Parlamentares debatem perseguição a movimentos sociais
Da Redação
A recente descoberta de um relatório do Ministério Público do Rio Grande do Sul, que visa à dissolução do MST e a declaração de sua ilegalidade, bem como outras ações criminalizatórias de movimentos sociais brasileiros, reuniram nesta quarta-feira (09/07), em Brasília, movimentos, entidades e parlamentares, em uma audiência pública realizada na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados. A proposta da audiência foi debater a corrente criminalização dos movimentos sociais e de seus dirigentes.
Participaram da mesa da audiência o ministro Paulo Vannuchi (Secretário Nacional dos Direitos Humanos), Antônio Aras (presidente da Comissão Nacional dos Direitos Difusos e Coletivos da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB), Gilberto de Souza (representante da Comissão Episcopal Pastoral para Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz da CNBB), Sílvio dos Santos (integrante do MST do Rio Grande do Sul), e integrantes da Coordenação Nacional de Quilombos (Conaq) e do Movimento Indigenista Missionário (Cimi).
Sílvio Santos, trabalhador rural Sem Terra, relatou a crescente onda de ações de repressão e criminalização dos movimentos sociais no Rio Grande do Sul. “No nosso entender, o relatório é uma carta branca para que as forças repressoras do estado continuem agindo com abuso de autoridade, para que continuem torturando as pessoas que integram movimentos sociais, impedindo nosso direito de nos organizarmos, de lutarmos por uma questão básica, que é o acesso à terra”.
Para Paulo Vannuchi, casos como este não podem ser tolerados. “Chamo a atenção para a questão do Rio Grande do Sul porque o país inteiro sabe da profunda crise institucional que acomete o cenário dos governantes estaduais, o que sempre é uma tentação pra repetir aquela velha manobra de eleger um bode expiatório que tente então reunificar as forças privadas do governo estadual, na medida em que o vice-governador é protagonista de uma onda de denúncias fortíssimas”, afirmou. “Os movimentos sociais são pilares da democracia. Por isso, estamos de prontidão aguardando as tarefas que nos forem designadas”.
O representante da CNBB, Gilberto Souza, destacou a importância da Constituição de 1988 e do Ministério Público como instrumentos de garantia da democracia participativa. “Eu acredito que o Ministério Público seja o defensor dos pobres. Quando eu li essa peça, pensei que estivesse na República Velha. Ela causa-me indignação, perplexidade. Aí eu pergunto: isso é criminalização dos movimentos sociais ou desconstrução da democracia?”, questionou.
“Criminalizar movimento social significa contribuir para matar o mais importante elemento subjetivo da democracia, que é de onde emerge a soberania popular. Nós entendemos que a OAB, uma instituição histórica em defesa da cidadania e da nossa democracia, tem o dever institucional de zelar pelo regime democrático, pela ordem jurídica e pelos direitos humanos. O MST é alvo de uma ação de provavelmente uns poucos que, infelizmente, estão na cúpula do órgão ministerial gaúcho e que representem uma reação a este movimento social que trouxe uma maior politização às comunidades operárias e de trabalhadores”, destacou o representante da Ordem dos Advogados do Brasil, Antônio Augusto Brandão de Aras.
A audiência foi uma iniciativa do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) e da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados(CLP).
Histórico
O documento, comprovado por uma ata da sessão ordinária do Conselho do MP/RS, ocorrida em 3 de dezembro de 2007, defende medidas para declarar a ilegalidade do MST, como proibir qualquer deslocamento de trabalhadores Sem Terras, incluindo marchas e caminhadas, intervir em escolas de assentamentos, criminalizar lideranças e integrantes, cassar os títulos eleitorais de todos os membros do movimento e “desativar” todos os acampamentos do Rio Grande do Sul.
Entretanto, não só o MST sofre com esse tipo de ação. No dia 12 de junho, o juiz da Justiça Federal de Marabá (PA), Carlos Henrique Haddad, condenou o advogado da Comissão Pastoral da Terra, José Batista Gonçalves a uma pena de dois anos e cinco meses de prisão por assessorar movimentos camponeses durante uma negociação com o Incra daquela região, logo após um protesto de agricultores sem terra organizados pela Contag, MST e Fetragri.
