Desenvolvimento de doenças tem relação direta com uso de agrotóxicos

Por Thays Ferrari Puzzi

O terceiro dia de atividades da 8ª Jornada de Agroecologia, que reuniu 3.500 pessoas no Centro de Exposição de Francisco Beltrão, no Paraná de 27 a 30/5, deu continuidade ao ciclo de conferências. As plenárias da última sexta-feira (29/5) se concentraram na questão do uso ostensivo do agrotóxico e a importância das sementes na construção da soberania alimentar.

O professor e sanitarista Alfredo Benatto ministrou uma palestra sobre a contaminação dos alimentos e suas conseqüências para a população. Após um breve relato sobre as condições de existência do ser humano, Benatto, discorreu sobre o modelo agrícola atual que foi adotado após a 2ª Guerra Mundial devida à produção de venenos e maquinários que, com o término dos conflitos, precisavam de destino.

Com a chegada da Revolução Verde, a lógica de cultivo passou a ser pautada no uso de agrotóxicos com o intuito de aumentar a quantidade de alimentos, no latifúndio e na monocultura. Segundo o palestrante, na época a população crescia em progressão geométrica, enquanto a
produção crescia em progressão aritmética, ou seja, com esta diferença estabelecida não teríamos alimentos disponíveis para todo o mundo. “A Revolução Verde veio com a proposta de acabar com a fome no planeta, mas não acabou”, disse ele.

Uma questão ainda pouco discutida na sociedade geral são as consequências reais que este modelo de produção tem causado para a população mundial. Ele explicou que “o uso de venenos para produzir deixa a planta, o alimento doentes, nós consumimos e depois vamos atrás de medicamentos nas farmácias para curar alergias, por exemplo.”

O consumo de alimentos produzidos com agrotóxicos e o aumento no desenvolvimento de doenças estão diretamente ligados. “Câncer, alergias, problemas com fertilidade. É isso que o agrotóxico faz”, ressaltou.

Segundo Benatto, o herbicida Alacor, muito utilizado em lavouras de milho, favorece o câncer de fígado, assim como organosfosfatos (substância encontrada nos agrotóxicos) e carbonatos, usados em lavouras de fumo, causam neurotoxidade. “Já existem casos em que o contato direto com estas substâncias estimula a depressão. Sendo que, o aumento no índice dos suicídios em algumas regiões já é fato consumado.”

A concentração de inseticidas em alguns alimentos é preocupante. O pimentão está no topo da lista com 64,36%, seguido do morango (36,05%) e da uva (32,67%).

De acordo com o sanitarista as transnacionais que dominam a fabricação de agrotóxicos faturam 39 bilhões de dólares com a venda do produto. Este grupo de oito empresas tem um faturamento maior que o Produto Interno Bruto (PIB) de 130 países. No Brasil, de 2000 a 2007, as empresas tiveram um aumento considerável na arrecadação. A Bayer, por exemplo, obteve lucro de 22,3 milhões de dólares.

Hoje o que vemos são os resultados da Revolução Verde. A perda do material genético, a contaminação das águas e dos alimentos, a alteração na qualidade biológica destes, a redução da absorção de trabalhadores na atividade agrícola que gerou o empobrecimento desta classe, além do êxodo rural, resultaram nas crises social e ambiental vivenciadas. “Somos especialmente dotados de sabedoria, portanto responsáveis pelo futuro dos nossos filhos.”

“Precisamos construir outro modelo de agricultura”

A fala foi feita por Frei Sérgio Görgen, representante da Via Campesina durante a conferência sobre a As Sementes e a Soberania Alimentar. De acordo com o Frei, o mistério das sementes está no segredo da multiplicação. “A partir de uma única semente, se produz inúmeras dela.”

Frei Sérgio lembrou que não é fácil, diante do atual modelo, produzir alimentos a partir de uma outra lógica. Conforme ele é preciso ter persistência e luta diária. Mas por onde começar? Para o palestrante o primeiro passo é produzir para o consumo próprio, seguido do armazenamento e conservação das sementes. “Temos que espalhar e multiplicar sementes crioulas. O debate é importante, mas precisamos enfrentar e partir para a prática.”

