Estudo sobre a questão agrária e a luta pela terra no Brasil

A QUESTAO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA NO BRASIL
Das lutas messiânicas ao combate ao agronegócio

Por José Ronaldo Santos

As lutas camponesas sempre foram uma constante na história do Brasil. Os conflitos sociais no campo não são algo que se restringem simplesmente ao nosso tempo. Assim, as ocupações atuais realizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST e por outros movimentos populares são ações de resistência em contraposição às grandes concentrações fundiárias e contra à exploração exacerbada. São formas atuais de retomar a luta histórica pela conquista da terra, do trabalho e de condições mais dignas de sobrevivência. Nesse sentido, são cinco séculos de luta contra o latifúndio e de conflitos de índios, negros, posseiros e de trabalhadores contra os latifundiários e as elites do país.

Vale ressaltar que, no desenrolar da história de formação do Brasil, as lutas de resistência começaram com a chegada do colonizador europeu, há mais de 505 anos. Desde esse momento, os povos indígenas e primitivos resistem à matança promovida pela mão perversa do homem branco, iniciando a luta contra o cativeiro e, por excelência, contra o aprisionamento da posse da terra, contra toda a forma de opressão e exclusão. A chegada do europeu teve como conseqüência a tomada do território indígena e seguidamente a sua escravidão onde futuramente seria introduzido a trabalhos dos negros africanos trazidos ao território americano. Todos esses fatores foram fundamentais para produção do território capitalista.

As primeiras lutas dos indígenas registradas ocorreram por volta do século XVI e XVII. A busca de índios pelos bandeirantes a mando dos senhores de escravos, nesta época para escravizá-los em trabalhos voltados para a economia brasileira teve diversos movimentos de resistência como, por exemplo: a Confederação dos Tamoios e a Guerra dos Potiguares. Outra grande batalha que se tem registro nos limites do sul do Brasil com a Argentina e Uruguai, onde os jesuítas organizaram as missões religiosas em terras comuns que abrigavam até trinta povos guaranis, sendo cada povoado composto por aproximadamente 12 mil índios (PREZIA E HOORMART, 1989, p. 91-9).

Outro grande foco de luta e resistência contra a dominação deste território se deu com os movimentos dos quilombos. Movimento este que tivera como expressão de sua luta de resistência à formação de territórios livres, onde viviam negros, alguns índios e trabalhadores livres ou excluídos dos grupos coloniais. Palmares foi o maior quilombo da história do Brasil. Estava localizado na zona da mata, cerca de 70 quilômetros do litoral, hoje região de Alagoas e Pernambuco. Esse quilombo foi composto pela união de vários povoados socialmente organizados e que formou a União Palmares, tendo como principais lideres o Acotirene, Andalaquituche, Zumbi, Tabocas, Sucupira e Macaco. Juntos, estes lideres eram responsáveis por mais de 20 mil pessoas, que cultivavam o solo plantando milho, feijão, mandioca, dentre outros (FUNARI, 1996, p. 26-37).Os quilombos são espaços de resistência que se espalhou por diversos estados do Brasil, sofrendo diversos ataques. Só de 1602 a 1694 Palmares resistiu a inúmeros ataques dos bandeirantes. Domingos Jorge Velho, depois de muita luta e genocídio, conseguiu destruir a bonita sociedade formada por Zumbi dos Palmares, o inesquecível Quilombo dos Palmares.

Com a criação da lei de terras de 1850 foi intensificado o cerco a para dividir o território nacional em partes menores entre os senhores de terras vindos de Portugal e transformá-la em propriedade privada. Também fez aumentar a grilagem de terras e a expropriação dos posseiros de suas terras. Deste modo, o Coronelismo, nascido no Brasil Colônia e que ganhou força no Brasil Monárquico e no início do Brasil República, é à forma de controle da política territorial, sendo formado a partir dos vários currais eleitorais e do voto de cabresto.

