Desafios do desenvolvimento sustentável

Em entrevista, Fernando Almeida, autor do livro Os desafios da sustentabilidade. Uma ruptura urgente (São Paulo: Ed. Campus/Elsevier, 2007), fala de como abordou os desafios que a sustentabilidade passa hoje no País em seu livro, de como podemos prever as tragédias e mudar as condições que as favorecem e, ainda, relata o papel que, em sua opinião, cada indivíduo tem na efetivação das mudanças que todos querem na sociedade e no meio ambiente.

Em entrevista, Fernando Almeida, autor do livro Os desafios da sustentabilidade. Uma ruptura urgente (São Paulo: Ed. Campus/Elsevier, 2007), fala de como abordou os desafios que a sustentabilidade passa hoje no País em seu livro, de como podemos prever as tragédias e mudar as condições que as favorecem e, ainda, relata o papel que, em sua opinião, cada indivíduo tem na efetivação das mudanças que todos querem na sociedade e no meio ambiente.

Fernando Almeida é presidente-executivo do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável e Professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Graduado em Engenharia. Também atua como engenheiro sanitarista. Seu mestrado em Engenharia do Meio Ambiente foi obtido no Manhattan College, nos Estados Unidos.

Entrevista especial com Fernando Almeida realizada pelo portal IHU On-Line

De que forma o senhor aborda os desafios da sustentabilidade?

Fernando Almeida – Parto do pressuposto de que o atual modelo de desenvolvimento global é insustentável. Está provocando a falência dos serviços ambientais e o esgarçamento do tecido social, com o aumento da pobreza, da violência, do terrorismo. Portanto, o nosso maior desafio é subverter a ordem dos atuais modelos de negócios para provocarmos as mudanças radicais, pacíficas e urgentes de que a humanidade necessita para continuar a viver neste planeta.

Que tipo de comportamento os sistemas naturais, que o senhor cita no livro, tem em relação aos serviços ambientais?

Fernando Almeida – A tese que apresento no livro sobre o comportamento dos ecossistemas e os serviços ambientais baseia-se na minha experiência profissional de mais de 30 anos e na Avaliação Ecossistêmica do Milênio (AEM). A AEM foi um estudo liderado pela Organização das Nações Unidas, do qual eu participei como membro do Comitê Executivo como representante do WBCSD (sigla em inglês do Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável). Esse estudo envolveu 1.360 especialistas de 95 países e os dados foram revisados por outros 800 cientistas. Foram listados os 24 serviços ambientais considerados essenciais para a nossa vida, entre eles a água e o ar limpos, a regulação do clima e a produção de alimentos, fibras e energia. Desses 24 serviços ambientais vitais, 15 estão desaparecendo, ou perdendo gradativamente a função. Revela-se, assim, que está se esgotando a capacidade do planeta de continuar a prover os recursos básicos, tanto para o setor privado, produtor de bens e serviços, quanto para a sociedade. A atividade pesqueira, por exemplo, no modelo atual se inviabiliza em 2040. Há regiões, como no norte da África, onde a utilização da água supera a capacidade de a natureza tem de recompor o lençol freático.

Num segundo momento do livro, o senhor desenvolve algumas soluções que poderiam ser utilizadas de forma a implantar mudanças de modo a desviar das previsões das tragédias sociais e ambientais. Quais são essas tragédias previstas e que soluções o senhor dá a elas?