A questão da terra, da água, das sementes ou mudas e da energia são as quatro principais batalhas que temos de enfrentar, segundo Frei Sérgio. “Esses elementos, que ao longo de décadas foram tiradas de nossas mãos, são do povo e nós já somos vitoriosos porque a humanidade precisa dessa mudança diante das atuais crises ambiental e do alimento. Nós temos a solução nas mãos”, finalizou.

Seminários

Milho transgênico ameaça autonomia de agricultores e camponeses
Por Solange Engelmann

A liberação do plantio e comercialização de transgênicos no Brasil tem se tornado uma grande ameaça à autonomia dos agricultores em relação às grandes transnacionais da agricultura. O que tende a se agravar com a liberação da comercialização do milho transgênico, realizada em
fevereiro do ano passado.

O perigo da contaminação foi tema do seminário sobre Transgênicos e a Contaminação do Milho no Paraná, promovida pelas entidades da Campanha Brasil Livre de Transgênicos, na quinta-feira (28/5), durante a 8ª Jornada de Agroecologia.

Segundo o professor da Universidade Federal de Santa Catarina, Rubens Nodari, a dominação da tecnologia de transgenia está concentrada por seis empresas, como Monsanto, Syngenta, Bayer, entre outras, que detêm 98% das patentes em cinco países. Com a liberação do milho transgênico,
por exemplo, essas empresas inserem um gene em variedades, que foram selecionadas ao longo de séculos pelos agricultores, patenteiam todo esse melhoramento genético e passam a cobrar royalties dessas sementes.

Nodari destaca que, o plantio de sementes crioulas próximo de lavouras transgênicas provoca contaminação, e quando os agricultores voltam a usar essas variedades, antes crioulas, num período de dez anos passam ser totalmente transgênicas. Diante disso, o professor alerta que a dignidade dos agricultores e a capacidade de inovação está comprometida. “A tecnologia é totalitária e não convive com a diversidade. Assim, as sementes passam a ser cada vez mais transgênicas, vamos perdendo o patrimônio genético, passando a ser totalmente dependente da compra de sementes, destruindo a cultura e condenando a capacidade de inovação e o livre arbítrio dos agricultores”, denuncia.

No Brasil o processo de liberação do milho transgênico vem acompanhado de um lobby pesado das empresas transnacionais para aumentar seus lucros e a dependência dos agricultores. Para enfrentar essa ofensiva, o coordenador executivo da Terra de Direitos, Darci Frigo, afirma que a
estratégia central dos camponeses, agricultores familiares, movimentos sociais e entidades que lutam contra os transgênicos é articular lutas e iniciativas na área da agroecologia, na preservação e multiplicação de sementes crioulas.

André Jantara da AS-PTA (Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa), conta que uma das principais estratégias de enfrentamento da entidade tem sido trabalhar com o melhoramento do armazenamento das sementes crioulas. No entanto, ele acredita que a melhor forma de garantir o patrimônio das sementes crioulas ainda é através do plantio. “O melhor jeito de conservar as sementes não é armazenar em camaras frias, mas na terra, fazendo com que as variedades vão se adaptando às mudanças climáticas ao longo dos anos”, garante.

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, segundo o Engenheiro Agrônomo da Secretaria de Agricultura do Paraná, Marcelo Silva. No Paraná o eixo Cascavel, Toledo e Campo Mourão bateu recordes, passando de oito milhões de litros em 2005 para 12 milhões de litros em
2008. “A partir da fiscalização, os principais mitos de que os transgênicos usam menos veneno e coexistem com outras espécies (não eliminam outras espécies) foram derrubados e, inclusive encontramos contaminação em sementes convencionais certificadas”. Ele alerta, que há fortes indícios de que a colheita safrinha de milho de 2009 já esteja, na sua maior parte, contaminada no estado, pois as cooperativas não querem segregar o milho convêncional do transgênico, misturando 80% de milho convencional com 20% de transgênicos.

Diante do enorme desafio da contaminação do milho e da soja transgêncos com as sementes crioulas, as entidades da Campanha Brasil Livre de Transgênicos, definiram como prioridade durante o seminário continuar lutando contra o uso dos transgênicos, fazer um monitoramento permanente do processo de contaminação com o acompanhamento dos órgãos de fiscalização do governo do estado, para garantir o direito dos agricultores de produzir de forma autônoma, não se tornando dependente das transnacionais.