Outro movimento que marca com profundidade a luta de resistência contra esse estado de coisas e contra a mão opressora da classe perversa e dominante foi à luta organizada por Antonio Conselheiro no Arraial de Canudos. Conselheiro ficou conhecido como beato que peregrinava pregando para o povo pobre do nordeste, seus seguidores eram formados por camponeses e ex-escravos. Conselheiro resolve instalar o Arraial de Canudos com seus seguidores como forma de construir uma sociedade livre e, portanto, que confrontava a ordem vigente e a submissão, sendo declarado, assim, inimigo da classe reacionária do momento.

Em Canudos estavam aproximadamente 20 mil pessoas, número maior que a de várias cidades da Bahia no período; conseguiam ter uma organicidade e unidade ideológica no processo de resistência à opressão. Canudos foi o símbolo da resistência do homem do nordeste brasileiro que sofreu e ainda sofre as mazelas das políticas de compensação e exploração. O beato conselheiro, sujeito dotado e muito carisma e dom na fala, conseguiu motivar homens e mulheres a lutar por sua liberdade, sem perder de vista o propósito da fé em Deus, organizando a força da resistência dos sujeitos que lutando por uma sociedade mais justa e igualitária.

Não satisfeitos e preocupados com os resultados alcançados pelos membros do Arraial de Canudos, as elites locais conseguiram influenciar a o governo central a enviar várias expedições militares de todo o pais para o aniquilamento de canudos. Ali mais de cinco mil soldados combateram contra os sertanejos aliados do conselheiro. Neste período, durante os ataques, que durou mais de um ano, ocorreu o cerco completo e o fim do Arraial, com o massacre de Canudos. No entanto, como afirma Cunha: (1982; pág. 433).

Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda historia, resistiu ate o esgotamento completo… Caiu no dia 15 de outubro de 1987, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores,que todos morreram.

Eram quatro apenas; um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil saldados.

Outro importante movimento de resistência foi o Contestado, surgido no sul do Brasil, no estado do Paraná e Santa Catarina. Tudo começou quando o governo federal fez uma grande concessão à empresa norte americana Brasil Railway Company de uma enorme faixa de terras de trinta quilômetros de largura no trecho que compreendia a construção de uma ferrovia que iria dar acesso de São Paulo ao Rio Grande do Sul.

As terras foram desapropriadas e exploradas por madeireiros que vendiam as madeiras retiradas da área no exterior. Com isso, milhares de famílias que viviam no local foram expulsas das terras.

Sentindo se incomodadas com a situação, elas se viram forçadas a saírem saqueando e ocupando outras terras na região.Foi então que em 1912 que, em Campos Novos, no Paraná, uma parte das famílias expulsa de suas terras formaram um movimento de caráter político e religioso liderado por José Maria, curandeiro denominado Monge. Com a intensificação do movimento e, conseqüentemente, dos conflitos, o monge foi acusado de proclamar a monarquia. Perseguido, ele refugiou-se na cidade de Irani, próxima a região contestada pelos estados de Paraná e Santa Catarina.

A chegada do monge causou transtorno e má interpretação, e o preço foi a sua morte antes mesmo de seus seguidores derrotarem a força policial. O movimento que então surge em 1913, na região de Taquaraçu/SC, dá continuidade ao processo de defesa das famílias expulsas de suas terras e que lutavam para ter terras para trabalhar e sustentar seus filhos. As tropas do governo, que insistiam em destruir o movimento, só depois de seguidos ataques, e da utilização de aviões e de tropas federais, conseguiram derrotar o movimento.

Em nome da defesa e da ordem, os latifundiários e o governo utilizaram as forças militares, promovendo guerras políticas. Não era a monarquia que combatiam, mas sim a insurreição dos pobres do campo (MARTINS, 1981, p. 620).

No Brasil, nas primeiras décadas do século XX, mais precisamente na região nordeste, ser “cabra macho” era ser cangaceiro, significava ter bravura pra pegar “nego” na ponta da “pexera” ou na rapidez do gatilho. Foi nessa região do país que surgiu o Cangaço. O movimento de cangaço, apesar da diversidade de grupos que receberam essa denominação, ganhou sua expressão maior com o grupo de cangaceiros que teve como líder o cangaceiro de nome Lampião. Grupo de maior destaque que acabou por ganhar também a maior demonstração prática de repudio do coronelismo nordestino e nacional (idem, p. 60).

