“Mobilizações vão continuar no RS”
O governo de Yeda Crusius, no Rio Grande do Sul, é marcado pela forte criminalização dos movimentos sociais, sendo que o principal alvo é o MST. No último período, foram cometidos atos de violência pela Brigada Militar do estado em diversas atividades de trabalhadores, como professores.
“É a maior articulação política, econômica e militar que o Estado já organizou depois do fim da ditadura militar, que tem como objetivo destruir as organizações sociais do Rio Grande do Sul”, afirma o integrante da coordenação nacional do MST, Cedenir de Oliveira, em entrevista ao Jornal Sem Terra.
A aliança com empresas de capital financeiro é outra característica do governo Yeda. “A Aracruz Celulose foi uma das maiores financiadoras da campanha da governadora, pois liberou aproximadamente R$ 500 mil”, explica.
O Conselho Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul – que por obrigação constitucional deve ser defensor do “regime democrático e dos interesses sociais e individuais” – aprovou um relatório no final do ano passado que pede a “dissolução” do MST, com a declaração de sua ilegalidade. Atualmente, serve de base para oito ações judiciais contra os sem-terra.
O documento, que estava sob segredo de justiça, foi divulgado apenas em junho. Depois da sociedade manifestar repúdio à iniciativa, o MP declarou que a ata havia sido modificada, com a supressão da parte que sugere a eliminação do Movimento.
“Esses fatos criam um processo de indignação na nossa base, nos nossos acampamentos e assentamentos. Não será esse processo de repressão que vai impedir as nossas mobilizações, que vão continuar acontecendo no próximo período”, garante Cedenir. Leia abaixo a entrevista.
Qual a avaliação do MST sobre a ação do Ministério Público do Rio Grande do Sul contra o Movimento?
É a maior articulação política, econômica e militar que o Estado já cometeu depois do fim da ditadura militar, que tem como objetivo destruir as organizações sociais do Rio Grande do Sul. A ação está sendo realizada por apenas uma parte do MP e tem como porta voz o promotor Gilberto Thums. Isso de certa forma abala o conjunto da instituição. O MP tem a responsabilidade de defender e proteger os excluídos, além de combater as injustiças. Mas não está fazendo isso. Pelo contrário: o MP está sendo usado para defender aqueles que historicamente oprimiram os trabalhadores do nosso país. Isso revela um posicionamento ideológico das forças que estão por trás dessas articulações, que colocaram no papel tudo que querem fazer com o MST. Isso mostra o que Florestan Fernandes dizia: a burguesia brasileira é antidemocrática e truculenta internamente, mas totalmente a serviço do capital internacional.
Como se dá articulação de empresas de capital estrangeiro com o governo Yeda Crusius?
Existem grandes grupos econômicos, ligados à monocultura do eucalipto, que está em expansão e é muito forte. Temos três grandes empresas no estado: Aracruz Celulose, a Votorantim e a Stora Enso. Nossas ações acontecem em lugares e regiões onde existem terras que podemos conquistar e transformá-las em assentamentos. Nessa disputa, existe um forte confronto com o capital internacional, que disputa o mesmo território.
A pressão que o estado exerce é somente contra o MST ou atinge outros movimentos?
Querem destruir as organizações que questionam a atuação dessas empresas e desse modelo, que não traz nenhum tipo de desenvolvimento para o estado. Sobretudo, é um modelo que tem muita fragilidade e não consegue conviver com as suas próprias contradições.
Esse modelo é ditado pelo capital estrangeiro e não prioriza a política da Reforma Agrária…
Não existe uma política de Reforma Agrária no Brasil. As terras que são destinadas para os trabalhadores rurais servem apenas para resolver conflitos regionais. Não existem programas com a finalidade de acabar com a concentração de terra, com o latifúndio. O que temos é simplesmente uma política agrícola que, cada vez mais, prioriza e fortalece as grandes empresas, que deixam de fora o trabalhador rural. O MST vem mostrando que esse modelo, principalmente a monocultura, não gera empregos, não tem compromisso com populações nem com o meio ambiente.
Quais as relações econômicas desse grupo com a Yeda Crusius?
O governo do estado tem um alinhamento político-ideológico e está a serviço dessas empresas. A Aracruz Celulose foi uma das maiores financiadoras da campanha da governadora. A empresa liberou aproximadamente R$ 500 mil. A governadora ignora licenciamentos ambientais contra a Aracruz, ao ponto de demitir o secretário do Meio Ambiente para defender os seus interesses. Infelizmente, o governo está cumprindo um papel de dar condições para o fortalecimento dessas empresas, deixando de lado as preocupações com a população.
O governo, as empresas e a Brigada Militar do estado pressionaram o MP a aprovar esse documento?
Sim. É a partir das ações dos grupos econômicos, do poder político, da Brigada Militar e do MP que montaram esse movimento para acabar com o MST no Rio Grande do Sul.
Qual o impacto dessa situação na militância?
É natural que as pessoas fiquem um pouco apreensivas com a violência e a repressão que a Brigada Militar utiliza para reprimir o nosso Movimento no estado. Esses fatos criam um processo de indignação na nossa base, nos nossos acampamentos e assentamentos. Não será esse processo de repressão que vai impedir as nossas mobilizações, que vão continuar acontecendo no próximo período.
E nos outros estados, como está a situação da criminalização?
Esse movimento não acontece apenas no Rio Grande do Sul, onde o fato de terem colocado no papel e assinado revela uma maior intenção. Agora, essas ações do capital e esse enfrentamento do conjunto do nosso Movimento acontecem em todo o país. Os fatos se revelam de maneiras diferentes. No Paraná, por exemplo, há um enfrentamento com a pistolagem legalizada de empresas de seguranças, que estão matando nossos companheiros. Porém, o movimento que o capital está fazendo pretende enfraquecer o MST a nível nacional.
Qual o balanço do MST sobre a Reforma Agrária no estado?
Nos últimos cinco anos, nada foi feito pela Reforma Agrária. Foram assentadas somente 850 famílias. Hoje há mais de 2.500 famílias acampadas no estado. Algumas estão há mais de seis anos embaixo de barracos esperando por terras. Em vez do governo se preocupar em assentar as famílias, destinar terras para a produção de alimentos e geração de empregos, adota uma postura contrária, que é a produção de matéria-prima para exportação.
Quais as iniciativas para dar continuidade à luta?
Estamos completando 25 anos de lutas no RS. Nosso movimento nasceu para fazer a luta e a luta deve continuar. Surgimos para questionar os problemas, defender a classe camponesa. Somos reprimidos porque, mesmo passado todo esse tempo, estamos mantendo nossas idéias e objetivos. Recebemos apoio de vários setores da sociedade nacional e internacional. Do ponto de vista político, estamos recorrendo judicialmente dessas decisões, que pretendem impedir o processo de mobilização. Nos próximos dias, voltaremos a nos mobilizar e exigir que se faça Reforma Agrária nesse país.