Experiência de Agroecologia em Cuba
Carla Cobalchini

A 8ª Jornada de agroecologia trouxe aos seus participantes a experiência do método de trabalho em agroecologia de Cuba. O Movimento “Campesino a campesino” foi apresentado pela cubana Omaida Travieso, representante da ANAP – Associação Nacional de Pequenos Agricultores de Cuba.

O movimento “campesino a campesino” surgiu a partir de um intercâmbio de conhecimentos entre grupos de campesinos mexicanos e cubanos em 1996.

Tem esse nome porque a proposta é a de construir a consciência agroecológica nas diversas cooperativas de agricultores cubanos, ou seja, trata-se do convencimento de camponês por camponês da importância das práticas agroecológicas.

Para isso, a metodologia do movimento conta com colaboradores divididos entre promotores, facilitadores e coordenadores. A função desses atores é diagnosticar os problemas de cada comunidade rural e, propor em conjunto, soluções agroecológicas para aquela região. Os princípios
desse trabalho são o impacto rápido, a experimentação em menor escala e o efeito multiplicador.

Um dos avanços apontados por Omaida é a constatação de que 60% das áreas campesinas se encontram sob práticas ecológicas, o que eleva os níveis de diversificação biológica e produtiva. Todo esse processo é permeado pelo debate de gênero, que busca a inserção das mulheres como
agentes da agroecologia e dirigentes do trabalho.

O principal diferencial de Cuba é o incentivo governamental à preservação do meio ambiente e à agroecologia. Os cubanos recebem bonificações do governo para erradicar pragas, “limpar” o solo de insumos químicos, reflorestar áreas. Quando um campesino quer desenvolver uma técnica agroecológica, recebe financiamento, e só terá que devolver o dinheiro se não tiver cumprido essa tarefa. Isso significa que a agroecologia em Cuba é encarado pelas autoridades como investimento,
porque emancipa os campesinos e ajuda Cuba a alcançar sua soberania alimentar.

Refletindo sobre concepções e práticas da Educação do Campo no Paraná na Jornada de Agroecologia 2009
Amaro Korb Rabelo

Falar em educação do campo, a partir de sua raiz ou de sua materialidade de origem, é compreender o conceito já explicitado há mais de uma década, de que a educação do campo é bem maior que a escola. Assim, tematizar e fazer a educação do campo, é tornar presente as
condições adversas, historicamente atribuídas ao contexto do campo. É identificar, nos modelos contraditórios de desenvolvimento em disputa, os embates que se firmam, tendo presente a vinculação da esfera econômica, entendendo que ela, para subsistir numa dinâmica determinada, precisa ser transformada em política e em cultura.

Educação do campo é um conceito cunhado neste bojo, com a preocupação de defender o direito que as populações têm de desenvolver os processos educacionais, a partir do lugar onde vivem e desde sua condição de vida, da sua cultura e de sua realidade. Ao tornar-se política pública, a
educação do campo tem desencadeado um processo importante no reconhecimento do campo como um lugar de especificidades, onde vivem sujeitos, que por assim assumirem-se, passam a reconceber-se como Sujeitos de Direitos, dentre eles, o de uma educação que contribua no
reconhecimento das próprias condições de sua existência social, de camponês, de agricultor familiar.

O avanço da Educação do Campo para a política pública, instaura também a necessidade de interrogar as estruturas escolares e as concepções pedagógicas existentes. Nisso, há ainda muitos passos a serem dados, na perspectiva de compreender a relação dialética entre desenvolvimento e educação, projeto político e escola, relação de complementariedade entre trabalhadores do campo e da cidade que vise a construção de um projeto político na perspectiva de classe.

É neste sentido que práticas pedagógicas, por pequenas que sejam, quando avançam no rompimento de algumas cercas da escola a serviço do capitalismo, precisam ser dialogadas, significadas, na perspectiva de formularem referências, somando-se na trincheira do “movimento de transformação da sociedade (campo)”.

Outra luta que ainda se faz necessária, e que deve fazer parte também dos debates da educação do campo (em outros espaços), é por avanços de uma política que minimize a rotatividade de professores nas escolas do campo. Concursos específicos para o campo, poderiam constituir um quadro mais permanente, o que permitiria compreender e avançar as propostas nas escolas do/no campo.

Desta forma, considerando que se houver formas dos sujeitos coletivamente compreenderem e avaliarem a situação em que estão inseridos, identificando os principais desafios e estabelecendo as prioridades de ação, os próprios sujeitos coletivos contribuirão de forma permanente nos rumos e na gestão necessária, ao tempo em que vão se fazendo sujeitos.