Entrar para o cangaço foi uma maneira de os camponeses rebeldes expulsos de suas terras pelos coronéis replicarem a vingança com a prática de saques e ataques sangrentos e, até mesmo, a matança de vários coronéis daquela região do país. Nesta época, ser cangaceiro era decorrência de muitas coisas; a falta de terra para trabalhar,a extrema pobreza da região nordeste,a falta de investimentos públicos,tudo decorria para uma vida sem muita dignidade. Em defesa de viver com dignidade, coisa pouco provável em terras em que as leis republicanas não alcançavam, seriam os coronéis os representantes do Estado e aplicadores da lei.

O Cangaço, assim como outros movimentos anteriores, não foi muito longe, devido às investidas do governo que, após longos anos de caça, conseguiram por fim ao cangaço no nordeste brasileiro, matando seus principais lideres e expondo suas cabeças ao público.

Neste período, nas diferentes regiões do Brasil, os conflitos se intensificaram; camponeses e posseiros buscavam uma maneira de resistência ao poder do latifúndio. A busca por uma forma de resistência possibilitou o início das ligas camponesas que em 1945, em plena ditadura Vargas, buscaram organizar as lutas dos camponeses proprietários e de posseiros que resistiam no campo.

As atuações das ligas eram, por vezes, radicais em defesa da reforma agrária. Seus membros tinham a compreensão de que precisavam acabar com o monopólio da terra. As ligas contavam com o apoio da igreja católica, mas infelizmente foi aniquilada em detrimento da ditadura militar de 1964.No sul do Brasil também estava sendo organizado o Movimento dos Agricultores Sem-Terra – Máster que com aproximadamente 300 famílias passou a ter sua luta pela terra reconhecida com o apoio de Leonel Brizola, na época governador do Rio Grande do Sul (ECERT, 1984).
Em novembro de 1961, o camponês ligado à ULTAB(União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil) organizou em Belo Horizonte o I Congresso de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, com participação dos diversos movimentos que lutavam pela conquista da terra. Durante a realização do I Congresso da ULTAB o movimento dividiu-se ; surge então a necessidade de se conseguir a terra na lei ou na marra, o que vai dar origem à outras organizações, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, que será tratado oportunamente.

As lutas desses movimentos tiveram forte influência e contribuição de membros da Igreja Católica no Brasil, que influenciados pelo Concilio Vaticano II, promovido pelo papa João XXIII, e pela Carta de Puebla, escrita em encontros dos Bispos da América Latina, resolveram abraçar as causa socialista no mundo e, ao mesmo tempo, a causa dos pobres da cidade e dos camponeses pobres do campo, não só no Brasil, mas no mundo. Esses religiosos formaram um movimento dentro da Igreja Católica denominado de Teologia da Libertação e tiveram como colaboradores o pensamento intelectual de brasileiros como Paulo Freire, Leonardo Boff, Frei Tito, personalidades influentes na consolidação da proposta de luta e de educação de base para a alfabetização e politização dos camponeses. Além desses pensadores, o movimento da Teologia da Libertação fundamentou-se, principalmente no pensamento socialista mundial e, também, nas idéias de outros intelectuais que defendiam a luta pela libertação dos países colonizados contra a opressão dos países colonizadores.

Neste período, a criação de sindicatos era uma boa maneira de organização que as instituições que estavam no campo da luta defendiam, mas tal procedimento representava a total submissão ao governo federal, uma vez que os sindicatos eram regulados pela legislação trabalhista herdada da Era Vargas e que teve sua regulamentação aprofundada pelo regime militar de 1964. Assim, os sindicatos contavam com direção pelega, nome dado aos diretores que atrelavam as reivindicações dos trabalhadores, quando atendiam essas reivindicações, às aspirações e interesses do estado brasileiro.

