Decisão pela soberania
Por Josemar Dantas*
Desde quando o governo passou a propagandear nos quatro cantos do globo o programa para exploração do biocombustível, a compra de terras por estrangeiros avançou em ritmo de escalada. As áreas mais disputadas hoje localizam-se no Oeste da Bahia, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Tocantins, Maranhão, Pará e São Paulo. Os órgãos de controle governamental não sabem quantos e quem são os adquirentes, tampouco o tamanho das áreas já ocupadas ao longo dos últimos 10 anos.
O único cálculo disponível não se presta para sustentar avaliação integral e correta do problema. Sabe-se, segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que 5,5 milhões de hectares já teriam sido transferidos para compradores de diversos países. Do total, 3,1 milhões estariam nos espaços amazônicos. Os números, contudo, não são confiáveis. Os donos de propriedades não são obrigados a declarar sua nacionalidade ao registrá-las. Os cartórios, a seu turno, não anotam em separado as glebas adquiridas por cidadãos de outros países.
Pela Lei nº 5.709/71 não brasileiros só podem comprar até 50 Módulos de Exploração Indefinida (MEI), cujas áreas variam entre 250 a 5 mil hectares, conforme a extensão do município. Antes, porém, será necessário a realização de projeto agropecuário para efeito de aprovação pelo Ministério da Agricultura. Nos casos de utilização do terreno para exploração industrial, é obrigatória a autorização prévia do Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio.
Sucede que, em 1998, o então advogado-geral da União, Geraldo Quintão, fulminou em parecer a constitucionalidade da Lei nº 5.709/71. Este o argumento principal que o convenceu: a Constituição não estabeleceu diferença entre empresa nacional de capital estrangeiro e empresa nacional. Portanto, sociedades organizadas no exterior estariam habilitadas a adquirir terras nas mesmas condições exigidas das pessoas físicas e jurídicas brasileiras. A partir daí instalou-se o caos.
Poderosos consórcios internacionais, de olho na decisão do governo de transformar o país em futuro pólo mundial do biocombustível, logo se assenhorearam de grandes posses em áreas estratégicas. Vale citar alguns gigantes da economia mundial: a Fundação Soros, do bilionário grego George Soros, a Microsoft, de Bill Gates, a Google, as suecas Precius Woods e Stora Enso. Não falta até a presença insólita de seitas mundiais, como a Igreja Unificada do reverendo Monn Sun Myung. Um caso merece referência singular: o empresário sueco Johan Eliash, conselheiro para questões ambientais do primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, comprou 160 mil hectares de florestas nos tratos amazônicos (área maior do que o município de São Paulo).
Agora, de forma tardia, mas ainda a tempo de evitar dano maior à soberania nacional, o governo vai ao Congresso para obter legislação mais rigorosa sobre a alienação de glebas a estrangeiros. São três os principais requisitos necessários à legalização do negócio: a soma das áreas não poderá ultrapassar um quarto da superfície do município onde se situem; na escritura da compra deverá constar a identidade do adquirente e comprovação de residência no Brasil; no caso de pessoas jurídicas, deverão comprovar que a exploração agropecuária ou industrial é prevista em seus estatutos, assim também a licença da empresa para funcionar no país.
Como a matéria apenas regulamenta a posse de terras, sem ferir o estatuto das empresas de capital estrangeiro sediadas no Brasil, não haverá substrato jurídico apto a impugnar a constitucionalidade da decisão do governo brasileiro. É o que importa esclarecer ante a petulante intenção de grupos oportunistas interessados em derrubá-la com base em suposta afronta à Constituição.
*Josemar Dantas é editor do suplemento Direito e Justiça do Correio Brasiliense, jornal onde este texto foi publicado originalmente.