Leia as declarações feitas durante a audiência:
Vannuchi:
“Me associo a todo alerta, a toda preocupação voltada para a possível implantação de uma onda, e eu estou especialmente preocupado, e reafirmo que a Secretaria Especial de Direitos Humanos tem completa identidade com as preocupações aqui expostas, e em particular o episódio do Rio Grande do Sul, acho fundamental que a resposta seja urgente, forte. Porém, com a cautela de não avaliar que quem tomou a atitude preconceituosa, sectária e autoritária não foi todo o Ministério Público do Rio Grande do Sul, que também é composto por lutadores dos direitos humanos. É preciso separar joio e trigo, e levar às últimas conseqüências: sugiro que seja formalizado diretamente ao Conselho Nacional do Ministério Público, porque, por exemplo, no caso da jovem de Abaetetuba, houve morosidade nas instâncias judiciais de primeira instância e o Conselho Nacional de Justiça interveio, fazendo o procedimento junto à juíza (que foi omissa ou cúmplice nas violações de direitos humanos de que aquela jovem foi vítima).
Chamo a atenção para a questão do Rio Grande do Sul porque o país inteiro sabe da profunda crise institucional que acomete o cenário dos governantes estaduais, o que sempre é uma tentação pra repetir aquela velha manobra de eleger um bode expiatório, um inimigo externo que tente então reunificar as forças privadas do governo estadual, na medida em que o vice-governador é protagonista de uma onda de denúncias fortíssimas.
Então, nesse sentido e acima de qualquer outra razão, é que eu achei oportuno me colocar à disposição pra agir com os limites e as particularidades que todos conhecem, o que é ação quando você está numa instância de governo, que é bastante distinta dos movimentos sociais, para que não haja mistura de papéis. Infeliz do país em que a sociedade civil e o Estado pensem igual. Não acreditemos nessas votações unânimes, essa tensão é o alimento da democracia, os poderes públicos têm de ser pressionados e cobrados a partir de uma parcela engajada com a defesa dos direitos humanos, que aciona todo esse espaço institucional para fazer um enfrentamento contra desvios democráticos que estão ocorrendo por autoridades de outros poderes públicos.
O Poder Judiciário é aquele, hoje, em que é absolutamente prioritário, chamar, convocar, pressionar, dialogar e exigir pra que seja um garantidor dos direitos humanos, sem repetir o pensamento da Primeira República, que via a questão social e os movimentos sociais como um caso de polícia. Os movimentos sociais são pilares da democracia, não existiria uma Comissão de Legislação Participativa, não existiria uma Secretaria Especial de Direitos Humanos, se os movimentos sociais não tivessem saído na frente, 10, 15 anos atrás, nessa caminhada. Estamos de prontidão aguardando as tarefas que nos forem designadas.”
Marina Silva:
“Trago a minha preocupação com o que está acontecendo em relação aos avanços que a democracia e a Constituição de 88 nos propiciaram no sentido de que a sociedade tem seu legítimo direito de organização e manifestação, sobretudo quando essas manifestações atuam no sentido de reparar injustiças históricas em relação a diferentes segmentos da sociedade, como acontece com os trabalhadores que não tem uma terra para trabalhar e continuar reproduzindo-se economicamente, socialmente e culturalmente, bem como outros segmentos da sociedade brasileira que, em função dessas injustiças e desigualdades, buscam formas de manifestarem suas opiniões e de fazer esse resgate, fazendo com que as instituições públicas possam cumprir efetivamente seu papel que não podem furtar-se de mediar os diferentes interesses.
O que não se pode é inviabilizar aquilo que é um direito, a liberdade que as pessoas têm de protestar fazerem suas manifestação e, sobretudo, de reivindicar seus direitos. Eu sempre digo que não há erro em ter interesses, agora quando a mediação não é feita de acordo com aquilo que a democracia e a Constituição nos favorecem, nem para um lado nem para o outro, nós acabamos fazendo uma espécie de validação das injustiças, que geralmente acontece em prejuízo daqueles que historicamente não tinham acesso aos meios necessários para o atendimento das suas demandas. Eu me solidarizo com os avanços que conquistamos a duras penas, sobretudo para que não tenhamos retrocessos nesta agenda, como estamos correndo o risco de ter em vários setores. Não podemos, em hipótese alguma, sob a argumentação de questionar práticas isoladas, jogar na contramão da história o processo antidemocrático, retrógrado e desrespeitoso do direito à manifestação que foi conquistado na Constituição e sobretudo daqueles que enfrentaram períodos dolorosos de repressão aos direitos democráticos.”