Só a partir de 1962 é que vai haver um novo processo de regulamentação dos sindicatos, tanto no campo quanto na cidade, sendo criadas várias federações e realizados congressos em âmbito nacional e estadual. Nesse período, o Partido Comunista Brasileiro e a Igreja Católica disputavam esse espaço de luta na perspectiva de controlar as confederações. Em 1963, foi realizada a primeira Convenção Brasileira dos Sindicatos Rurais, realizada na cidade de Natal/RN.
A ULTAB detinha maior parte das federações, ficando fácil vencer as pretensões da Igreja Católica em controlar esse seguimento da luta social. Em dezembro do mesmo ano, houve a junção da ULTAB com a CPT(Comissão Pastoral da Terra), de onde partiu-se a idéia de criação da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG (MARTINS, 1981; MEDEIROS, 1989).

Com o golpe de 1964 houve um retrocesso de muitas das organizações que lutavam no campo e na cidade. O golpe militar acabou com a frágil democracia existente no país. Movimentos foram extintos, camponeses e suas lideranças foram perseguidos e mortos. Os latifundiários e os donos do capital estavam em situação favorável e deram início ao processo de modernização conservadora, o que mostrava ainda mais o atraso e a complicada situação das estruturas sociais do Brasil, que sempre deixou excluída a população pobre da cidade e do campo.

No campo, o avanço do capitalismo configurado na modernização conservadora fez aumentar a miséria, a acumulação e a concentração de riquezas. Este processo, foi excluindo a maioria da população do campo , modificando o meio rural com a introdução de mecanização, de insumos agrícolas, em sua maioria importada ou controlada por empresas multinacionais, de sementes selecionadas, também produzidas sob controle de multinacionais, e da industrialização. O avanço capitalista no campo, também expropriou e expulsou do campo trabalhadores rurais, configurando o que se chamou de êxodo rural, produzindo um novo personagem na luta pela terra, o bóia fria (FERNANDES, 1996b; D’INCÃO e MELLO, 1975).

O Regime Militar, com o intuito e resolver isoladamente os conflitos fundiários, criaram o Estatuto da Terra, com objetivo de evitar que os problemas do campo se tornassem um problema nacional. Mas como sempre estas medidas acabam por compensar sempre a classe dominante, serviu mais como um instrumento para dar mais mecanismos aos latifundiários continuarem explorando no campo.

Não há repressão que consiga controlar o povo, o tempo todo e em todos os espaços. Assim, os camponeses começaram a romper as cercas da repressão da ditadura militar e, mesmo com a violência do latifúndio, conseguiram organizar seus espaços de socialização política e construção do conhecimento para as transformações futuras.

Neste espaço de tempo, surgem as Comunidades Eclesiais de Base –CEBs, fomentadas pelos adeptos da Teologia da Libertação, que a luz dos ensinamentos da bíblia procuravam traduzir os sofrimentos do povo em formas de transformação da realidade, ou seja, faziam de seus encontros comunitários espaços de lutas e organização popular. Em 1975, a Igreja Católica cria a Comissão Pastoral da Terra – CPT, posteriormente essa pastoral passou a contar com a presença de religiosos de outras denominações que aceitam a opção pelos pobres á luz do evangelho. A CPT que tinha a missão de articular as paróquias e as autoridades religiosas e laicas para funcionar como mecanismo dentro da igreja de apoio a luta sindical.

Diversos teólogos ligados à igreja progressista também defendiam esta causa de libertação, podemos citar Dom Pedro Causadáliga, Dom José Gomes, Leonardo Boff, Frei Tito, dentre outros, que mais tarde foram expulsos da igreja por serem elementos de contradição.

