Uma verdadeira inversão de valores
Por Márcia Pimenta
Nossa elite política tem um projeto; nos catapultar para um passado remoto, um passado de atraso, onde a poluição é sinônimo de desenvolvimento e onde qualquer floresta em pé, é um mato que precisa ser eliminado a ferro e fogo. Em um mundo tecnocientifico avançado, bagres, pererecas, índios e legislação ambiental são ervas daninhas que precisam ser extirpadas para dar lugar à modernidade. Embora haja um consenso mundial de que a degradação ambiental é um sério impedimento para qualquer projeto de desenvolvimento econômico ou social, para alguns políticos, empresários e ruralistas a preocupação ambiental é uma conspiração para impedir o país de crescer, por que todo mundo sabe, para crescer é preciso destruir a natureza!
Essa visão ultrapassada de conquista da vantagem material imediata faz parte de nossa história colonial. A natureza intacta era, e ainda o é, vista como um inimigo do progresso e precisa ser eliminada para dar lugar as estradas, agricultura e pecuária. Distantes da crise ambiental que afeta o planeta hoje, em forma de escassez de recursos naturais, desertificação, contaminação do ar, da água e do solo, buraco na camada de ozônio e aquecimento global, intelectuais do século XIX, como José Bonifácio questionavam as práticas tecnológicas e sociais rudimentares originadas no passado colonial e compreendiam a destruição do ambiente natural como o “preço do atraso” e não como o “preço do progresso”. A preservação da natureza era vista como um trunfo, devido a sua importância econômica e política.
Para Lula essa “ficha ainda não caiu”. Em seus devaneios nostálgicos já deve ter se imaginado no lugar de JK na foto emblemática, onde este posava ao lado de um gigantesco jequitibá derrubado durante a construção da rodovia Belém-Brasília. Ali, como um bravo caçador ao lado da árvore derrubada como se fosse uma caça abatida, JK repercutia a idéia de que na busca pelo progresso o homem vence a natureza! Hoje, “infelizmente”, há uma grita geral quando se propõe a construção de mais uma rodovia na floresta amazônica ou uma hidrelétrica. Logo aparecem os ambientalistas, as ONG`s, o Ministério Público, os índios e todo esse “tipo de pessoas”, que na visão do nosso governo e empresariado, estariam agindo para impossibilitar o desenvolvimento nacional.
Nossos políticos parecem ter esquecido que a legislação ambiental mundial é fruto da conscientização e mobilização da sociedade que percebeu que o processo de industrialização trazia em seu bojo, não apenas os benefícios de suas atividades, produtos e serviços, mas também riscos que ocasionam graves impactos ambientais. A sociedade compreendeu que não era mais possível que a forma capitalista de produzir ampliasse seus lucros e socializasse os prejuízos, em forma de degradação ambiental. Para produzir mais rápido era preciso extrair recursos naturais numa velocidade cada vez maior e para que os lucros viessem num espaço de tempo cada vez menor, era necessário economizar na preocupação ambiental. Misturando um pouco de ganância e uma pitadinha de ignorância foi possível fazer grandes estragos.
Nas décadas de 70 e 80 o mundo industrializado começava a ficar dependente do “ouro negro” e a indústria química e do petróleo tiveram suas imagens desgatadas por uma série de acidentes que teve grande destaque na mídia. Em 1976, 200 mil pessoas ficaram feridas por vazamento de tetracloro-dibenzo-dioxina –TCDD em Sevezo, na Itália. Em 1984, em Bhopal na Índia foram 200 mil feridos e 3.800 mortos por vazamento de metil isocianato. Em 1984, 500 pessoas morreram em Cubatão devido ao incêndio provocado pelo vazamento de hidrocarbonetos líquidos. Em 1962, a cientista Rachel Carson publicou o bombástico “Primavera Silenciosa” onde fazia o elo entre o desaparecimento de pássaros dos campos americanos e o emprego do inseticida DDT. Sua denúncia, que foi alvo de desqualificação da indústria química na época, teve imensa repercussão e culminou com a proibição do uso do DDT nos Estados Unidos e mais tarde na Europa.
A sociedade confusa não sabe se ri da piada dos bagres e pererecas, defenestrados da teia da biodiversidade como se não tivessem uma função nos serviços prestados pelos ecossistemas, ou se chora por não ser ouvida. Afinal, pesquisa recente encomendada pela ONG Amigos da Terra Amazônia à Datafolha mostrou que 94% dos entrevistados preferem o fim da derrubada florestal, mesmo que isso implique em frear o crescimento da produção agropecuária. O certo é que muitos já perceberam que será impossível para o país atingir as metas de redução do desmatamento ilegal contribuindo com o esforço mundial de diminuir as emissões de gases de efeito estufa, responsável pelo aquecimento global. O discurso “para inglês ver” é bem diferente das ações domésticas em marcha. Para combater o desmatamento ilegal criminoso na Amazônia, bastaria cumprir a legislação, mas o que se vê é a tentativa da bancada ruralista e do Ministério da Agricultura de mudar o Código Florestal Brasileiro para ampliar as áreas agricultáveis e diminuir as reservas florestais.
A preservação ambiental e de todas as formas de vida é uma questão ética. Mas podemos abordá-la pelo viés econômico e ainda assim parece uma insanidade promover sua destruição. No mundo inteiro tem havido um endurecimento das leis ambientais. Países que investem em formas mais sustentáveis de produção, certamente tem uma sociedade bem informada e exigente e não adianta insistirmos em produzir sem preocupação socioambiental e depois ficar reclamando do protecionismo do mercado internacional, como no caso dos biocombustíveis. Ou fazemos direito ou estamos fora deste mercado. Todos sabem que a natureza é a base da vida e aqueles que estimulam sua destruição visando lucro e acumulação só podem estar contando com a tecnologia para substituir os serviços ambientais prestados pela natureza. Supondo que isto fosse possível, pesquisadores avaliaram, em 1997, que 33 trilhões de dólares anuais seria o valor dos serviços ambientais prestados pela natureza. Para se ter uma idéia o Produto Nacional Bruto mundial está em torno de US$18 trilhões/ano.
Partindo da certeza de que a conscientização sobre os problemas ambientais é irreversível, resta-nos a mobilização sem trégua, contra aqueles que pretendem flexibilizar a legislação ambiental com vistas a benefícios individuais. E para ajudar na reflexão proponho o pensamento do filósofo e político anglo-irlandês Edmund Burke; “Tudo o que é necessário para o triunfo do mal, é que os homens de bem nada façam”.