Sílvio dos Santos, MST:
“Minha fala é no sentido de relatar o que está acontecendo no RS no que toca à questão da criminalização e da repressão dos movimentos sociais, que vem se agravando muito a partir de dois, três anos atrás, e que se agravou mais ainda a partir de divulgação de 3 relatórios, 2 produzidos pela BM do RS e o terceiro produzido pelo Conselho Superior do MP do RS. Entre outros pontos produzidos por esse Conselho, está o pedido da dissolução do MST, ou seja, sua extinção como movimento de luta pela terra. Um trecho deste relatório diz que é o momento histórico para o MP, após a Constituinte de 88, enfrentar o MST e fazer com que ele se dissolva é um marco histórico. No nosso entender, esse trecho do relatório é uma carta branca para que as forças repressoras do RS continuem agindo com abuso de autoridade, para que continuem torturando as pessoas que integram movimentos sociais, para que os abusos contra as manifestações no estado continuem acontecem e em alguns casos levando até a vítimas fatais, como ocaso do sapateiro que em 2005 foi assassinado em Novo Hamburgo, durante um protesto de sua categoria.
Dessa forma são tratados os movimentos sociais no RS, com repressão, com criminalização, impedindo nosso direito de nos organizarmos, de lutarmos, por uma questão básica que é o acesso à terra.”
Gilberto Souza, CNBB:
“Passados 20 anos da promulgação da Constituição chamada cidadã, percebemos que o artigo 14, que legitima, normatiza e regulamenta a participação social ainda está distante de chegar . Na sociedade democrática em que acreditamos, o Brasil tem no seu instrumento principal a Constituição como garantia da democracia participativa. Eu acredito que o MP é o defensor dos pobres. Quando eu li essa peça, pensei que estivesse no Brasil Colônia, na República Velha, os termos são basicamente os mesmos utilizados na época.
Causa-me indignação, perplexidade, todos os parlamentares aqui vieram de lutas dos movimentos sociais, o presidente desta casa é fruto de um movimento social, aí eu pergunto: é criminalização dos movimentos sociais ou desconstrução da democracia? Quero que o ministro Vannuchi leve esse debate ao presidente da República.
Tem muita gente da elite brasileira que é muito ciosa com a imagem pública que o Brasil como potência internacional. Saibam eles que, numa rápida pesquisa nas páginas das universidades públicas de vários países do mundo, o MST aparece como o movimento mais estudado na academia mundial, como exemplo de conquista, de luta e de valorização da terra.”
Antônio Augusto Aras, OAB:
“Não podemos admitir a tentativa de criminalização dos movimentos sociais. Criminalizar movimento social significa que estamos contribuindo para matar o mais importante elemento subjetivo da democracia, que é de onde emerge a soberania popular. Nós entendemos que a OAB, uma instituição histórica em defesa da cidadania e da nossa democracia, uma instituição que, ao lado do Ministério Público e dos partidos políticos, tem o dever institucional de zelar pelo regime democrático, pela ordem jurídica e pelos direitos humanos.
Trago uma posição do Conselho Federal, e esse posicionamento decorre da defesa intransigente do regime democrático, da democracia participativa. Por isso, não podemos esquecer que a legitimidade do poder político que nos orienta está no povo, não mais advém de cima pra baixo. Precisamos estar atentos, e por isso a OAB entende que, sendo os movimentos sociais a parcela mais legítima da sociedade civil, que deve impor aos diversos órgãos do Estado a audição, não podemos abrir mão das garantias constitucionais, especialmente a liberdade da manifestação de pensamento – que historicamente assegura a maior democracia do mundo. Se o Ministério Público, está no artigo 127 de nossa lei maior, é o guardião do regime democrático, nós, o povo, não podemos permitir nenhum retrocesso.
O MST é alvo de uma ação de provavelmente uns poucos que, infelizmente, estão na cúpula do órgão ministerial gaúcho e que representem uma reação a este movimento social que trouxe uma maior politização às comunidades operárias e de trabalhadores. Por isso, a OAB diz não a qualquer tipo de repressão aos movimentos sociais, sob pena de estarmos condenando nossa crescente democracia ao atraso. A soberania popular é o único sustentáculo da democracia brasileira.”