Segundo Martins (1984), neste período houve três fontes de luta que caracterizavam os sem terra no Brasil: a luta dos assalariados, os bóias frias, esses lutaram pelo reconhecimento da dos seus míseros direitos e pela legalidade; a luta dos posseiros, que lutavam para garantir a terra como condição de sua existência e contra a grilagem. Mas o que ocorreu de fato na época foi o total descaso com a questão agrária no Brasil, e mais uma vez a classe dominante da época se viu na necessidade de colonizar para manter o controle da questão agrária. Assim, o governo militar distribuía terras, principalmente no norte do país,com isso as famílias se deslocavam para tentarem uma vida mais digna. Contudo, esses projetos de colonização fracassaram mantendo a ineficiência das empresas colonizadoras e do falso interesse de resolver tal problemática (SANTOS, 1993, p. 165).

O governo federal sempre criou organismos com o intuito de manter o controle no campo, freando as lutas camponesas. Primeiro foi criado a Superintendência Política e Agrária – SUPRA pelo governo João Goulart. Logo em seguida o governo extinguiu a SUPRA e criou o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária – IBRA e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário – INDA. Também foi criado o Estatuto da Terra. Em 1969, foi criado o Grupo Interministerial de Trabalho sobre a Reforma Agrária – GERA.

Em 1970, os militares extinguem os órgãos GERA E INDA e criam o Instituto de Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, responsável por desenvolver projetos como o Plano de Integração Nacional – PIN, e, logo em seguida cria o Programa de Redistribuição de Terras do Norte e Nordeste – PROTERRA.

O CONTEXTO PLITICO DO MST E AS VELHAS E NOVAS BANDEIRAS DE LUTAS

A repressão da luta pela terra e contra a reforma agrária foi uma constante na historia deste país, principalmente no período da ditadura militar iniciado em 1964, época de um combate odioso das elites e dos militares contras os movimentos sociais e suas lideranças.

Mas, a luta pela sobrevivência foi à marca histórica da resistência camponesa. Assim, em 1979, no dia 7 de setembro, 110 famílias ocuparam a Gleba Macáli, no município de Ronda Alta, no Sul do Brasil. Essa ocupação deu início ao processo de gestação do MST em nível nacional.
As terras da fazenda Macáli eram remanescentes de lutas pela terra na década de 60, quando o MASTER era o movimento atuante na região. Na década de 80, as lutas por terra ganham novo vigor, principalmente nas regiões sul e sudeste. Nelas, vários movimentos de ocupação são elaborados, consolidando o movimento mais atuante que o Brasil já teve; o MST depois de formado vai ter na sua gênese o processo de resistência do campesinato e a continuidade da luta de milhões de anos dos trabalhadores realizada por todos os recantos deste imenso Brasil.

Assim, alguns agravantes foram decisivos para esse processo de formação do MST, podendo ser citados a implantação do modelo econômico ditatorial, que tinha como meta implantar a rápida modernização da agricultura, com base na produção extensiva em propriedades privadas e, principalmente, pelo sistema de incentivos, créditos e subsídios. Com isso, a situação da agricultura familiar se encontrava em dificuldades devido à falta de políticas públicas que garantissem as condições dadas aos fazendeiros e latifundiários para este setor da sociedade.

Neste período, a igreja católica passava por um processo de reformas internas. Postura essa tomada depois do concilio vaticano II (1965) e da II Conferencia Geral do Episcopado Latino Americano em Medelin, na Colômbia (1968), e posteriormente na conferencia de Puebla no México (1979), isso possibilitou um movimento forte de libertação a partir das CEBs(Comunidades Eclesiais de Base), que foi um importante parceiro para o processo de gestação do MST, tendo em vista que na época da primeira ocupação foi praticamente a igreja que organizou aquela fase de lutas.
A gênese do movimento sem-terra aconteceu no interior deste processo de lutas, de resistência e contra a expropriação e expulsão dos trabalhadores do campo. O MST começou a ser formado no centro sul a partir do dia 7 de setembro de 1979, tendo em vista que o mesmo não pode ser concebido apenas como um movimento isolado, mas com um conjunto de fatores e ações que durou pelo menos quatro anos (FERNANDES, 2000, p. 50).