Fernando Almeida – As tragédias previstas já estão acontecendo. O furacão Katrina (1) tem relação com o aumento da temperatura média do planeta. As prolongadas secas na região Sul do Brasil também. São apenas alguns sinais. A fuga de povos de regiões miseráveis em busca de sobrevivência, o terrorismo, seja no Hemisfério Norte, seja na ação de criminosos nas grandes metrópoles brasileiras, são claros indícios de rompimento do tecido social. Em 2001, a ONU aprovou o documento “Objetivos do Milênio”, com metas sociais e ambientais, que devem ser cumpridas até 2015. Estou convencido de que se não houver uma ruptura radical do modelo de desenvolvimento não seremos capazes de cumprir essas metas, tanto as sociais como as ambientais. Vejamos a questão do aquecimento global: precisamos de um esforço de governos e empresas no sentido de implementar, já, medidas para estabilizar a concentração de CO2 na atmosfera em cerca de 550 ppm (partes por milhão) até 2050. É uma meta ambiciosa, que significa gerar cada dólar do produto mundial bruto, com metade da energia que consumíamos em 2002, aumentando a eficiência econômica em 1,5% ao ano, uma taxa 20% superior à obtida nos últimos 30 anos. O que fazer para sobrevivermos fisicamente, economicamente e como sociedade? Temos de entender que a ruptura está nos relacionamentos, no modo de operar, de pensar, nos modelos de negócios, e não apenas em uma revolução tecnológica. Precisamos aceitar que os recursos naturais precisam ser perenizados, porque a falência dos ecossistemas planetários é a falência dos negócios; fazer negócios com os pobres e miseráveis do mundo, saindo da zona de conforto de só produzir para quem já está no mercado; e entender que comportamentos éticos trazem ganho econômico, e não prejuízo.

O senhor acredita num projeto de desenvolvimento sustentável ou crescimento humanizado, prevendo que o quer que o homem faça denigre a natureza? Um desenvolvimento sustentável é possível? De que forma?

Fernando Almeida – O conceito de desenvolvimento sustentável foi concebido em 1987, após a divulgação do Relatório Brundtland (2), propondo uma profunda mudança no modelo tradicional de desenvolvimento, que, já naquela época, se mostrava inviável sob todos os aspectos, por ser concentrador, excludente e predador. Assim, conceitualmente, o desenvolvimento sustentável preconiza uma relação integrada e articulada entre as dimensões econômica, social e ambiental. Contudo, não podemos ser ingênuos de achar que uma atividade econômica não vá causar impactos no meio ambiente. A instalação de uma mina de extração de minério ou de uma usina hidrelétrica vai provocar desmatamento ou algum outro impacto na natureza. A sociedade precisa do metal e energia para continuar se mantendo. Existem, no entanto, medidas compensatórias, como recuperação de florestas no entorno do empreendimento, instalação de infra-estrutura de saneamento para evitar contaminação dos corpos d’água locais etc. Na outra ponta do processo produtivo, a sociedade deve estabelecer regras para reciclagens e reaproveitamento de matérias-primas. Além disso, qualquer empreendimento deve contemplar no longo prazo, além da preocupação com a perenidade dos recursos naturais, o bem-estar daqueles que vivem em seu redor. Sem essa relação harmoniosa, não há desenvolvimento sustentável e não há sobrevivência.

Que mudanças as empresas e ONG’s que o senhor cita no livro já implementaram, com o objetivo de ajudar a melhorar nosso meio ambiente?

Fernando Almeida – São muitos os exemplos positivos. Cito alguns no livro, como o projeto da Serra da Capivara, no Piauí, e o desenvolvimento do ecoturismo em Bonito, Mato Grosso do Sul. São iniciativas pioneiras, que demonstram ser possível – e necessário – que os empreendimentos econômicos sejam lucrativos, tragam bem-estar para a população local e sejam capazes de preservar os recursos naturais. No caso das empresas, também cito exemplos emblemáticos. É o caso do projeto de sobrevivência sustentável da Michelin no Sul da Bahia, que ampliou sua produção de borracha natural, num engenhoso modelo de desenvolvimento, que tem possibilitado a melhoria da vida de milhares de agricultores e a conservação do capital natural da região. Outro exemplo muito interessante é o da Dupont. Fundada no início do século XIX, a empresa já sofreu dois processos de destruição criativa. Começou como produtora de explosivos, depois revolucionou a atividade petroquímica e, a partir deste novo século, posiciona-se como referência mundial na área de Biotecnologia. Enfatizo no livro que os exemplos de bons negócios e de responsabilidade social corporativa são fundamentais, mas insuficientes para vencermos os dramáticos desafios, tal a necessidade de urgência das mudanças. Defendo a tese que só ultrapassaremos essa barreira a partir da formação de lideranças que formulem e implementem políticas públicas e privadas para acelerar o processo de transformação. Ainda não surgiu um líder capaz de sintetizar essa causa em sua própria pessoa, como ocorreu com Mahatma Gandhi (3) e sua proposta de resistência pacífica às injustiças; ou Martin Luther King (4) e sua defesa dos direitos civis dos negros; ou com Nelson Mandela (5) e sua luta contra o apartheid na África do Sul.

