Túpac Amaru: a Serpente Resplandecente
Revolucionário peruano liderou uma das maiores insurgências indígenas da história da América Latina
Por Vinicius Mansur
Quando os espanhóis chegaram na América, o Império Inca estava no auge, estendendo-se sobre o que hoje chamamos de Peru, Bolívia e Equador, parte da Colômbia e do Chile, indo até o norte da Argentina e abarcando um pedaço da floresta amazônica brasileira. Monumentos religiosos levantados com maior sabedoria do que as pirâmides egípcias, técnicas próprias e avançadas e belas criações artísticas são alguns exemplos do legado inca. Mas o ataque espanhol destruiu as bases desta civilização.
Conseqüências piores do que a violência da guerra imperialista teve a organização da economia mineira para extração de ouro e prata. O deslocamento de grandes contingentes para as minas desarticulou as unidades agrícolas comunitárias, abalando o sistema coletivo de cultivos, e submeteu os índios à servidão extinguindo inúmeras vidas por meio do trabalho árduo e doenças. Enormes cultivos de milho, mandioca, feijão e batata-doce sumiram. Grandes extensões de terras, trabalhadas há anos pelo sistema incaico de irrigação, foram tomadas pelo deserto.
Neste contexto, onde os índios eram “o combustível do sistema produtivo”, como diz o antropólogo Darcy Ribeiro, a esperança de reconquistar a autonomia surgiu na figura do revolucionário peruano José Gabriel Condorcanqui. O cacique mestiço de Surimaná, Tungasuca e Pampamarca era bisneto de Juana Pilco-Huaco, filha do último soberano inca, o Túpac Amaru I, executado pelos espanhóis em 1572, e de quem adotou o nome – que significa “Serpente Resplandecente” em quéchua. A morte de Túpac Amaru I significou o início da invasão espanhola nos Andes, onde a resistência durava quarenta anos.
Túpac Amaru, o segundo, adotou o nome de seu ancestral para simbolizar sua disposição à resistência e para liderar uma das maiores insurgências da América Latina. Em 1780, na província de Tinta, montado em seu cavalo branco, Túpac, junto com um conjunto de rebelados, tomou a praça de Tugasuca. Lá, condenou à forca o representante da realeza espanhola Antonio Juan de Arriga, após ler um documento que denunciava seus abusos cometidos contra os indígenas; e proibiu o trabalho servil nas minas de Potosí, na Bolívia. Poucos dias depois Túpac Amaru expediu um comunicado decretando a liberdade dos escravos e abolindo todos os impostos.
A esta altura os indígenas se juntavam aos milhares e Túpac Amaru mandava emissários por todo Peru para expandir o processo de insurgência. Negros e mestiços também se incorporaram à luta. Ele era um líder revolucionário messiânico que se apresentava como restaurador e legítimo herdeiro da dinastia inca. Porém, a Igreja o repudiou e combateu diretamente a luta revolucionária, dando apoio às tropas dos espanhóis.
Túpac Amaru seguia em marcha pregando seu credo: todos os que morressem nesta guerra ressuscitariam para desfrutar as felicidades e riquezas que haviam sido roubadas pelos invasores. No percurso libertavam escravos e tomavam terras dos latifundiários a serem distribuídas entre as famílias pobres.
Quando seguiam em marcha em direção à Cuzco, os tupamaristas foram fortemente atacados pelas tropas oficiais, que possuíam muito mais armamentos. Os revolucionários mudaram o rumo da caminhada, mas foram vítimas de uma emboscada. Túpac foi vencido na batalha de Checacupe, em 1781, depois de ser traído e capturado por um dos integrantes de sua tropa. Os principais chefes da rebelião foram condenados à pena de morte por enforcamento ou estrangulamento. Túpac Amaru foi preso e levado à Cuzco. Quando lhe foi cobrado os nomes dos cúmplices da rebelião, Túpac respondeu a seu carrasco: “Aqui não há mais cúmplices que tu e eu; tu por opressor, e eu por libertador, merecemos a morte”.
Túpac, sua esposa, seus filhos e seus principais partidários foram torturados na praça de Wacaypata. Cortaram-lhe a língua e tentaram esquartejá-lo, amarrando seus braços e pernas em quatro cavalos. Mas o corpo não se partiu. Ele morreu decapitado na forca. Por representar tamanho perigo ao imperialismo espanhol, sua morte foi amplamente divulgada, e partes de seu corpo foram enviadas à diferentes cidades. Recomendou-se que sua descendência fosse extinta até a quarta geração.
Até hoje não se sabe exatamente como era o rosto do líder revolucionário, mas diversas obras retratam sua história, que ainda perdura e inspira a luta contra o avassalamento dos direitos indígenas em toda a América Latina.