Os lugares e os momentos formam a realidade. As pessoas fazem os momentos transformam os lugares e constroem a realidade. Foi assim que trabalhadores sem-terra de vários estados começaram a formar um movimento de força popular massiva. Em maio de 1978 a historia da luta pela terra no momento em que passa o Brasil começa a contar com a resistência dos índios Kaigag da Reserva Nonoai, que já lutavam desde 1974 com o apoio do Conselho Indigenista Brasileiro (CIMI). Neste período somavam se a estes um grupo de aproximadamente 600 famílias formando um numero aproximado de 3000 três mil pessoas.

Outro fato marcante deste momento foi a conquista de Ronda Alta, que se deu a partir do encontro da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB em 1982 onde a igreja católica em parceria com a igreja luterana acabaram comprando as terras para garantir que as famílias provisoriamente ficasse ali instaladas até serem transferidas. Esta foi a melhor forma de pressionar o governo. Neste mesmo mês, no estado de Goiás, aconteceu a V Romaria da terra que reuniu mais de 20 mil pessoas.

O processo de surgimento do MST foi marcado por experiências de ocupação, encontros estaduais e nacionais que em 1984 culminou com a oficialização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST,ocorrida no I Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, de 21 a 24 de janeiro, em Cascavel (PR). Em 1985, no período de 29 a 30 foi realizado I Congresso Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. Este congresso foi realizado no estado do Paraná-Curitiba, com a participação de 1600 delegados de todo o Brasil.

O ponto de partida para construir o MST nos estados foi à organização de uma estrutura básica, formada pela existência da coordenação, direção, secretaria e setores de atividades. Essa forma de estruturação foi concebida desde as práticas das organizações camponesas históricas e, principalmente, nas experiências vivenciadas pelas famílias na organização de comissões e núcleos nos acampamentos e assentamentos (FERNANDES, 2000, p. 95).

Assim, o MST construiu suas instâncias de representação compostas por direção e coordenação estadual e nacional. Este processo foi feito por etapas, seu começo está na ocupação de terras.

Contudo, o que realmente foi fundamental para a consolidação do MST foi à aceitação e inclusão das classes no seu processo de ocupação. As famílias passavam por um processo de trabalho de base nos grandes centros urbanos, comunidades rurais dentre outras. Assim foi se consolidando as ocupações e substancialmente o processo de gestação de assentamentos rurais no Brasil.

UMA NOVA FASE NA LUTA PELA TERRA E A NECESSIDADE DE ORGANIZAÇAO DA BASE

Comemorando no ultimo dia 21 de janeiro de 2009 seus 25 anos de existência e de lutas o MST concebe a Reforma Agrária como um dos eixos fundamentais de socialização dos meios de produção e da vida incluindo se ai a distribuição das terras,através de uma reforma agrária radical que contemple melhorias de vida para as comunidades rurais e para a classe pobre que almeja um retorno ao modo de vida digno com saúde,educação,moradia e acima de tudo com condições humanas de vida.

Estamos falando de um movimento que no início da fundação, não tinha muitas alternativas de quadros e pouca experiência organizativa, mas com o passar dos tempos foi descobrindo que só a partir da luta organizada conseguiria se firmar enquanto movimento que luta por terra e reforma agrária.

Assim, logo no primeiro congresso, em 1985, uma das metas estipuladas foi a expansão do MST para todos os estados. O congresso ficou marcado pela necessidade de dar organicidade as lutas, mais tarde tiveram a necessidade de não só trabalhar as questões da terra, mas que dentro desta luta haveria de ser travada uma luta pela saúde de qualidade, uma educação voltada para o campo e baseadas em princípios socialistas e humanistas, e outras questões de ordem social.