Oficinas

Água e Qualidade de Vida
Thays Ferrari Puzzi

Promovida pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul (FetrafSul-CUT), a oficina Água e Qualidade de Vida teve como objetivo apresentar o projeto, cujo lema é “Proteger a água é proteger a vida na Terra”, desenvolvido pela entidade em pequenas propriedades rurais da região sudoeste do Paraná.

Com o propósito de preservar 700 minas de águas naturais em solo e cimento, o projeto atende 28 municípios da região e contempla cerca de três mil famílias que passaram a ter acesso à água tratada para utilização e consumo direto da fonte. Alexandre Defaveri, coordenador técnico do projeto, foi quem ministrou a oficina e alertou sobre a importância da proteção de fontes como garantia e melhora da qualidade de vida da população camponesa.

“As fontes quando ficam expostas sofrem contaminação seja por agrotóxicos despejados no local, seja por dejetos de animas que passam pelo local”, ressaltou. O projeto, além de promover cursos de formação para monitores e desenvolver estudos com as famílias na perspectiva de debater a propriedade rural de maneira global e a importância da preservação das matas ciliares, por exemplo, orienta e ensina o processo de produção de uma proteção para fontes naturais de água.
Defaveri destacou que foram feitas análises da qualidade da água das propriedades atendidas antes da instalação da proteção e 70% das amostras apresentaram índices elevados de coliformes fecais e de substâncias agrotóxicas. “Essa era a água que o produtor estava bebendo”, lembrou o técnico que ainda afirmou que análises serão realizadas após a instalação das proteções. O Projeto Água e Qualidade de Vida, criado em 2004, faz parte do Programa Petrobrás Ambiental e, somente em sua primeira edição, atingiu o patamar de 1.200 fontes protegidas.

Acupuntura Vegetal
Carla Cobalchini

Quem pensou que a acupuntura só podia ser realizada em seres humanos se enganou. A acupuntura vegetal usa os mesmos princípios da acupuntura animal, surgida na China há mais de sete mil anos. O tema foi apresentado pelos educandos da Escola Latino-Americana de Agroecologia Francisco Dalchiavon, o “Chicão”, durante oficina realizada na 8ª Jornada de Agroecologia.

Numa rápida demonstração, Chicão explicou que a acupuntura vegetal se dá através da aplicação de pregos, geralmente na base dos galhos dois meses antes da floração e, conforme sua posição atuam no crescimento ou na produtividade das plantas.

Chicão tomou conhecimento da técnica pelo através do livro Manual Prático de Agroecologia, de Ernani Fornari, e aplica a técnica em um parreiral de Nova Itaberaba. A pesquisa ainda está começando, mas nos dois primeiros anos o crescimento na produção de uvas foi de 252%.
O oficineiro enfatiza que esse crescimento não pode ser atribuído exclusivamente à acupuntura vegetal, pois outros fatores estão envolvidos, como a adubação do solo. O resultado da pesquisa pode ser observado com maior segurança ao final de quatro anos.

Sistema de produção de Horta Mandala
Thays Ferrari Puzzi

Apesar de ser uma técnica recente para os brasileiros, o sistema de produção de Horta Mandala surgiu na Índia e na China, com registro também nos povos Astecas, Incas e Indígenas. A informação foi passada durante a oficina ministrada pelo agricultor Celson José Chagas, do
Assentamento Contestado, no município da Lapa.

Desenvolvido primeiramente no estado da Paraíba, este sistema de produção se destaca por proporcionar a produção de várias culturas, o que garante renda o ano inteiro para o produtor, além da possibilidade de ter uma horta, um pomar e um jardim no mesmo espaço. A experiência relatada foi da Escola Latino-Americana de Agroecologia (ELAA) que baseou a construção da Horta Mandala no trabalho coletivo. Com 11 anéis que ocupam uma área de cultivo de dois mil metros, este sistema de produção é totalmente agroecológico.

A Horta Mandala é formada por um açude construído em forma de cone que fica no centro e é utilizado como reservatório de água para irrigação. Nele há criação de peixes que, a partir dos dejetos, auxiliam na adubação. Além disso, o policultivo promove o equilíbrio do ecossistema
local, dispensando assim o uso de agrotóxicos.