Por trás da violência

Por Hamilton Octavio de Souza

No dia 21 de outubro, o jovem militante do MST e da Via Campesina, Valmir Mota de Oliveira, conhecido como Keno, de 34 anos, casado e pai de três filhos, foi brutalmente assassinado por seguranças da Syngenta, uma empresa estrangeira que utiliza o território brasileiro para fazer cultivos ilegais de plantas transgênicas – com danos irreparáveis ao meio ambiente do Parque Nacional do Iguaçu.

Nesse dia, militantes do MST e da Via Campesina haviam ocupado – pacificamente – a área da Syngenta, no município de Santa Teresa do Oeste, no Paraná, pela segunda vez, como forma de protesto e de denúncia da empresa pela prática da agricultura ilegal e lesiva ao País. Inclusive o governo do Estado já havia decretado a desapropriação da área, mas o Poder Judiciário decidiu manter a atividade da Syngenta.

Horas após a ocupação pacífica, os trabalhadores foram atacados por uma milícia armada integrada por seguranças particulares contratados pela empresa estrangeira. Durante o ataque, Valmir foi executado à queima roupa, outros cinco trabalhadores foram feridos à bala e a sem-terra Izabel Nascimento de Souza levou três tiros e está internada em estado grave.

Em março de 2006, os sem-terra do Paraná já haviam ocupado a mesma área para fazer a mesma denúncia: os campos experimentais de milho e soja transgênicos da Syngenta não respeitam a distância legal das reservas florestais e representam uma ameaça concreta à biodiversidade da região. Na verdade, quem deveria ter ocupado a Syngenta há muito tempo eram as forças estaduais e federais, o Poder Judiciário, a polícia e o Exército – em nome do povo brasileiro.

As terras da Syngenta, assim como os latifúndios improdutivos, as terras griladas e devastadas pelas madeireiras do Pará, as terras criminosas do trabalho escravo e das drogas, os latifúndios estrangeiros que ameaçam a soberania nacional – já deveriam ter sido entregues para os projetos coletivos da reforma agrária e para o assentamento de milhares de famílias que vivem acampadas.

Acontece que o Brasil está imerso no grande jogo comandado pelo capital internacional, pelas elites nacionais entreguistas e pela casta política dirigente corrupta, que se submete aos interesses dos bancos, das empresas e das grandes corporações que dominam o mundo. Por isso mesmo, por trás da violência dos seguranças privados da Syngenta estão a omissão e a cumplicidade das autoridades brasileiras, que silenciam diante das atrocidades praticadas contra o povo e, ainda, na maioria das vezes, utilizam o próprio aparelho policial do Estado para reprimir as manifestações populares e os movimentos sociais.

Todos os dias o Brasil assiste a centenas de ações de violência, de norte a sul do País, das fronteiras da Amazônia aos pampas gaúchos, nas quais as vítimas são sempre os trabalhadores, os desempregados, os pobres, os favelados, os sem-terra e os sem-teto que tentam defender a própria sobrevivência diante de um sistema que gera injustiça, desigualdade, miséria, exclusão e opressão.

Por trás dessa violência – praticada pelas forças policiais do Estado ou pelas milícias privadas contratadas por grileiros, latifundiários e empresas – o que existe é a ganância dos ricos, os privilégios das elites e a pilhagem do capital estrangeiro em cima dos recursos naturais e da mão de obra no Brasil.

Lutar contra a violência que assassinou Valmir Mota de Oliveira é lutar contra todo o esquema que dá sustentação política para tais ações, que não assume a luta do povo e ainda permite a impunidade. Que a militância e o sacrifício de Valmir não tenham sido em vão.

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Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor da PUC-SP.