Desta forma, o setor de educação foi um dos primeiros a se consolidar. O seu papel é o de cuidar da educação dos Sem-Terrinha, que por sua vez são identificados como Sem Terra em processo de construção e,assim como os adultos, são responsáveis pelos rumos que futuramente o MST vai ter no campo da política e da luta pela reforma agrária. O setor de saúde se empenha na área da prevenção e no resgate da medicina alternativa e dos conhecimentos populares. O setor de formação cuida do aspecto da formação política e ideológica dos assentados. O setor de gênero trata das relações estabelecidas entre homens, mulheres e outras orientações sexuais dos Sem Terra, tentando desmistificar o preconceito e machismo que é muito forte em nossas áreas.O setor de comunicação cuida das questões de relacionamento institucional do movimento com a sociedade e com os meios de comunicação, este é um setor que ainda está em processo de consolidação. O setor de direitos humanos também é recente e trata de questões referentes às condições sociais do assentamento e acampamento, bem como regularização de documentos, maus tratos, exploração infantil, dentre outros. Outro setor de muitíssima importância e que faz jus a este trabalho de investigação é o setor de juventude do MST, que surge dentro de uma proposta política de organizar a juventude na perspectiva da luta social. Este setor apesar de ser recente tem muitos desafios pela frente em se comparando a tamanha demanda do MST para o processo de organicidade da juventude dos assentamentos e acampamentos.

Atualmente, o MST defende que os acampamentos e assentamentos, bem como as demais ações realizadas por ele devem funcionar em brigadas de trabalho, para facilitar a divisão das tarefas, mas esta é uma discussão que ele realiza a um bom tempo e os avanços ainda são lentos.
No campo da luta para conquistar maior organicidade, o movimento tem uma grande preocupação com a produção nos assentamentos e, principalmente, com a parte ambiental. Por isso, ele entende ser o grande latifúndio, em especial o improdutivo, o seu principal inimigo nestes vinte anos de existência. Ainda no campo político, o movimento coloca-se contra o plantio de transgênicos, a destruição do meio ambiente e, fundamentalmente, a utilização de agrotóxicos. Atualmente a demanda do movimento se estende ao combate ao agronegócio, forma de produzir voltada para a exportação e de forte exploração dos trabalhadores e do solo que vem assolapando o solo brasileiro e tirando as possibilidades do pequeno produtor de sobreviver no campo.

A questão da juventude é outra área que o MST vem investindo com a utilização de cursos de formação, cursos profissionalizantes, dentre outros. Atualmente, o movimento dispõe de cursos de ensino fundamental, ensino médio (magistério, saúde comunitária, enfermagem) e cursos superiores em pedagogia, história, medicina, direito, economia política. A necessidade de se ter estas iniciativas se deram devido ao fato da juventude se encontrar em condições de pouca formação e, acima de tudo da carência do MST em ter quadros organizativos para tocar as lutas… Assim são iniciativas que começaram meio que tímidas más que com o processo de abertura de algumas universidades, podendo ser citadas a UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), com a abertura para dois cursos de pedagogia.Estas bandeiras no entanto foram sendo ampliadas e na atualidade o MST organiza Cursos em parceria com mais de 30 universidades Publica em todo pais e no exterior,como o caso de Cuba com Cursos de medicina e educação física e Venezuela com cursos na área de agronomia.

Contudo o MST tem nos seus princípios o estudo como prioridade e principal fator de fortalecimento e conscientização da juventude. O processo de identidade só será possível com um intenso trabalho de escolarização a formação técnica casada com a formação política dos jovens assentados e acampados.

Na atualidade o MST enfrenta grandes desafios que se configura em tantos outros por toda a base espalhada em todo o Brasil.Um destes desafios é a aglutinação de forças em torno da via campesina,discutido e enfrentando questões relevantes a política nacional e internacional no que se refere ao avanço do agronegócio e da degradação das formas de vidas limpas sustentáveis,onde não haja o envenenamento da terra e conseqüentemente dos seres que vivem nela.

Outra grande bandeira de luta esta internamente nas bases,este é o espaço de organização das bases através dos acampamentos e assentamentos e fundamentalmente da construção de alternativas produtivas baseadas em um sistema de agroecologia onde os assentados e acampados possam produzir alimentos saudáveis e com qualidade de vida para suas famílias.
No mais outros desafios são pertinentes podendo ser citados a necessidade de formação política e cultural da base assentada e acampada alem da luta frente aos órgãos responsáveis por créditos,assistência técnica e outros direitos conquistados nesta luta.

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