Quais são, hoje, os pontos mais relevantes em relação à problemática socioambiental que devem ser discutidos urgentemente pela sociedade e, principalmente, pelos nossos governantes?

Fernando Almeida – Teoricamente, sabemos o que fazer. Resta pôr em prática esse conhecimento. Estou certo de que o entendimento, transparente e produtivo, dos setores empresarial, governamental e da sociedade civil, vai determinar a escala de tempo para esta ruptura estruturada do modelo de desenvolvimento. Enquanto não formos capazes de remover, minimamente, esse clima de desconfiança entre um setor em relação ao outro, vamos continuar testemunhando soluções pontuais, e sem os resultados que todos esperamos para sairmos desse impasse. Precisamos encontrar meios de popularizar a discussão sobre sustentabilidade, um tema que continua preso à elite.

Por fim, qual é o papel de cada indivíduo para que essa rota da tragédia socioambiental seja modificada?

Fernando Almeida – Tenho a convicção de que a democratização do debate sobre sustentabilidade vai ampliar a massa crítica, fator preponderante para que a sociedade esteja mais capacitada para escolher seus governantes e assim melhorar a qualidade das políticas públicas. A ampliação da massa crítica vai formar um novo perfil de consumidores, que, como de certa forma já acontece hoje, passarão a exercer pressão junto às empresas para que desenvolvam produtos e serviços de maneira responsável. E, por fim, a democratização do tema vai estimular o surgimento de lideranças, como resultado de todo esse processo. Por se tratar de sobrevivência, a sustentabilidade está presente em qualquer ação social: desde o ato de descartar uma folha de papel usada ou optar por um produto num supermercado, à escolha de um governante efetivamente comprometido com a adoção de políticas públicas capazes de imprimir uma nova direção para o modelo de desenvolvimento. Cada cidadão precisa estar consciente e atento para cobrar ações estratégicas que tragam benefício a toda a sociedade, como, por exemplo, a recriação de matrizes energéticas e o fim da impunidade a crimes ambientais e sociais, com os quais ainda convivemos.

Notas:
(1) O Furacão Katrina foi um grande furacão, uma tempestade tropical que alcançou a categoria cinco da Escala de Furacões de Saffir-Simpson. O furacão Katrina causou aproximadamente mil mortes, sendo um dos furacões mais destrutivos a ter atingido os Estados Unidos.

(2) É o documento intitulado Nosso Futuro Comum, publicado em 1987, também conhecido como Relatório Brundtland, no qual desenvolvimento sustentável é concebido como “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”.

(3) Mohandas Karamchand Gandhi foi um dos idealizadores e fundadores do moderno estado indiano e um influente defensor do Satyagraha (princípio da não-agressão, forma não-violenta de protesto) como um meio de revolução. Após a guerra, Gandhi se envolveu com o Congresso Nacional Indiano e com o movimento pela independência. Ganhou notoriedade internacional pela sua política de desobediência civil e pelo uso do jejum como forma de protesto.

(4) Martin Luther King, Jr. foi um pastor e ativista político estadunidense. Pertencente à Igreja Batista, tornou-se um dos mais importantes líderes do ativismo pelos direitos civis (para negros e mulheres, principalmente) nos Estados Unidos e no mundo, através de uma campanha de não-violência e de amor para com o próximo.

(5) Nelson Rolihlahla Mandela é um advogado, ex-líder rebelde e ex-presidente da África do Sul de 1994 a 1999. Principal representante do movimento antiapartheid, como ativista, sabotador e guerrilheiro. Considerado pela maioria das pessoas um guerreiro em luta pela liberdade, era considerado pelo governo sul-africano um terrorista.