Desapropriação vai considerar crime ambiental
Do Valor Econômico
Questões ambientais e trabalhistas passarão a ser levadas em conta como critério para desapropriação de terras destinadas à reforma agrária. A polêmica novidade foi anunciada ontem, após reunião da cúpula do governo federal com movimentos sociais do campo reunidos no “Grito da Terra 2009”.
Hoje, o processo de desapropriação considera apenas critérios de produtividade das propriedades rurais, medidos pelos graus mínimos de 80% de utilização da terra (GUT) e de 100% de eficiência na exploração (GEE). Agora, o governo quer levar em conta o que chama de “função social da propriedade”.
A medida abre outro capítulo na guerra declarada entre lideranças ruralistas e o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. No fim da reunião com movimentos sociais do campo, Minc comemorou explicitamente a decisão: “Este é um dia histórico na aliança entre a ecologia e a agricultura familiar. Os pequenos produtores rurais não serão mais usados como massa de manobra pelo agronegócio para destruir a floresta”, afirmou.
Em busca de apoio político no segmento familiar e da reforma agrária, o ministro do Meio Ambiente esclareceu que as desapropriações poderão ser feitas apenas em casos de crimes ambientais, como destruição de mata nativa, poluição de rios, entre outras agressões. Assim, ficariam de fora da medida questões consideradas como infrações administrativas. Uma portaria interministerial, ainda sem prazo para ser editada, fará a diferenciação.
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, afirmou que a medida dará outros parâmetros para a atuação dos técnicos do Incra, responsáveis pelo processo de desapropriação de terras. “Até hoje, quando um funcionário do Incra saía para fazer a vistoria de uma fazenda, ele analisava apenas a produtividade da terra. Saber se ela estava sendo utilizada ou não para o plantio”, declarou. “Agora, a gente vai fazer uma avaliação da situação plena das terras”. A nova metodologia de análise, segundo o ministro, abre um “novo leque” para acelerar os processos de desapropriação de terras para a reforma agrária.
Mais cedo, de cima de um trio elétrico da Contag, na Esplanada dos Ministérios, Carlos Minc anunciou tratamento diferenciado a pequenos produtores e criticou duramente os ruralistas. “A boa aliança é com o meio ambiente, com a preservação. Os ruralistas encolheram o rabinho de capeta e agora fingem defender a agricultura familiar. É conversa para boi dormir”, disse.
No Congresso, o deputado Marcos Montes (DEM-MG) atiçou a ira dos colegas ao relatar que Minc teria chamado de “vigaristas” os membros da bancada ruralista. De imediato, Minc foi “convocado” para dar explicações na Comissão de Agricultura. E os ataques ao ministro, inimigo público dos ruralistas, não pararam.
“É uma crise histérica típica do gênero”, insinuou o deputado Giovanni Queiroz (PDT-PA). “O Minc tem medo de ver a realidade dos produtores”, atacou Valdir Colatto (PMDB-SC). “Ele está mentindo, é um ditador”, reagiu Abelardo Lupion (DEM-PR). Da tribuna da Câmara, o líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO), foi ainda mais duro: “É um desqualificado, não tem estatura moral de ministro. Ele está acostumado a usar esse linguajar nos morros do Borel e da Rocinha”.
Em nota publicada no início da noite, Minc ensaiou um recuo: “Não houve qualquer intenção de insultar nenhum dirigente e nenhum parlamentar”. E classificou de “virulência e baixo nível” o ataque de Caiado. “Repudio firmemente suas alegações de qualquer contato meu com traficantes. É uma afirmação falsa, infundada e insultuosa, não condizente com a liturgia do cargo que o deputado exerce”.
Em sua batalha pública, Carlos Minc acusou “latifundiários” de usar “a bandeira dos pequenos” como “massa de manobra política” nos debates de reforma do Código Florestal. Minc quer permitir aos pequenos produtores somar as áreas de proteção permanente (APP) à reserva legal e plantar espécies frutíferas associadas a árvores nativas para recompor áreas degradadas.