o saldo de uma das maiores operações do Estado brasileiro contra o crime organizado. Nos últimos meses, o Brasil, sobretudo, o Rio de Janeiro, virou palco de uma grande batalha campal, que expõe a dificuldade de combater a violência no país e traz a luz a dura realidade daqueles que estão do lado mais fraco desse campo de batalha: o povo.

A operação no Complexo do Alemão, durante o mês de junho, no Rio de Janeiro, expôs de forma dramática, a deficiência do Estado no combate à violência. Entre mortos e feridos, apenas no dia 27 de junho, a maioria foi vítima de balas perdidas, ou seja, a maioria eram trabalhadores, crianças, jovens e adultos, moradores da favela.

Em nota, entidades civis e movimentos sociais, entre os quais o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) declaram todo o seu repúdio ao caráter bélico dessa operação realizada no Complexo do Alemão, que reuniu mais 1.350 agentes policiais. Ao todo, foram utilizados 1.080 fuzis, que dispararam 180.000 balas. A operação teve duração de cerca de oito horas.

Nós do MST repudiamos essa política criminal, onde a regra geral tem sido a promoção de operações governamentais com características militares de guerra nas comunidades populares. Não podemos nos calar diante de uma política pública que privilegia o uso da força contra populares, violando o Direito Humano dos cidadãos e violando frontalmente os princípios estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil.

Abaixo segue o manifesto assinado por centenas de entidades e movimentos sociais.

MANIFESTO INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS – 19 MORTES COMPLEXO DO ALEMÃO

Em 27 de junho de 2007, o Estado brasileiro realizou no Complexo do Alemão operação policial executada pelas Polícias Militar e Civil do Estado do Rio de Janeiro em conjunto com a Força Nacional de Segurança, sob fundamento de combate e repressão à atuação de narcotraficantes. A operação contou com a participação de 1.350 agentes policiais, a utilização de 1.080 fuzis, 180.000 balas e teve duração de cerca de oito horas. Após o término da operação, o Estado divulgou a apreensão de 14 armas, 50 explosivos e munição de 2.000 balas, supostamente em poder de traficantes.

Entretanto, mesmo com as declarações públicas de agentes do Estado do Rio de Janeiro sobre a preparação desta operação e a utilização de atividades de inteligência para que houvesse o mínimo de risco à população civil, somente na operação do dia 27 de junho de 2007, 19 pessoas foram mortas e cerca de 60 foram feridas por arma de fogo, a maioria vítima de balas perdidas. Porém, entre o dia 2 de maio de 2007 e a presente data mais de 40 pessoas morreram e 80 foram feridas durante a série de operações policiais que vêm sendo realizadas no Complexo do Alemão e na Vila Cruzeiro.

É neste contexto que a Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ solicitou um relatório independente sobre as 19 mortes ocorridas no complexo de favelas do Alemão, em virtude da mega-operação realizada no dia 27 de junho. O relatório, que foi feito com base nos laudos do Instituto Médico Legal a partir da análise de um perito independente, aponta que, pelo ângulo dos disparos, de cima para baixo, algumas vítimas estavam sentadas ou ajoelhadas . Ainda de acordo com o documento, as vítimas apresentam “inúmeros ferimentos” nos braços, resultantes de uma “autodefesa”, além de tiros na nuca e pelas costas à curta distância .. Ou seja, no momento dos disparos fatais, elas procuraram, com braços e mãos, proteger cabeça e tórax, indicando, ainda, que as mesmas se encontravam desarmadas, o que se confirma na dissonância entre o numero de armas encontradas (14) e o numero de assassinatos cometidos pelas polícias (19). Dessa forma, fica cada vez mais latente a importância da independência dos laudos médicos, confirmando as observações levantadas pelos movimentos sociais e organizações da sociedade civil em visitas realizadas ao Complexo do Alemão, que desde então apontavam para uma verdadeira chacina na comunidade.

Os juristas, personalidades, movimentos e organizações abaixo-assinados vêm manifestar o seu apoio veemente às atitudes tomadas pela Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ, que, em um ato de extrema coragem, enfrentou e desafiou a lógica da violência institucional inerente ao modelo de segurança pública, pautado na criminalização da pobreza e na militarização da vida social, que vem sendo implementado por sucessivos governos desde o final da década de 80 no Estado do Rio de Janeiro. Ao fiscalizar e denunciar esta que pode ser considerada a operação policial mais cruel dos últimos anos, a Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ está prestando um enorme serviço para a democratização do Brasil. Sua combatividade vem inspirando todas as entidades, grupos e movimentos populares que lutam pela justiça social no país.

Aos devidos órgãos oficiais, exigimos que sejam averiguados os indícios técnicos que sinalizam para a possibilidade de que houve uma deliberada destruição, por parte de agentes públicos, de provas dos crimes cometidos no complexo de favelas do Alemão. Solicitamos, também, que as análises técnicas dos laudos encomendadas pela Comissão de Direitos Humanos da OAB sejam levadas em considerações para apurar as barbaridades ocorridas no Alemão.

Por fim, repudiamos o caráter bélico dessa política criminal, onde a regra geral tem sido a promoção de operações governamentais com características militares de guerra nas comunidades populares- recolhimento das populações marginalizadas, revistas íntimas arbitrárias sobre transuentes (inclusive crianças de 3 anos de idade), vigilância ostensiva e confrontos armados sistemáticos em favelas. Trata-se do velho e conhecido projeto de tratamento penal da miséria, prática inconstitucional e ilegal, constantemente adotada por parte do poder público fluminense, violando frontalmente os princípios estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, na legislação infra-constitucional do país e nos tratados internacionais. Nesse sentido, por ter se tornado um referencial da luta pelos Direitos Humanos, saudamos a altivez e a determinação da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ na apuração das violações cometidas na Operação Complexo do Alemão!

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